É essencial que a transição de Maduro para Guaidó seja feita de forma negociada e pacífica
O colapso institucional foi decretado pelas multidões nas ruas da Venezuela, ontem, quando repetiram cada palavra do juramento de posse presidencial escrito na Constituição e lido de um palanque em Caracas pelo deputado Juan Guaidó, chefe da Assembleia Nacional.
Sob a liderança do oposicionista Guaidó, o Legislativo já havia começado a desenhar uma rota de saída do impasse com a ditadura cleptocrática comandada por Nicolás Maduro.
Único poder republicano reconhecido como legítimo por mais de 40 países, acenou às Forças Armadas com a aprovação de uma lei de anistia, circunscrita aos atos de desobediência ao antigo comandante em chefe Maduro. Ao mesmo tempo, anunciou um governo de transição até as “eleições livres”, provavelmente ainda neste semestre.
O ronco das ruas cheias soou como réquiem ao ciclo do chavismo, em cerimônia de adeus celebrada simultaneamente sobre o asfalto de mais de meia centena de cidades.
Àquela altura, já era missão impossível tentar salvar esse conglomerado civil-militar, que há tempos sobrevive à força dos tanques e à sombra da ilegitimidade e da lavagem de lucros da corrupção e do narcotráfico. No entanto, o presidente do Tribunal Supremo, Maikel Moreno, decidiu fazer uma aposta, talvez a derradeira, na continuidade de Maduro. Leu uma sentença antológica na qual o Judiciário proclama a abolição, “por absoluta inconstitucionalidade”, do perdão e da ajuda humanitária na Venezuela.
Moreno conseguiu se superar. No episódio anterior, há duas semanas, fez improvisada solenidade de posse para Maduro numa sala fechada e com poucos convidados — entre eles, Gleisi Hoffmann, presidente do PT enviada por Lula, antigo aliado chavista que está preso e condenado por corrupção.
Moreno também já foi preso e condenado. Advogado, ex-agente do serviço secreto (Sebin), o atual presidente da Corte Suprema venezuelana foi sentenciado duas vezes por assassinato, em 1987 e em 1990. Aliou-se ao chavismo emergente no final daquela década e chegou à cúpula do Judiciário.
Em contraste, ontem o deputado Guaidó exibia à multidão nas ruas um exemplar da Constituição, redigida na etapa do chavismo, e recitava a anistia recém-aprovada no Legislativo. Menos de 40 minutos depois era o presidente “interino” reconhecido pelos Estados Unidos, Brasil, Argentina e dezenas de outros governos.
A Venezuela amanhece, portanto, com dois presidentes. Guaidó, nas ruas, com a legitimidade institucional testada dentro e fora do país. Maduro, trancado e isolado, mas a uma distância suficiente para escutar o som do panelaço dos vizinhos do Palácio Miraflores.
Recebeu um telefonema do amigo Receip Erdogan, autocrata da Turquia, onde depositou parte das reservas em ouro da Venezuela. Sob pressão, rompeu relações com os Estados Unidos e estabeleceu o prazo de 72 horas para o corpo diplomático sair do país. A crise mudou de patamar.
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