- O Estado de S.Paulo
Em Davos, o presidente brasileiro parece ter entendido alguns fatos fundamentais
Jair Bolsonaro tentou lentamente desconstruir em Davos, na Suíça, no World Economic Forum, uma imagem que ele mesmo passou décadas para criar. Ao estrear de fato na cena internacional (e uma de considerável relevância), o presidente brasileiro parecia empenhado em fugir da caricatura cujos principais elementos – truculência, destempero verbal, radicalismo – vive de elementos fornecidos pelo candidato.
Bolsonaro não empolgou no discurso pois, de fato, não empolga ninguém quando discursa formalmente. O forte dele como figura política está na rapidez e “gaiatice” de algumas respostas – como a que resumiu a condição de seu adversário nas últimas eleições ao mencionar a razão de não topar duelos verbais: “quem conversa com poste é bêbado”. Mas nada disso no discurso formal, que parece melhor lido do que ouvido.
No que ele não disse, ou não se referiu diretamente, vislumbra-se o reconhecimento de alguns dados da realidade. O primeiro é o fato de que o público clássico de Davos (justamente os tais “globalistas” apegados à globalização que Bolsonaro tanto detesta) pouco se deixa levar por histrionismos, piadas, frases de efeito e oratória exacerbada. Quer linhas mestras – de preferência, com detalhes que, no caso, o presidente brasileiro não tinha para fornecer ou não achou necessário.
Bolsonaro falou dos grandes temas caros para esse público (que é o público que, mal ou bem, comanda a ampla agenda internacional): meio ambiente, segurança jurídica, abertura da economia, desregulação, diminuição de carga tributária, combate à corrupção. Falou talvez para o público interno quando se referiu à defesa dos “verdadeiros direitos humanos”. Os estrangeiros não devem ter entendido: lá fora o conceito de direitos humanos é um só.
Outro reconhecimento implícito, no tom (e também na forma do discurso) cordato, morno, pausado, é o de que a eleição de Bolsonaro foi um fato que uniu boa parte da imprensa internacional em severas críticas ao personagem político, e não estamos falando de órgãos da mídia claramente com posturas editoriais de esquerda. Esse é um dado concreto da realidade: nenhum governo brasileiro recente assumiu com uma imagem lá fora tão avariada como o de Bolsonaro. Marcar e desmarcar coletivas, com queixas fundamentadas ou não sobre o comportamento da imprensa, só vai piorar um quadro ruim.
O abandono de algumas posturas que costumam gerar muitos aplausos nas redes de apoio bolsonaristas – principalmente ligada a costumes e combate ao crime – indica também a admissão de que essas posturas (a “lacração” na internet) não são conteúdo capaz de gerar simpatias internacionais que ele, implicitamente, pareceu empenhado em conquistar. E há o reconhecimento explícito que o conjunto de regras multilaterais do comércio merece ser reformado para coibir “práticas desleais” (o velho protecionismo aplicado sem dó e defendido hoje sobretudo por Trump, que Bolsonaro tanto admira).
Bolsonaro passou ao largo ou foi genérico em relação às principais questões internacionais mais relevantes (como a crescente tensão geopolítica entre Estados Unidos e China, por exemplo), mas indicou que o Brasil pretende entrar para o clube da OCDE – o seleto grupo de economias que prosperou e parece razoavelmente interessado na tal “ordem liberal internacional” tão criticada por inspiradores de discursos do presidente.
No fundo, o que o estilo dessa estreia internacional traduz é o mais importante reconhecimento de um fato fundamental para esse novo governo. Bolsonaro deve se sentir aliviado constatando que será julgado não pelo que disser, mas pelo que fizer.
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