- Folha de S. Paulo
Feed presidencial pauta a agenda do país da forma que lhe interessa
Quem ainda acha que o clã Bolsonaro vai descer do palanque, fingir que dá qualquer importância ao chamado decoro do cargo ou ter pudores de alguma espécie pode desistir, se ainda não o fez.
Também não é o caso de esperar que alguém vá controlar o que o presidente diz. Até porque descontrolado não está. A estratégia bolsonarista é bem mais racional do que parece, o que só torna as coisas piores.
Com seus posts aparentemente absurdos, engraçadinhos sem ter graça nenhuma, escritos sabe-se lá quando pelo pai, sabe-se lá quando pelo filho zero-dois, o feed presidencial vai pautando a agenda do país da forma que lhe interessa.
O que não lhe interessa, obviamente, é falar sobre a dura caça aos votos necessários para aprovar a reforma da Previdência ou da expectativa cada vez mais baixa para o crescimento da economia neste ano.
Argumentar que o post carnavalesco de Bolsonaro apresenta a milhões de seguidores o que imagina ser a festa (que deve desconhecer) aparece como crítica compreensível, mas também inocente. É exatamente esse ruído que ele procura.
Os posts que aparecem na sua conta relacionados a assuntos sérios em geral entregam menos do que parece: são relatos de reuniões ou discussões teóricas que poderiam bem passar por conversa de bar.
O presidente-garoto-propaganda da reforma da Previdência ainda não apareceu (tampouco se viu o superministro da Economia, incrivelmente mudo na defesa do principal projeto do governo).
Nos EUA, os tuítes de Donald Trump, que nem carregavam tanta conotação moral quanto os de Bolsonaro, causavam alvoroço no começo do governo. Depois foram impressionando menos, e menos, e menos. Até que um artista teve a ideia de transformá-los em chinelos—num pé o tuíte com a afirmação inicial, noutro a contradição. Os posts não viraram exatamente sandálias da humildade, mas para alguma coisa acabaram servindo.
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