Na estratégia do governo do presidente Jair Bolsonaro para aprovar no Legislativo o pacote anticrime formulado pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública, um dos pontos mais importantes é a aproximação da cúpula do Poder Executivo com a cúpula do Poder Judiciário para ouvir críticas, receber sugestões e eliminar eventuais divergências.
O primeiro passo nesse sentido foi dado há cerca de duas semanas, quando um projeto elaborado no ano passado pelo ministro Alexandre de Moraes, com apoio do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi enviado ao ministro Sergio Moro para que o avaliasse.
Esse projeto prevê mudanças na legislação penal e processual penal para fortalecer o combate à criminalidade e tornar a Justiça mais rápida. Algumas dessas mudanças, especialmente as relativas à audiência de custódia, que determina a apresentação de um suspeito perante um juiz até 24 horas depois da prisão, colidem com pontos do pacote anticrime do ministro Sergio Moro.
O projeto do ministro Alexandre de Moraes reforça o poder dos juízes de manter ou não a prisão do suspeito e tem o endosso de seus colegas do Supremo, para os quais a audiência de custódia reforça as garantias individuais. Já o ministro Sergio Moro e sua equipe criticam a medida, considerando-a uma brecha para a libertação de criminosos.
O segundo passo para a eliminação de arestas entre o Executivo e o Judiciário foi dado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cujos membros especializados em questões de segurança pública estão propondo a criação de varas colegiadas para julgar exclusivamente delitos cometidos por organizações criminosas.
Em recente seminário realizado em Brasília, o órgão avaliou uma experiência realizada no Estado de Alagoas, na década de 2000. Inspirada no modelo dos “juízes sem rosto”, desenvolvido na Itália para combater a máfia, a vara colegiada de Maceió foi criada em 2007, após o assassinato de uma deputada federal, do sequestro de um juiz e do envolvimento de deputados estaduais com grupos de extermínio.
No início, a vara contava com cinco magistrados, que acumulavam outras varas criminais. Hoje, a vara colegiada tem três juízes titulares, todos com dedicação exclusiva. E mesmo que não haja unanimidade em suas decisões, o voto divergente jamais é publicado.
A ideia é preservar a integridade física dos magistrados contra pressões e eventuais atentados de facções criminosas, diluindo a responsabilidade individual de cada juiz. Entre 2013 e 2019, essa vara colegiada julgou 512 processos criminais. A experiência resultou numa queda no número de sequestros em Alagoas e, segundo os desembargadores do Tribunal de Justiça, foi decisiva para que o Estado deixasse de ser visto como terra dos “crimes de mando”.
Para Gilson Dipp, ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, ex-corregedor nacional de Justiça e um dos criadores das varas federais especializadas em lavagem de dinheiro, “as varas colegiadas são eficientes na segurança dos magistrados e no compartilhamento de informações de inteligência”.
Segundo Dipp, o pacote anticrime apresentado pelo ministro Sergio Moro poderia ter contemplado uma “sinalização forte” para estimular os Tribunais de Justiça a criar varas colegiadas. O ministro, contudo, alegou que a Lei 12.694, em vigor desde 2012, já permite o julgamento colegiado em primeira instância de crimes praticados por organização criminosa.
Por seu lado, juízes criminais afirmaram que essa lei ainda precisa ser aperfeiçoada. Isso porque, apesar de autorizar a criação de varas colegiadas, ela não preservou o sigilo da identidade dos julgadores, que continuam sendo obrigados a assinar suas decisões, o que põe em risco sua segurança.
As discussões travadas entre membros das cúpulas do Executivo e do Judiciário, e também no seminário do CNJ, indicam que há mais pontos de convergência do que de divergência. Esse diálogo, no entanto, é fundamental para que os projetos enviados ao Congresso propiciem a segurança pública que a sociedade tanto reivindica.
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