À medida que surgem vetores de desgaste, Bolsonaro tenta escapar para a retórica polarizante da campanha
A esta altura, até mesmo os mais fanáticos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PSL) perceberam o tamanho e a dificuldade da travessia à frente da administração.
A reforma da Previdência, na hipótese de ser aprovada, dificilmente se resolverá no primeiro semestre. O volume de recursos poupado pela mudança e o objetivo de diminuir as disparidades no acesso ao benefício correm risco palpável de ser substancialmente feridos.
A atividade econômica, que em tese reagiria ao incremento das expectativas com o novo governo, não dá mostras de se animar. Pelo contrário, as estimativas profissionais recuam e anteveem mais um ano de semiestagnação da renda per capita e elevado desemprego.
O governo infante, ademais, demonstra dificuldades precoces no modo de lidar com um Congresso Nacional que bateu na eleição o recorde de fragmentação partidária. Ministros que agradam ao círculo ideológico, como o da Educação e o das Relações Exteriores, exibem estrepitosa inapetência técnica.
Malogram tentativas de justificar transações financeiras atípicas no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, que incluem um aporte à primeira-dama.
Esta Folha descobriu que candidaturas de laranjas beneficiaram lideranças bolsonaristas. A notícia e suas repercussões levaram à queda de um ministro e complicaram a permanência de outro.
Erguem-se diante de Bolsonaro os primeiros vetores de desgaste. Não parecem mais fracos nem mais fortes que os enfrentados nas últimas décadas por outros presidentes debutantes. Em democracias competitivas e perpassadas por instituições autônomas como esta, o risco de corrosão do capital político do governante é corriqueiro.
Há formas diversas de conviver com esse fato da vida, entretanto.
O escapismo, por certo uma delas, talvez não produza antídotos duradouros contra a tendência à erosão. Atiçar suscetibilidades à esquerda e à direita com a postagem de uma cena escatológica durante o Carnaval pode até reativar por um átimo o clima de polarização irracional que parece ter favorecido Jair Bolsonaro na eleição.
Mas a diferença colossal de status entre o então candidato e o agora presidente logo se repõe. Não há mais cargo a ser disputado. Há um país repleto de problemas graves à espera de que o eleito ponha-se a trabalhar para resolvê-los. Os dias de agitar torcida terminaram.
No Brasil, um presidente da República há 66 dias no cargo tem mais a fazer do que publicar boçalidades e frases trôpegas numa rede social.
A dedicação que sobra à frente da telinha falta na reforma da Previdência, na condução da crise na Venezuela, na cobrança de retidão e competência dos ministros e na articulação com os outros Poderes.
Governe, presidente.
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