Tuíte de Bolsonaro é resposta a uma crise que não acabou
Não foi o acaso que levou o presidente da República a compartilhar vídeo pornográfico para desqualificar o Carnaval. Antes, o gesto é um ato político da maior importância.
O tuíte veio na esteira de uma semana de péssimas notícias para o governo.
Primeiro, pesquisa encomendada pela CNT revelou uma taxa de aprovação de apenas 38,9%. São dez pontos abaixo de Dilma e muitos pontos abaixo de FHC e Lula, no mesmo período. É uma sangria preocupante para quem, antes da posse, gozava de 65% de expectativa "boa ou ótima" (Datafolha).
Na sequência, foram divulgados os números da economia. O desemprego aumentou e 2019 não promete virote rápido. Além disso, Fabrício Queiroz informou o Ministério Público que o gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro operou esquemas ilegais de "rachadinha" e de contratação de cabos eleitorais. As investigações prometem chegar a outros membros da família do presidente.
De quebra, Rodrigo Maia disse faltar ao governo maioria para aprovar a PEC da reforma da Previdência nas comissões parlamentares necessárias, primeira notícia nesses três meses de governo que gerou preocupação entre aqueles que torcem por Bolsonaro em Washington e Nova York.
Por fim, veio o Carnaval: em blocos de rua de todo o país, foliões entonaram um xingamento espontâneo contra um presidente que apenas inicia seu terceiro mês de mandato.
Foi nesse contexto que Bolsonaro decidiu ocupar o espaço das redes sociais com seu tuíte-bomba.
Trata-se de um expediente de longo pedigree nos anais da história brasileira. Políticos ultraconservadores na década 1920, líderes integralistas nos 1930 e ideólogos da ditadura militar denunciaram seus opositores por degeneração sexual e o declínio moral. Assim como ocorre hoje, eles também usavam os meios de comunicação com destreza. A obra de referência é do historiador Benjamin Cowan, "Securing Sex: Morality and Repression in the Making of Cold War Brazil" (2016).
A expressão contemporânea desse tipo de ativismo moralista precede a chegada de Bolsonaro ao poder. Seus líderes, na década de 2000, foram Silas Malafaia e Marco Feliciano, para quem a esquerda representaria uma séria ameaça à família tradicional e à sexualidade convencional. Da Índia à Turquia, de Israel aos Estados Unidos, esses argumentos estão vivos e têm força.
O ato do presidente no último dia de Carnaval ilustra, portanto, um fenômeno global. Ainda revela que a crise política que impede a restauração da economia está longe de acabar. E promete que a guerra cultural não se reduzirá a mera estratégia de campanha. É uma forma de governar.
*Matias Spektor, professor de relações internacionais na FGV.
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