- O Estado de S.Paulo
Enquanto o populismo plebiscitário é baseado no conflito, o presidencialismo multipartidário é, por essência, consensual
Presidentes com perfil populista quando ascendem ao poder normalmente o fazem com um discurso de rompimento com o jogo da política tradicional e de implantação de uma “nova política”. Entretanto, uma vez eleitos, enfrentam muitas dificuldades para governar negando essas mesmas instituições.
Para lidar com esse incômodo dilema, alguns presidentes têm preferido estabelecer conexões diretas com os eleitores. Essa estratégia é conhecida como presidencialismo plebiscitário. O objetivo seria constranger os legisladores a votar de acordo com as preferências do chefe do Executivo via pressão dos eleitores. Essa escolha é chamada nos EUA de “going public,” quando lideranças partidárias são ignoradas e interpretadas como adversários. Presidentes assim governariam numa espécie de campanha perpétua por meio de vinculações diretas conduzidas com os seus eleitores.
Essa não é a única estratégia disponível para os presidentes, pois governar via conexões diretas, em vez de negociações com líderes de partidos políticos, certamente tem custos políticos altos, pois é baseada fundamentalmente no confronto e na ameaça.
Enquanto o populismo plebiscitário é, por essência, baseado no conflito, o presidencialismo multipartidário é, por essência, consensual. Enquanto o primeiro nega a necessidade de coalizão para governar e enxerga o Congresso como adversário, ao seguir como estratégia permanente o conflito com o Legislativo, o segundo tem na negociação e na barganha com os legisladores os instrumentos decisivos para que o presidente tenha condições de governar em coalizão com partidos aliados.
Por que alguns presidentes preferem seguir uma estratégia baseada na sua liderança pessoal e de conexões diretas com seus eleitores, que parece ser incompatível com os pilares institucionais do presidencialismo multipartidário, como o brasileiro?
O desenho institucional que emergiu da Constituição de 1988 no Brasil manteve a representação proporcional com lista aberta para eleger representantes para a Câmara dos Deputados. Essa modalidade de sistema eleitoral gera incentivos para o multipartidarismo. Quanto maior o número de partidos, menor a chance de o partido do presidente alcançar sozinho a maioria de cadeiras do Congresso. Se desejar governar evitando o desconforto da condição de minoria, terá de montar e gerenciar coalizões pós-eleitorais. Para tal, precisa ofertar recursos políticos e financeiros com os potenciais parceiros em troca de apoio político no Legislativo. Esse processo requer necessariamente negociação, não necessariamente corrupção.
Governar por meio de coalizões em sistemas presidencialistas multipartidários também não é destituído de custos. Entretanto, a magnitude e natureza desses custos dependem das escolhas do presidente de como gerenciar a sua coalizão. Coalizões grandes, com maior número de partidos, demandam mais recursos para serem mantidas; coalizões com maior diversidade ideológica seriam mais difíceis de serem coordenadas e gerenciadas e, por consequência, mais custosas; coalizões com perfil desproporcional que não leva em consideração o peso político dos parceiros no Legislativo demandam do presidente a mobilização de recursos adicionais para garantia de satisfação dos membros da coalizão; por último, coalizões que não espelham a preferência mediana agregada do Congresso também são mais difíceis de serem gerenciadas e, consequentemente, mais caras.
Portanto, não existiria um único modelo de gerência de coalizão. Nem todas as coalizões seriam caras e/ou disfuncionais. Lula e Dilma construíram coalizões heterogêneas, grandes, desproporcionais e distantes da preferência mediana do Congresso. Esse modelo petista de gestão de coalizão gerou custos crescentes de governabilidade. As moedas legais de recompensa (ministérios, cargos na burocracia, emendas no Orçamento etc.) revelaram-se insuficientes para gerar apoio legislativo de forma consistente. A saída encontrada pelos governos petistas foi a utilização de moedas ilegais de troca na formação e manutenção de maiorias legislativas.
Essa forma disfuncional e corrupta de gerência de coalizão tem sido interpretada pelo presidente Bolsonaro, e por uma grande parcela de seus eleitores, como a forma modal de presidencialismo de coalizão. Entretanto, as mesmas regras do presidencialismo multipartidário brasileiro já ofertaram governos de coalizão virtuosos que não necessitaram de moedas ilegais de troca. Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, montou coalizões com um menor número de parceiros que eram ideologicamente homogêneos, compartilhou poder e recursos de forma proporcional com os aliados e suas coalizões espelharam a preferência mediana do Legislativo. Essas escolhas de gerência proporcionaram a FHC um governo de coalizão eficiente, com uma taxa de sucesso legislativo muito alta e um custo de governabilidade muito baixo.
O presidente Bolsonaro pode até ser bem-sucedido na aprovação de sua agenda ambiciosa de reformas seguindo a sua estratégia plebiscitária de governar. Entretanto, corre riscos desnecessários de desgastar muito cedo suas relações com o Legislativo. “Going public” gera fadiga, animosidades crescentes e ressentimentos com legisladores. Ao primeiro sinal de fragilidade do presidente, legisladores podem dar o troco, e este pode custar a própria sobrevivência do governo.
*Professor titular da FGV Ebape/Rio
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