- Valor Econômico
Campos abre o debate sobre fixar em 3,5% o objetivo para 2022
Qual seria o ganho para a economia de uma baixa adicional na meta de inflação, fixada em 3,75% para 2021, comparado aos custos dessa redução? Essa pergunta foi feita pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, no Seminário Anual de Metas de Inflação, para três ex-ocupantes do cargo.
Com a questão, a autoridade monetária abriu ao público uma discussão que costuma ocorrer nos gabinetes restritos de Brasília. Cabe ao Conselho Monetário Nacional (CMN) definir, até 30 de junho, o objetivo a ser perseguido pelo Banco Central em 2022. A expectativa dominante é que, pelo quarto ano seguido, o CMN baixe em 0,25 ponto percentual a meta, seguindo o roteiro para trazê-la ao percentual de 3% geralmente adotado por emergentes.
Quem se voluntariou para responder à questão foi o ex-presidente do BC Henrique Meirelles, que, como ministro da Fazenda do governo Temer, foi um dos arquitetos da estratégia de redução da meta. Ele inverteu a pergunta: "Qual é o custo de baixar a meta de inflação quando as expectativas de inflação já estão lá?".
Por trás da resposta de Meirelles, está a convicção de que, no regime de metas de inflação, as expectativas têm um grande peso para determinar a inflação futura. Em tese, quando os formadores de preços acreditam que a meta será cumprida, o seu cumprimento tem meio caminho andado, com pouco ou nenhum custo em termos de perda de crescimento econômico ou de aperto na política monetária.
Hoje, em termos de ancoragem de expectativas, estamos melhores do que estivemos no ano passado. Quem notou isso foi o ex-diretor de Política Econômica do Banco Central Afonso Bevilaqua, no Seminário de Política Monetária promovido pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). No ano passado, os analistas de mercado levaram de três a quatro meses para convergir as suas projeções de inflação para a meta de 2021, de 3,75%, definida em junho de 2018. Nos dois anos anteriores, quando as metas foram reduzidas para 4,25% e para 4%, bastaram poucos dias para o mercado acreditar no seu cumprimento. Provavelmente, a dificuldade em ancorar as expectativas no ano passado estava ligada às incertezas das eleições presidenciais.
Neste ano, porém, os sinais são de que será mais fácil para o BC coordenar as expectativas, em que se pese toda a incerteza sobre a reforma da Previdência. Bevilaqua notou, no seminário, que os chamados Top 5 de longo prazo, grupo formado pelos cinco analistas que mais acertam suas projeções de longo prazo, preveem uma variação de 3,5% no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2022. Ou seja, já estão antecipando que o CMN vai baixar a meta de inflação neste mês e depositando sua confiança em que o Banco Central será capaz de cumpri-la.
Uma meta mais baixa seria mesmo sem custos? Desde 2017, o CMN estabelece as metas com dois anos e meio de antecedência, portanto bem distante do ciclo imediato de política de juros. Na última edição do Boletim Macro do Ibre, o economista José Julio Senna, um especialista em política monetária que historicamente defendeu a convergência da nossa meta de inflação para os padrões internacionais, escreveu que considera provável e bem-vindo que o CMN estabeleça uma meta de 3,5% para 2022. Mas, no documento, ele pondera que poderia influenciar a política monetária atual. "Na medida em que de fato isso esteja para acontecer [baixar a meta], esta seria uma informação a mais compatível com a relutância do BC em promover nova queda da taxa Selic", argumenta. "A fraqueza da atividade econômica tem a ver com entraves ao crescimento econômico que nada têm a ver com juros. Juros um pouco mais baixos não resolverão o problema, mas têm potencial de prejudicar a convergência da inflação para níveis mais civilizados. Por conseguinte, permanece provável a manutenção da Selic por mais algum tempo."
O professor Aloisio Araujo, da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da FGV e do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IPMA), discorda de baixar a meta de 3,75% para 3,5%. Para ele, foi um erro ter baixado a 3,75%, pois o nível ótimo para a meta estaria na casa dos 4% - ele só não advoga subir a meta porque, agora que está feito, poderia causar mais mal do que bem.
Araujo, um dos brasileiros com mais publicações em respeitadas revistas internacionais, demonstrou com formalidade acadêmica por que o Brasil deve ter meta de inflação mais alta no trabalho "Inflation Targeting Under Fiscal Fragility", que pode ser traduzido como "Metas de Inflação sob Fragilidade Fiscal", em parceria com Rafael Santos e Paulo Carvalho Lins.
O que impõe limites à baixa da meta de inflação do Brasil, como o próprio título sugere, é a fragilidade fiscal. "O Brasil não é o Chile, em termos de dívida, carga tributária, gastos previdenciários", diz Araújo, citando um país emergente que tem meta de inflação de 3% e serve como uma espécie de referência para o CMN. "Então não podemos ter uma meta tão baixa quando a deles."
Normalmente, os economistas trabalham com dois mundos na interação da política fiscal e monetária. Num deles, quando a dívida publica é baixa, a política monetária domina e é eficaz para controlar a inflação. No outro extremo, quando a dívida publica é muito alta e insustentável, a política fiscal domina, e a política monetária deve ceder e focar num nível de inflação que ajude a cobrir os buracos nas contas públicas. A fragilidade fiscal ocorre quando a economia está entre esses dois mundos.
O estudo de Araujo não tem nada de exótico: usa conceitos aceitos por economistas convencionais, como expectativas racionais e sem relaxamento de restrições às quais o governo está sujeito, num modelo de equilíbrio geral. Nele, não há nada contra metas de inflação mais baixa. "Concluímos que metas ambiciosas de inflação são bem-vindas, mas apenas depois de atingir solidez fiscal", diz o estudo. "Não é à toa que os países adotam metas diferentes entre si", afirma Araujo.
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