O Brasil ficaria na miséria, se tivesse de pagar em um ano os R$ 5,48 trilhões devidos pelo governo geral. Esse débito corresponde a 78,8% do Produto Interno Bruto (PIB), isto é, dos bens e serviços produzidos em 12 meses – comida, roupas, carros, celulares, assistência médica, remédios, sabonetes, transportes, água tratada e jogos de futebol, para citar só alguns itens muito fáceis de lembrar. Um desastre como esse dificilmente ocorrerá, porque os vencimentos são distribuídos em vários anos, mas é preciso levar a sério aqueles números. Muito a sério, porque são bem piores que os da maioria dos países emergentes. Além disso, são acompanhados e avaliados com atenção por financiadores e investidores nacionais e internacionais. Se ficarem assustados, o setor público terá problemas enormes para se financiar e o resultado mais provável será uma crise enorme. Manter longe o risco de insolvência, preservando a credibilidade do Tesouro, é o desafio mais crucial do governo.
A tarefa consiste, essencialmente, em conter o endividamento. A proporção entre a dívida e o PIB é a maior da série iniciada em 2006. A menor relação ocorreu em dezembro de 2013, quando ficou em 51,5%. A dívida só será contida para valer quando for possível pagar pelo menos os juros vencidos no ano. Para isso o setor público precisará fechar suas contas com superávit primário, isto é, com uma sobra antes dos juros.
Isso dependerá de um severo controle dos gastos obrigatórios. Esses gastos vêm sendo inflados, há anos, principalmente pela Previdência. Sem a reforma das aposentadorias, o buraco do sistema previdenciário acabará absorvendo todo o conjunto das contas públicas.
O setor público acumulou um déficit primário de R$ 95,58 bilhões nos 12 meses até abril. Nesse período, o governo central, os governos de Estados e municípios e também as estatais conseguiram um superávit primário conjunto, mas esse dinheiro foi engolido pelo buraco de R$ 198,82 bilhões do INSS. O superávit primário do governo federal, de R$ 86,61 bilhões nesse período, foi acumulado pelo Tesouro, graças à contenção de gastos, principalmente discricionários, e a algum aumento de arrecadação. Mas esse esforço tem sido e continua insuficiente para compensar o déficit crescente da Previdência.
Sem dinheiro para cobrir sequer os juros vencidos, o setor público, representado pelas contas dos governos central, dos Estados, dos municípios e das estatais (excetuadas a Petrobrás e a Eletrobrás), acumulou em 12 meses um déficit nominal de R$ 485,07 bilhões, soma equivalente a 6,98% do PIB. Proporções acima de 3% são consideradas inaceitáveis na maior parte do mundo.
A piora do quadro é inevitável, enquanto faltar, nas contas anuais, dinheiro até para cobrir os juros. Ninguém deve entusiasmar-se quando surge algum efêmero superávit primário, como ocorre, em geral, nos primeiros meses de cada ano. Tem sido um fenômeno meramente sazonal. Em abril houve um superávit desse tipo, de R$ 6,64 bilhões, nas contas consolidadas do setor público. Nos primeiros quatro meses o resultado também foi positivo, com uma sobra de R$ 19,97 bilhões. Mas nesse período o déficit do INSS, de R$ 65,10 bilhões, já quase anulou o superávit do Tesouro Nacional, de R$ 65,96 bilhões. No conjunto, o resultado primário positivo foi garantido pelos entes subnacionais e pelas estatais.
Enquanto as contas primárias permanecem no vermelho, os juros se acumulam. Como consequência, a dívida do governo geral, formado pelas administrações da União, dos Estados e dos municípios, continua aumentando como porcentagem do PIB. Pelos últimos cálculos da Instituição Fiscal Independente, vinculada ao Senado, esse quadro só começará a mudar em 2024, no segundo ano do próximo mandato presidencial. Isso ocorrerá mesmo com uma razoável reforma da Previdência. Enquanto o desajuste permanece, o buraco previdenciário continuará sugando volumes enormes de dinheiro e impedindo gastos em educação, assistência médica, pesquisa, saneamento, infraestrutura, justiça e segurança.
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