Por Malu Delgado | Valor Econômico
SÃO PAULO - As manifestações que chegam às ruas em defesa da educação deram um novo ânimo aos partidos de centro-esquerda para unificar forças políticas, mas também cresceu a constatação de que há um polo bolsonarista consolidado que preservará o forte poder eleitoral do presidente Jair Bolsonaro e dos seus aliados de direita nas eleições municipais do próximo ano.
Essas análises têm permeado as recentes conversas das lideranças oposicionistas que passaram a defender, abertamente, alianças amplas nas capitais e em cidades estratégicas na eleição de 2020.
O diagnóstico, porém, ainda não é suficiente para que dirigentes partidários oposicionistas façam previsões otimistas sobre a concretização destas alianças, mesmo sendo unânime a avaliação de que o clima está bem mais amigável do que o pós-2018. Mas o posicionamento do PT é visto com receio e há pouca crença entre essas legendas de esquerda sobre a generosidade petista na negociação de alianças.
São Paulo, por exemplo, é um caso emblemático. Nos bastidores, cogita-se o apoio da esquerda a um nome de centro, do PSB, já que inexiste um petista com força eleitoral no momento e o ex-prefeito Fernando Haddad optou por se preservar para 2022. O pré-candidato seria o ex-governador Márcio França. "Precisa combinar é se o Márcio vai querer o apoio do PT", ironizou um dirigente pessebista.
Haddad e o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), têm atuado cada vez mais em parceria, estimulados pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ambos expressam essa posição favorável por amplas alianças de centro-esquerda dentro dos respectivos partidos e estão viajando o país. Guilherme Boulos, que disputou a Presidência pelo Psol, é outro que está presente em várias destas reuniões.
"São ainda muito preliminares as conversas sobre 2020, mas vejo maturidade para que a gente coloque o interesse nacional em primeiro lugar. A ideia é aglutinar nas cidades mais importantes e mais simbólicas e há disposição para isso", afirmou Haddad ao Valor. O ex-prefeito admite que não é a totalidade do PT que demonstra essa disposição para alianças amplas, mas ressalta ter a percepção de que pelo menos metade dos dirigentes partidários está consciente desta necessidade na atual conjuntura.
• "Óbvio que há uma força cristalizada de direita. Sem estratégia correta nós poderemos ficar alijado" Flávio Dino (PC do B), governador do Maranhão
Haddad reforça que a unidade da centro-esquerda precisa existir, em primeiro lugar, no Congresso. Num segundo momento, os partidos precisam estar juntos, defende, em manifestações de apoio à sociedade civil organizada, como foi o caso dos protestos contra os cortes na educação. "Neste sentido o Bolsonaro tem nos ajudado muito", disse o ex-prefeito. A construção de alianças para 2020 é o terceiro passo, sustenta Haddad.
Dino estará, na próxima semana, com o ex-senador Roberto Requião (MDB), um dos nomes cotados para disputar, com apoio de uma frente, a Prefeitura de Curitiba. Aproveitará a viagem para visitar o ex-presidente Lula. Outra possibilidade, na simbólica Curitiba de Sergio Moro, onde Lula segue preso, é a unificação em torno de um nome do PDT, no caso o ex-prefeito Gustavo Fruet.
Em sua passagem por São Paulo na semana passada, onde esteve com Haddad e lideranças do Psol e de seu partido, o maranhense aproveitou a agenda para visitar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
O dedo de Lula está presente em quase todas as conversas. Haddad esteve na sexta-feira passada com o ex-ministro Aloízio Mercadante, nome ressuscitado por Lula para disputar a Prefeitura de São Paulo. Para o ex-prefeito, o caso da capital paulista é totalmente diferente do Rio de Janeiro, por exemplo, onde há grande confluência destas forças políticas de centro-esquerda em torno do nome do deputado federal Marcelo Freixo (Psol).
Para Flávio Dino, as ruas mostraram, na manifestação favorável ao governo Bolsonaro, que o Brasil tem hoje "uma direita hard, em estado puro". "É óbvio que há uma força eleitoral cristalizada, o que é uma novidade no país, desde 1989", conclui. Segundo Dino, a direita mais extrema teve tradicionalmente pouca expressão eleitoral antes de Bolsonaro, não ultrapassando a faixa dos 10%, o que levou as grandes disputas a orbitarem em torno de nomes de centro. Agora, afirma ele, a direita tem força relevante, entre 20% e 25% do eleitorado.
"Se não adotarmos uma estratégia correta, poderemos ficar alijados", afirma o governador, prevendo, também, um enredo possível para 2022, com uma disputa entre a direita extrema e a direita moderada, ou seja, entre Bolsonaro e João Doria, do PSDB.
Um político do PSB, também consultado nestas conversas, definiu da seguinte maneira o cenário: "Se as capitais derem a Bolsonaro uma vitória expressiva em 2020, o bolsonarismo ganha perspectiva de perenidade".
• "Vejo maturidade para que a gente coloque o interesse nacional em primeiro lugar. A ideia é aglutinar" Fernando Haddad, candidato derrotado do PT à Presidência
As conversas mais pragmáticas da centro-esquerda ficaram por um tempo paralisadas com a resistência de Ciro Gomes, que disputou a Presidência pelo PDT, em dialogar com o PT. Ciro, na semana passada, numa transmissão ao vivo nas redes sociais, foi ainda mais contundente sobre a ruptura: "O Lula é o campeão da enganação, vai tentar nos dividir, nos desunir. Está fazendo isso com o Flávio Dino, o PC do B, o PSB".
O presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, esteve com Lula na semana passada. "Manifestei minha solidariedade pessoal a um amigo de mais de 30 anos que eu acho que está sendo injustiçado. Ponto", explicou o ex-ministro de Lula e de Dilma Rousseff. Lupi disse que ele e Lula fizeram análises sobre a conjuntura nacional.
"Lula, tanto quanto eu, está muito preocupado com esse endireitamento da sociedade, perda de direitos, avanço sobre o patrimônio público. Temos que criar a frente de defesa da democracia, da soberania. Não chegamos a discutir, em nenhum momento, a questão eleitoral municipal e nacional", afirmou Lupi. E justificou: "Aquilo que não nos une não deve ser discutido".
O presidente do PDT ressalta que Ciro cumpre seu papel, viaja o Brasil e defende suas teses. Já as conversas sobre alianças cabe aos dirigentes, e não a pré-candidatos. "Não é o Haddad, o Dino, o Boulos que vão nas reuniões, são os presidentes dos partidos."
Os dirigentes do PT, PC do B, PDT, PSOL e PSB veem grande possibilidade de desgaste do bolsonarismo com o grave cenário econômico e a ausência de políticas públicas na educação e na saúde. "As fragilidades do governo atual vão estar cada vez mais expostas", avalia o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, vice-presidente nacional do PSB. Para ele, as eleições de 2020 serão um momento de análise sobre a guinada de 2018.
Mas até 2020 muita água vai rolar. Fiel seguidor do brizolismo, Lupi usa o exemplo dos descompassos históricos entre Lula e Leonel Brizola para enfatizar a difícil perspectiva de unidade da esquerda: "Não sou tão velho, mas também não sou tão novo. Vi o que aconteceu entre Brizola e Lula em 89. Vi de novo, em 94, os dois serem adversários novamente, e vi em 98 Brizola aceitar ser o vice do Lula". Não haverá, sentencia ele, candidatura única da centro-esquerda em 2022. E 2020, assegura, dependerá das realidades políticas locais.
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