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A crise anunciada
Sempre que se via em apuros, o general João Batista de Oliveira Figueiredo, o último presidente da ditadura militar de 64, ameaçava chamar “o Pires”. José Sarney, o primeiro presidente civil depois do fim da ditadura, ameaçava chamar “o Pires” sempre que era fortemente pressionado pelos políticos.
Foram dois os Pires – Walter, ministro do Exército do governo Figueiredo, e Leônidas, ministro do Exército do governo Sarney. O primeiro chegou a cogitar um golpe para melar a posse de Sarney. O segundo atuou para esfriar a temperatura política e fazer prevalecer a Constituição em vigor à época.
O Pires de Jair Bolsonaro é o ex-comandante do Exército de Dilma e de Michel Temer, o general Eduardo Villas Bôas, hoje assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República. No ano passado, Villas Boas soltou uma nota advertindo o Supremo Tribunal Federal para o risco de soltar Lula.
Quando o autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, guru da família Bolsonaro, começou a atacar duramente a ala militar do governo, Villas Bôas saiu em socorro dos seus pares e, por tabela, do próprio Bolsonaro. A menos de um mês do Sínodo da Amazônia convocado pelo Papa Francisco, Villas Boas voltou a se manifestar.
Disse que o encontro dos bispos levará em conta “dados distorcidos” sobre “o que não acontece na Amazônia”. E que o governo se preocupa como tudo isso chegará “à opinião pública internacional” porque será “explorado pelos ambientalistas”. O Sínodo “escapou para questões ambientais e também tem o viés político”, afirmou.
O governo fez gestões junto à Igreja para enviar um representante ao Sínodo. O cardeal dom Cláudio Hummes, nomeado pelo Papa relator-geral do Sínodo, respondeu que será vetada a participação de políticos com mandato. “Não virão políticos com mandato, nem militares. Não participarão”, comentou secamente.
A colisão com a Igreja Católica é a mais nova crise contratada pelo governo Bolsonaro desde que em fevereiro último ele ouviu falar do Sínodo e acionou a Agência Brasileira de Inteligência para espionar padres, bispos e cardeais. A Amazônia ainda não estava em chamas como agora, mas os focos de incêndio cresciam.
Para Bolsonaro e seus ex-companheiros de farda, o Sínodo faz parte de uma série indigesta de fatos que só contribuem para enfraquecer a imagem do governo no exterior. O presidente da França foi o primeiro a bater o tambor. Depois, o secretário-geral da ONU e, em seguida, ministros de pequenos países europeus.
Embora não digam publicamente, as vozes de maior peso nos meios militares por aqui consideram Francisco um Papa de esquerda se comparado com os que o antecederam depois que João XXIII, no final dos anos 60 do século passado, sucedeu a Pio XII e convocou o Concílio Ecumênico Vaticano II.
Devotos de Bolsonaro nas redes sociais costumam reverberar o pensamento dos chefes militares quando acusam Francisco de ser partidário de Lula livre e, por isso, comunista. Perguntou-se a Bolsonaro no último sábado se o Papa era de esquerda. “Não quero encrenca com a Igreja Católica”, ele se esquivou. Mas terá.
Aposta no militante de raiz
O cálculo do capitão
Sabe quando o presidente Jair Bolsonaro começará a se preocupar com pesquisas de avaliação do seu desempenho e do desempenho do governo como as que foram publicadas, ontem, pelo Datafolha e a XP-Ipespe?
Quando elas mostrarem que ele só conta com o apoio dos bolsonaristas de raiz – algo como 25% dos que votaram nele no ano passado. Foi o que Bolsonaro confidenciou a mais de um dos seus ministros nas últimas horas.
Por isso não está disposto a mudar em nada seu comportamento. A polarização com o PT o levou para as cabeceiras e garantiu sua eleição. Não abrirá mão dela porque acredita que a receita é a mais indicada para aspirar à reeleição.
Mas, e se der errado? Se der errado, Bolsonaro não será candidato à reeleição. Ele diz que não nasceu para ser presidente e, uma vez que é, está mais do que satisfeito. Irá curtir a vida com dona Michelle e a filha mais nova.
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