Insatisfação consolidada: Editorial | O Estado de S. Paulo
Uma nova pesquisa de opinião realizada pelo instituto Datafolha revelou que o porcentual de brasileiros que consideram o governo de Jair Bolsonaro “ruim ou péssimo” cresceu de 33% para 38% em dois meses, entre o início de julho e o final de agosto. O presidente desqualificou as conclusões da pesquisa, como sempre o faz quando contraposto a tudo que não lhe pareça positivo. “Alguém acredita em pesquisa Datafolha? Você acredita em Papai Noel?”, questionou Jair Bolsonaro ao ser indagado sobre os motivos para resultado tão negativo para um governo com oito meses de mandato.
Ocorre que o resultado divulgado pelo Datafolha não é um dado isolado da realidade. O presidente pode ignorá-lo – não convém, mas ele pode – ou dele desdenhar publicamente, mas o fato é que a nova pesquisa vem consolidar os sentimentos de desconfiança e decepção de uma parcela crescente da população brasileira em relação ao desempenho de seu governo. Outros institutos de pesquisa já haviam capturado este estado de espírito.
No início de agosto, pesquisa XP/Ipespe revelou que o porcentual de brasileiros que consideravam o governo de Jair Bolsonaro “ruim ou péssimo” também era de 38%, ante 34% na sondagem anterior. No fim do mês passado, pesquisa CNT/MDA apontou para a mesma tendência de aumento da percepção negativa sobre a qualidade do governo – ou a falta dela. De acordo com esta pesquisa, dobrou o porcentual dos que classificam o governo de Jair Bolsonaro como “ruim ou péssimo” entre fevereiro e agosto, saltando de 19% para 39%, mesmo patamar apurado pelos outros institutos.
A análise conjunta das pesquisas permite concluir que é cada vez maior o número de brasileiros insatisfeitos com o governo de Jair Bolsonaro. A percepção negativa que parcela expressiva da população tem do governo é perfeitamente compatível com o comportamento de um presidente que fez a clara opção por desconsiderar as exigências do cargo.
A continuar se portando dessa forma, vale dizer, como um candidato permanente que olha apenas para um nicho de eleitores, e não como o presidente de todos os brasileiros, Jair Bolsonaro terá de ampliar seu repertório de personagens fantasiosos para justificar o provável aumento da insatisfação em relação a seu governo. Nada indica, porém, que o presidente irá mudar. Ele parece mais adaptado ao conforto efêmero do palanque do que às pesadas responsabilidades do cargo de presidente da República.
A população conhece muito bem os problemas reais que a afligem e clama por soluções. Sabe igualmente reconhecer quando à frente do governo está alguém que não demonstra ter as qualificações necessárias para apresentá-las. É exatamente isso que transparece com clareza solar nos resultados das pesquisas citadas. À medida que o tempo passa, é como se o despreparo de Jair Bolsonaro para a Presidência da República ficasse mais evidente para um número maior de pessoas.
Pesquisas, no entanto, são ilustrativas de um momento da vida nacional e da visão que a sociedade tem sobre ele. Não são vaticínios. O presidente Jair Bolsonaro pode reagir e é precisamente isso que dele se espera.
Se, por um lado, quase 40% da população classificar o governo como “ruim ou péssimo” antes de completado um ano de mandato é um resultado muito negativo – Jair Bolsonaro ultrapassa a soma de Fernando Henrique Cardoso (15%), Lula da Silva (10%) e Dilma Rousseff (11%) aos oito meses de governo, segundo o Datafolha –, por outro, pode-se avaliar que ainda há tempo para que este mesmo governo faça as devidas correções de rumo. Obviamente, isso pressupõe que o presidente Jair Bolsonaro, primeiro, admita que há o que corrigir. Depois, que empreenda todos os esforços necessários para tratar dos problemas que, de fato, demandam atenção presidencial.
O mínimo que se espera é que Bolsonaro governe com a altivez e a responsabilidade que se exige da Presidência da República, deixando as ações de campanha para a época apropriada.
O arrocho de 2020: Editorial | Folha de S. Paulo
Projeto de Orçamento para o próximo ano aprofunda ajuste de má qualidade
O projeto de Orçamento do governo federal para 2020, o primeiro elaborado na gestão de Jair Bolsonaro (PSL), merece uma menção positiva a seu realismo. Não se nota na peça a tentativa de mascarar o cenário sombrio que se afigura para as políticas públicas.
Os brasileiros destinarão um quinto de sua renda —se contados os estados e municípios, a parcela vai a um terço— para financiar uma máquina estatal que continuará gastando muito além de suas possibilidades. A qualidade da despesa, ademais, vai piorar.
Haverá recursos adicionais para áreas e finalidades que já contam com mais do que deveriam; de outro lado, haverá cortes em atividades e serviços essenciais que já se encontram depauperados.
As receitas da União, nada desprezíveis, estão estimadas em R$ 1,645 trilhão. Descontados os repasses obrigatórios aos demais entes federativos, sobra R$ 1,355 trilhão . Deste valor, três quartos serão consumidos pela Previdência e pela folha de pagamentos.
Mesmo com a perspectiva de aprovação da reforma das aposentadorias, estima-se alta real dos desembolsos do INSS. Os encargos com pessoal, ao menos, não devem crescer acima da inflação.
Nos dois casos, as despesas há muito se mostram excessivas diante dos padrões internacionais. Os ajustes imprescindíveis, no entanto, arrastam-se sob obstáculos políticos, em especial devido ao poderio do funcionalismo.
Nesse aspecto, o correto diagnóstico não se reflete em medidas concretas, fora a contenção de contratações e reajustes salariais —e mesmo essa orientação é parcial, dado que o Orçamento contempla vantagens para os militares.
Providências como a redução do número de carreiras e dos vencimentos iniciais, cogitadas desde a administração anterior, nem mesmo chegaram ao papel.
A consequência do desajuste das despesas obrigatórias, num contexto de arrecadação insuficiente, é o arrocho sobre as demais. Como noticiou esta Folha, por exemplo, a Capes, que financia pesquisadores da pós-graduação e professores da educação básica, terá suas verbas reduzidas pela metade em 2020, para R$ 2,2 bilhões.
Os investimentos (obras de infraestrutura e compras de equipamentos) vivem a deterioração mais aguda, com apenas R$ 19,4 bilhões orçados no próximo ano, ou 0,25% do Produto Interno Bruto. Até 2014, o governo federal investia o equivalente a 1,2% do PIB.
Sem mais reformas da administração e das normas orçamentárias, como se vê, esse ajuste desordenado das finanças públicas tende a se aprofundar ou a forçar um aumento da carga tributária.
O impacto é ainda mais traumático nos estados e municípios, que prestam a maior parte dos serviços essenciais e não têm a capacidade de endividamento da União.
Não há como escapar de anos de privação, que aliás já estão em curso. Cumpre evitar desde já um sacrifício maior —e em vão.
Argentina mergulha em mais uma crise de endividamento: Editorial | Valor Econômico
A Argentina voltou a mergulhar em mais uma trágica crise econômica, com os mesmos ingredientes: corrida contra o peso, reservas internacionais baixas, inflação alta, dívida externa que o país já não consegue pagar. Na sexta-feira, o governo de Mauricio Macri, decretou o controle do envio de lucros e dividendos dos bancos para fora do país. No fim de semana, veio o complemento esperado - medidas para forçar a liquidação de dólares no mercado doméstico por quem têm receitas nessa moeda - os exportadores - e limites para que empresas e não residentes comprem dólares para poupar ou remeter ao exterior (salvo para dívidas vencidas e pagamento de importações).
Na segunda-feira, após o "reperfilamento", novo nome para moratória, das dívidas de curto prazo, que se estenderão também às com o Fundo Monetário Internacional, em um total de US$ 101 bilhões, e o pacote para impedir a fuga de dólares, o peso reagiu e se valorizou 6,27% diante do dólar. Ainda assim, agosto fechou com uma desvalorização de 26% da moeda local, o que deve ter consequências devastadoras para um país que convive com uma inflação anual de 54,5% (julho). O teste das medidas mal começou e seu desfecho pode ser uma corrida bancária de grandes proporções.
As portas do inferno se abriram para os argentinos após a derrota por ampla margem de Macri nas primárias de 11 de agosto ante a chapa peronista de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, por 32% a 47% - o que levou todos os analistas argentinos a darem como certo o passeio dos Fernández nas urnas em outubro. Rapidamente os indicadores se colocaram em modo de crise, com o CDS (seguro contra calote) disparando (mais de 2.200 na sexta-feira), juros em direção à lua (83,2% ao ano, ontem), incapacidade de o governo argentino vender títulos no mercado (semana passada) e perda acelerada de reservas internacionais - em agosto, foram gastos US$ 11 bilhões.
Antes das primárias, apoiado pelo maior programa de desembolsos da história do FMI (US$ 57 bilhões), Macri recorreu a expedientes que criticava nos peronistas e congelou preços das tarifas. Depois, aumentou o salário mínimo em 35% e busca, com todas as medidas, não vencer as eleições, uma missão impossível, mas apenas passar a faixa presidencial em dezembro, com o país exangue, mas sem as convulsões sociais que levaram o presidente Fernando de la Rúa, em 2001, a fugir da Casa Rosada em um helicóptero. Desde 1928, nenhum presidente não peronista terminou o mandato.
Macri fracassou. A inflação é agora bem maior, embora Cristina Kirchner deixou o governo escondendo os índices oficiais, manipulados. Um dos eixos do programa do FMI foi a contenção do déficit público, que continuou sendo financiado menos por cortes de despesas e aumento da arrecadação e mais por endividamento, especialmente em dólares. Minoritário no Congresso, decidiu manobrar em busca de apoio e a arrecadação não reagiu - a recessão durou metade de seu mandato. A dívida externa explodiu. Cristina Kirchner entregou o governo com US$ 170 bilhões de débitos, Macri o fará com uma montanha de US$ 340 bilhões - US$ 67,7 bilhões de dívidas privadas.
O endividamento em dólares é recorrente. Néstor Kirchner deu em 2003 o maior calote da história até então, reduzindo a dívida de cerca de US$ 170 bilhões a um pouco mais da metade. Os Kirchner a levaram ao nível anterior ao default. Os investidores agora colocam um deságio de 60% nos títulos de 100 anos e outros de menor prazo emitidos pelo governo argentino. Negociar um "reperfilamento", aumentando prazos, mas sem discutir descontos, como quer o governo, não é crível para quem tem reservas líquidas baixas, estimadas em US$ 13 bilhões.
E não basta apenas vontade. Macri não pode negociar nada que ultrapasse 58 dias, quando terminam as eleições. A oposição dos Fernández deixa no rastro da campanha eleitoral as piores impressões sobre o futuro. Alberto Fernández declarou que Macri e o FMI são a causa da crise, que é preciso um programa de aumento do consumo para o qual "não pedirá permissão" à instituição, uma das maiores credoras da nação. O kirchnerismo deve predominar na orientação do governo, pelos discursos recentes, em plena crise. Crucificado pela oposição, Macri passará aos Fernández o legado de seu fracasso em reverter por sua vez as políticas desastrosas dos Kirchner. O pêndulo parece ter voltado à posição inicial - uma crise gigantesca e o peronismo como uma falsa saída.
Combate às milícias é vital para reduzir violência: Editorial | O Globo
Polícia Civil e Ministério Público dizem que grupos paramilitares matam mais que o tráfico no Rio
As milícias teriam surgido no Rio nos anos 50, com os grupos de extermínio. Mas foi nos anos 90,
em Rio das Pedras, na Zona Oeste, que nasceu o modelo criminoso que se espalhou para praticamente todas as regiões do estado, e está aí até hoje. De início, essas quadrilhas chegaram a iludir moradores, sob pretexto de que estavam ali para impedir que o tráfico se instalasse. Mas a realidade se mostrou bem diferente, e muito mais perversa.
Os grupos paramilitares, fundados por ex-policiais e bombeiros, sempre usaram métodos semelhantes aos de seus supostos rivais. No vácuo do Estado, implantaram suas próprias leis e montaram uma estrutura baseada no achaque aos moradores, para dar lucro e financiar a própria expansão. Criaram taxas para serviços básicos como segurança, transporte, gás, sinal de TV, internet etc. Depois passaram a investir pesado na construção civil, invadindo áreas públicas e privadas para construir imóveis irregulares, como acontece na comunidade da Muzema.
Este é hoje um de seus negócios clandestinos mais rentáveis.
Nas áreas dominadas por milícias, não vigoram as leis do Estado, mas as das próprias quadrilhas, que, tal como o tráfico, usam o terror para manter o controle. Como mostraram reportagens do GLOBO publicadas domingo e segunda, a cada dois dias uma pessoa é assassinada por essas gangues em municípios da Região Metropolitana.
A estimativa é baseada em fatos concretos. Nos últimos 12 meses, a Polícia Civil e o Ministério Público encontraram seis cemitérios clandestinos atribuídos à milícia — dois em Itaboraí, dois em Queimados, um em Belford Roxo e outro em Itaguaí. Neles havia 45 corpos ou ossadas.
Segundo promotores e policiais, as milícias já matam mais do que o tráfico. Um indicador dessa letalidade está no número de prisões por assassinatos nos municípios onde há Delegacias de Homicídio. Este ano, foram 93 milicianos contra 58 traficantes.
A situação é tão trágica que algumas famílias cujos parentes foram assassinados pela milícia são obrigadas a continuar pagando as taxas exigidas.
Está claro que a atuação dessas quadrilhas de milicianos tem impacto direto nos índices de violência do estado. O promotor Fábio Corrêa, do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público, constatou que, em 2016, quando as milícias se expandiram em Queimados, os índices de homicídio no município da Baixada dispararam.
Portanto, a redução dos índices de violência no Rio passa necessariamente pelo combate às milícias. Sabe-se que o trabalho é complexo. Esses grupos paramilitares têm influência política e muitos seguidores. O promotor Jorge Furquim revela que há fila de espera para entrar na milícia. “Se prendemos um miliciano, logo há alguém para ocupar a vaga”, diz.
Mas não há outra saída a não ser o combate sistemático a esses grupos paramilitares que matam e espalham o terror no Rio. O Estado não pode se deixar acuar por essas quadrilhas.
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