terça-feira, 3 de setembro de 2019

Fernando Exman - Precisamos falar de política industrial

- Valor Econômico

CNI apresenta propostas ao governo federal

Industriais e parlamentares têm procurado autoridades do governo Jair Bolsonaro com uma mensagem direta: "Precisamos falar de política industrial".

A notícia é positiva. Há tempos não se ouve, em Brasília, que empresários tenham procurado a equipe econômica inicialmente circunscrevendo o debate a medidas estruturais e meios de aumentar a produtividade do setor industrial. Não para pedir que o Estado seja complacente com ineficiências, aceitando novamente amenizá-las com um mero pacote de incentivos e subsídios. Mas principalmente visando a criação de um ambiente favorável à implementação de uma agenda voltada à inovação, que estimule a tomada de risco e promova o aumento da eficiência da economia.

Essa é justamente a essência do documento inédito "Critérios para uma nova agenda de política industrial", que será divulgado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) nesta semana e visa dar novo fôlego às discussões.

Aos poucos, o setor produtivo vai se adaptando à administração Bolsonaro. Na sexta-feira, por exemplo, fechou um acordo com o governo para desonerar a folha de pagamento da cobrança que é feita para financiar o Sistema S, alvo do presidente e de sua equipe desde a campanha eleitoral.

São frequentes também, no Planalto e no Ministério da Economia, críticas a gestões anteriores e ao papel que deram ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Dados oficiais entregues à equipe de Bolsonaro na transição fundamentam o juízo pelo menos desde o fim de 2018. Por exemplo: os subsídios saltaram de 3,7% do Produto Interno Bruto em 2008 para 4,2% no ano seguinte, passando por 5,6% em 2013 e atingindo incríveis 6,7% em 2015.

O documento "Critérios para uma nova agenda de política industrial" não foge da polêmica. A reforma tributária foi alçada ao topo das prioridades e o chamado "custo Brasil" não poderia deixar de ser mencionado. A CNI, contudo, apresenta propostas práticas para uma nova governança.

A entidade defende a atuação conjunta e articulada de ministérios, agências reguladoras, agências de fomento e de promoção. "Programas recentes voltados ao desenvolvimento industrial no Brasil falharam ao não promoverem um alinhamento entre os diferentes órgãos do Estado", sentencia o documento, destacando a importância de haver um colegiado de alto nível com poder decisório. "No Brasil, até mesmo as políticas industriais, de inovação e de comércio exterior, que deveriam ter objetivos comuns, têm sido, com frequência, desenhadas de forma independente."

A CNI advoga ainda que o alto escalão governamental esteja em diálogo permanente com o setor privado. Subgrupos técnicos acompanhariam a execução da política, permitindo ajustes necessários no meio do percurso. "Dependendo das respostas da indústria aos estímulos da política, ou até mesmo em função de mudanças no ambiente econômico, pode ser necessário reorientá-la", aponta. "Há casos em que a política deverá ser finalizada, seja porque alcançou seus objetivos, seja porque se demonstrou ineficaz para produzir os resultados esperados. Errar e acertar fazem parte da política industrial, como fazem parte de qualquer ação que envolve incerteza. Um modelo eficaz de acompanhamento e governança deve identificar rapidamente os erros e corrigi-lo."

A partir de estruturado um modelo de governança, passa-se, então, para o mérito.

Gerente-executivo de Política Industrial da Confederação Nacional da Indústria, João Emilio Gonçalves ressalta que o documento foi feito antes das eleições. Ou seja, não foi moldado para responder a eventuais desafios surgidos a partir de janeiro.

Para ele, uma política industrial não deve usar instrumentos pontuais para atacar problemas sistêmicos, o que pode resultar em desperdício de recursos. A compreensão dos desafios de cada empresário vem antes da liberação de crédito. Compras governamentais e a escalação para o BNDES entrar em campo não podem ser tabu, diz. E acrescenta: não se pode haver preconceito com subsídios.

Esses são instrumentos que estão à mesa em qualquer país, argumenta. Seria um erro simplesmente olhar para as experiências do passado e descartá-los sem antes refletir sobre os objetivos a alcançar, acrescenta. Para a CNI, qualquer ferramenta deve atender a metas e resultados intermediários que possam ser avaliados. "As políticas devem, no seu lançamento, estabelecer um prazo máximo para sua duração", diz o documento da confederação, segundo quem elas devem ser blindadas do ciclo político.

A Câmara também começa a se dedicar ao tema. A Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços terá uma subcomissão justamente para propor uma nova política industrial.

A iniciativa tem o apoio do PSL, partido do presidente da República. A relatoria está sob a responsabilidade do deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP), que está em contato direto com o Ministério da Economia. Para ele, as políticas industriais passadas foram sempre reativas e sem visão de longo prazo. Fonteyne afirma que o colegiado debaterá as experiências internacionais, o fim da política de conteúdo nacional e a necessidade de qualquer subsídio ser transparente e poder ser discriminado no Orçamento.

O governo já iniciou um movimento de assinatura de acordos comerciais, e quer manter a Zona Franca de Manaus. Em outra frente, precisa ajustar os dispositivos da Lei de Informática às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).

As propostas de reforma tributária se multiplicam no Parlamento, onde também serão votados projetos que tratam de propriedade intelectual e do estabelecimento de um marco legal para as startups. Existe muito o que se conversar, mas não há muito mais tempo a perder.

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