- Valor Econômico
Caso queda dos juros não seja suficiente, instrumentos não convencionais de política monetária serão avaliados
Muitos entenderam que o Banco Central sinalizou o seu último corte de juros em junho, dos atuais 3% para entre 2,5% e 2,25% ao ano.
Não é bem assim. O BC perseguirá a meta de inflação de 2021. Se for preciso, vai explorar os limites da queda dos juros básicos e, caso isso não seja suficiente, vai avaliar os instrumentos não convencionais de política monetária.
A comunicação do Copom mudou desde que Fábio Kanczuk assumiu a diretoria de Política Econômica do BC. Hoje, os documentos oficiais do BC abrem mais as discussões internas. Os pronunciamentos dos integrantes do colegiado têm pontos de vista diferentes. Esse debate ajuda a entender as variáveis relevantes para as decisões futuras do colegiado. Todos parecem fechados em agir para cumprir as metas.
No últimos dias, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e Kanczuk disseram que o chamado limite efetivo mínimo para a taxa básica de juros (o chamado “lower bound”), um dos pontos mais polêmicos da ata do Comitê de Política Monetária (Copom) de maio, é um piso “dinâmico” para a taxa Selic. Não é algo estático, muda com o tempo e está sujeito a avaliações diferentes dos membros do Copom sobre o seu percentual exato e sobre como lidar com ele.
Campos Neto e Kanczuk apresentaram definições diferentes do “lower bound”. Num evento da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib), o presidente do BC se referiu ao “lower bound” como um ponto em que, quando a Selic vai abaixo dele, colhe-se o efeito contrário do esperado: em vez de estimular a economia e levar a inflação para a meta, aperta as condições financeiras, retrai a economia e afasta a inflação da meta.
“Se você reduzir o juro, a moeda se desvaloriza, a bolsa cai, o CDS sobe, a curva de juros começa a inclinar muito”, disse Campos Neto. “A percepção que fica é que você não expandiu as condições de liquidez na economia, você na verdade criou condições restritivas.”
É uma visão diferente da expressa por Kanczuk num evento do banco UBS, junto com o ex-BC Tony Volpon. “Quando a gente fala em ‘lower bound’ nos Estados Unidos, você baixa [os juros] até certo nível e inverte o sentido [do efeito] da taxa de juros na inflação”, disse. “Não é isso que estou pensando [para o Brasil], você baixando os juros vai continuar a ter o mesmo efeito na inflação.”
Para ele, o que o “lower bound” dispara são receios com a estabilidade financeira. Baixas seguidas de juros se transmitem ao câmbio e, em determinados níveis, podem machucar a economia por meio do canal do balanço das empresas endividadas em dólares. “O BC monitora com muita atenção essa questão da estabilidade das empresas e não está havendo nenhum problema, está tudo ótimo”, ponderou. “Mas é uma questão do risco quando você aperta esse botão [dos juros] que, a partir de certo ponto, ninguém sabe qual será a reação.”
O resumo é que, por razões diferentes, Campos Neto e Kanczuk defendem maiores cuidados quando se chega perto desse “lower bound”. As divergências terminam por aí. Ambos concordam que há várias formas de estimar o “lower bound” - ou seja, o percentual exato até o qual os juros podem cair sem gerar problemas - e que esse limite vai mudando de acordo com as circunstâncias.
Nas economias desenvolvidas, o “lower bound” é basicamente quando a taxa de juros chega a zero. O risco são os depositantes sacarem recursos dos bancos, levando a uma contração dos empréstimos. Suspeita-se que, em países emergentes, deve-se considerar o prêmio de risco-país nesse “lower bound”. Entre os membros do BC e no mercado financeiro, há várias medidas de risco-país (CDS, FRA cambial), por isso cada um estima o “lower bound” diferente. Mais importante, essas medidas mudam ao longo do tempo. Campos Neto lembrou que o risco-país pode ser dividido em vários fatores: globais, dos emergentes e do Brasil (neste caso, muito determinado pelos riscos políticos e fiscais).
Mas não é só a evolução do risco que importa. Kanczuk diz que, ao se aproximar do “lower bound”, o BC tem que pesar as escolhas (“trade off”) entre buscar a meta de inflação e a estabilidade financeira. O Chile se viu num dilema parecido, conforme relatado numa ata de uma reunião de março. Em um primeiro momento, o risco à estabilidade financeira falou alto e limitou a baixa de juros. Logo em seguida, porém, o “trade off” mudou: a economia caiu mais, agudizando o risco do lado desinflacionário, e os mercados financeiros se acalmaram um pouco, suavizando o risco à estabilidade financeira.
A conclusão é que não há um limite escrito na pedra para a baixa de juros, e o BC vai seguir avaliando as condições. E, se chegar a um ponto em que não dá para baixar mais os juros, mas a inflação prospectiva segue abaixo da meta, será o caso de explorar os instrumentos não convencionais de política monetária, que incluem a expansão quantitativa (QE, na sigla em inglês) e “forward guidance”, entre outros.
Campos Neto parece mais aberto do que Kanczuk ao uso dos poderes conferidos pelo Congresso para comprar títulos públicos. “Se em algum momento for entendido que não tem mais potência em política monetária e que precisamos fazer algo além, vai surgir a conversa de o que podemos fazer além com os instrumentos que nós temos.”
A visão de Kanczuk: “QE como política monetária, não, não é o que o Banco Central tem na cabeça, não”. Para ele, um QE teria o mesmo impacto negativo sobre o câmbio - e o risco à estabilidade financeira - que baixar os juros além do “lower bound”. Um QE, afirma ele, seria uma forma de reprimir o risco-país que está na curva de juros futuro - e esse risco encontraria outra forma de se manifestar, vazando para o câmbio. “Forward guidance”, afirma ele, embora mais suave, tem o mesmo efeito colateral.
Ainda assim, Kanczuk, como Campos Neto, parece disposto a explorar esse mundo novo, pesando o “trade off” entre objetivos de estabilidade monetária e financeira. Uma das alternativas seria usar medidas macroprudenciais. O essencial é continuar a agir, sempre que preciso e com os instrumentos adequados, para levar a inflação para a meta de 2021.
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