• Governo fracassa no socorro a 16,3 milhões de empresas – Editorial | O Globo
Pandemia impôs um custo brutal ao setor. Em São Paulo, 117 mil estabelecimentos estão fechados
O governo prometeu, e fracassou. Está deixando para trás 16,3 milhões de empresas de micro, pequeno e médio portes que acreditaram no anunciado socorro oficial durante a emergência da pandemia. É um universo empresarial sobre o qual existe pouca luz e, em geral, sempre foi tratado com desdém na política econômica.
São dez milhões registrados como microempreendedores individuais (MEI, para a Receita Federal), um contingente que dobrou nos últimos cinco anos. Antes da crise provocada pelo novo coronavírus, conforme dados do Sebrae, oito em cada dez deles ganhavam acima de dois salários mínimos, com renda mensal domiciliar na média de R$ 4.400,00. Apenas uma minoria (24%) possuía fonte de renda além do trabalho em casa. Operavam, basicamente, em condições estruturais precárias — 68% não possuíam previsão de caixa para o mês seguinte.
Igualmente fragilizados estão os 6,3 milhões de pequenos e médios empresários (PMEs), mostra estudo recém-concluído do Google/IAT sobre os impactos da crise na vida brasileira. Juntas, essas pequenas e médias empresas são responsáveis por 52% dos empregos com carteira assinada no setor privado. Ou seja, constituem a fonte básica de renda para mais de 16 milhões de trabalhadores na economia formal, em todo o país.
A pandemia impôs um custo brutal para esse universo empresarial. Em São Paulo, por exemplo, 117 mil estabelecimentos comerciais estão fechados, segundo a Fecomércio. Foi interrompida, também, a cadeia de negócios na fronteira entre lojas e comerciantes informais — os ambulantes —, com perdas estimadas por dirigentes da Associação Comercial em quase R$ 1 bilhão por dia.
O drama se estende à pequena e média indústria paulista. Pesquisa Datafolha/Simpi com 181 indústrias, entre os dias 8 e 12 de maio, indica que a ampla maioria (86%) não tinha acesso ao crédito prometido pelo governo. Seis em cada dez estavam totalmente paradas ou com a maior parte do maquinário desligada — e sem qualquer auxílio estatal.
A crise está expondo a inoperância governamental em sua plenitude. Falha o prometido socorro às micro, pequenas e médias empresas, e malogra a assistência aos economicamente mais vulneráveis.
Antes da surpresa pandêmica, a burocracia impôs uma fila a dois milhões de pessoas com direito à aposentadoria. Com a disseminação do vírus criou-se outra fila, de dezenas de milhões, nos guichês da Caixa Econômica Federal. Em abril, o governo imaginava que teria de pagar R$ 600, temporariamente, a cerca de 25 milhões de “invisíveis” na economia. Em maio descobriu que são mais de 50 milhões, além dos inumeráveis sem qualquer tipo de registro em agências do Estado brasileiro.
Brasília precisa acordar e agir rapidamente na realidade de uma economia à beira do abismo. Sua ineficácia está ampliando a dimensão do desastre.
• Chanceler deve explicações sobre as decisões obscuras na política externa – Editorial | O Globo
Ex-ministros acusam atual gestão do Itamaraty de ‘sistemática violação’ de princípios da Carta
Governos do Brasil e dos Estados Unidos preveem para o segundo semestre um acordo “sobre regras comerciais e transparência, incluindo facilitação do comércio e boas práticas regulatórias”, segundo divulgaram. As negociações seguem a moldura estabelecida no Acordo de Comércio e de Cooperação que os ex-presidentes Dilma Rousseff e Barack Obama assinaram em 2011.
Diplomatas de ambos os países coincidem em qualificar como “ambiciosa” a proposta para revigorar a parceria comercial e econômica. As coincidências terminam nessa adjetivação. A partir daí tem-se diferentes interpretações nos dois governos.
Em Washington, afirmam-se objetivos definidos de uma política externa voltada à hegemonia global, com ações sob permanente escrutínio do Congresso.
Em Brasília, ao contrário, predomina a opacidade, o segredismo oficial, que impede a fiscalização e o controle pela sociedade das iniciativas relevantes na política externa.
Há poucos dias, em sintomática unanimidade, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e ex-ministros responsáveis pela diplomacia brasileira nos últimos 30 anos divulgaram documento acusando a atual gestão do Itamaraty de “sistemática violação” dos princípios orientadores das relações internacionais do Brasil estabelecidos na Constituição.
É raro caso de imputação de delitos constitucionais ao responsável pela política externa. O chanceler Ernesto Araújo ainda não respondeu com a objetividade e a transparência obrigatórias aos agentes públicos encarregados dos negócios de Estado. Limitou-se à sua claque em redes sociais e, com estridência talvez adequada a conversas de botequim, recorreu ao truque da desqualificação de quem o acusa de grave infração de responsabilidade administrativa, a violação constitucional. Fez uma observação elíptica sobre as negociações com os EUA: “É aquela que reforça nosso projeto de regeneração moral e econômica do Brasil (...) Aliança para promover a liberdade no mundo”.
Araújo deve explicações objetivas sobre os seus atos na condução das relações externas. Bravatas e enunciados obscurantistas são inaceitáveis para um representante do Estado publicamente acusado de violar a Carta, supostamente direcionando o Itamaraty na contramão dos interesses nacionais.
Governo e chanceler precisam se justificar nos fóruns institucionais, detalhando quais são os ônus e os bônus das escolhas feitas em nome do Brasil, hoje sem transparência, no jogo de poder hegemônico disputado entre os EUA e a China.
• Auxílio emergencial e clientelismo – Editorial | O Estado de S. Paulo
Não são pequenas as chances de que a tradição clientelista se imponha com o auxílio emergencial, ainda que sua transformação em permanente encontre dura resistência na realidade
O establishment político já calcula os prováveis ganhos eleitorais advindos do pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 para os trabalhadores informais que perderam renda em razão da pandemia de covid-19. Como sempre, esse cálculo ignora as tremendas restrições fiscais do País e, sobretudo, trata a crônica desigualdade de renda como oportunidade para cultivar clientes entre os mais pobres.
Desse modo, tanto o atual governo federal como a atual legislatura no Congresso, constituídos de políticos que se elegeram com a barulhenta promessa de demolir o sistema corrupto que perpetua a desigualdade, agem como os velhos coronéis da Primeira República, cujo poder se assentava no mandonismo e na relação paternalista com os eleitores das regiões remotas, dependentes em tudo do Estado. A pandemia revelou que nosso atraso vai muito além do esperado recuo inédito do Produto Interno Bruto - estamos retrocedendo mais de um século também na política, que, conforme anunciado pelo bolsonarismo, deveria ser “nova”.
A bem da verdade, esse processo já vinha acontecendo muito antes, e parecia ter encontrado seu zênite nos governos lulopetistas. O Bolsa Família, reunião de diversos programas de transferência de renda e auxílio social já existentes, tornou-se a marca mais vistosa da Presidência de Lula da Silva e de Dilma Rousseff. Desde que o primeiro benefício do Bolsa Família - que deveria ser um instrumento de ascensão social - começou a ser pago, os mapas eleitorais mostram a gratidão dos eleitores beneficiados, na forma de maciças votações em favor dos candidatos do PT, em especial na Região Nordeste, particularmente castigada pela pobreza crônica.
Há, portanto, um padrão de exploração da miséria com a finalidade de garantir uma base eleitoral suficiente para a perpetuação no poder. Nem a bolsonaristas nem a lulopetistas interessa a desgastante discussão de mecanismos de redução da desigualdade de renda que impliquem grandes e duras reformas, com vista a ampliar as oportunidades reais de ascensão social das camadas mais pobres da população. É sempre bom lembrar que a “nova classe média” festejada nos anos dourados do lulopetismo no poder tinha celular e TV de plasma, mas tinha também esgoto correndo a céu aberto na porta de casa.
O saneamento básico insuficiente é apenas a face mais vergonhosa de um atraso que, de tão persistente, só pode ser proposital. Enquanto o presidente da República perde o precioso tempo dos brasileiros com questiúnculas como “ideologia de gênero” e radares nas estradas, quase nada se fez para melhorar o ambiente de negócios no País, ponto de partida para qualquer programa que vise a impulsionar a produtividade e, consequentemente, a elevar a renda dos brasileiros sem necessidade de estimulantes demagógicos.
É claro que a emergência causada pela pandemia obriga o poder público a agir prontamente de maneira a conferir um mínimo de proteção aos que, de uma hora para outra, viram sua renda desaparecer. É questão de vida ou morte. O problema é a tentação populista, a mesma que presidiu a transformação do Bolsa Família, que deveria ser temporário, em expansão permanente e contínua.
E o oportunismo pode se dar de diversas maneiras. O governo parece ter encontrado no pagamento do auxílio emergencial uma excelente ocasião, por exemplo, para expandir a atuação da Caixa Econômica Federal no País, abrindo milhões de contas no banco estatal não só para os beneficiários sem conta em banco, mas também para os que já são clientes de outros bancos. Não satisfeita, a Caixa estuda abrir contas para beneficiários do Bolsa Família, que hoje podem sacar seu dinheiro até em lotéricas. Nada como uma boa desculpa para ampliar a carteira de clientes do banco estatal.
Assim, ainda que a transformação do auxílio emergencial em permanente encontre dura resistência da realidade - o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, informou que isso é “fiscalmente impossível” -, não são pequenas as chances de que a tradição clientelista se imponha mais uma vez. Será surpresa se, afinal, a preocupação com a sustentabilidade fiscal de longo prazo prevalecer sobre o mais rasteiro interesse eleitoral.
• A pandemia na indústria – Editorial | O Estado de S. Paulo
Produção industrial chega aos níveis mais baixos das séries mensais
Em queda livre, a atividade industrial atingiu em abril novos recordes negativos, com a produção, o emprego e o uso da capacidade nos menores níveis das séries históricas, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Pisos históricos já haviam sido atingidos em março, quando o setor foi atingido pelos primeiros impactos econômicos da pandemia, mas aquele foi apenas o começo de um desastre sem precedente. Essa nova sondagem reforça as projeções do mercado e de economistas do governo. A economia brasileira poderá contrair-se mais que 5% neste ano, admitiu o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida. A última estimativa apresentada oficialmente pelo Ministério da Economia, poucos dias antes, indicava uma redução de 4,7%.
No mercado, a mediana das estimativas captadas na pesquisa Focus de 15 de maio apontou para 2020 um Produto Interno Bruto (PIB) 5,12% menor que o do ano anterior. Alguns bancos têm divulgado projeções mais sinistras, com quedas na faixa de 6% a 9%. Em sua última previsão, apresentada na primeira quinzena de abril, o Fundo Monetário Internacional (FMI) já previa uma contração de 5,3% para o Brasil.
A perda será menor na indústria que no conjunto da economia, segundo cálculo aparentemente estranho do mercado. A produção industrial encolherá 3,68% em 2020, pela mediana das projeções da pesquisa Focus do dia 15. Quatro semanas antes ainda se apontava uma contração de 2,25%. Mas esses números, é importante lembrar, são calculados com base em um resultado já muito ruim. Em 2019 o produto industrial foi 1,1% menor que em 2018, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em seu primeiro ano - e no começo do segundo - o governo do presidente Jair Bolsonaro fez muito pouco, ou quase nada, para conter a deterioração da indústria brasileira, acelerada a partir do último governo petista. O presidente só exibiu alguma preocupação com a atividade econômica, a produção industrial e o emprego quando a nova crise, sensível a partir de março, surgiu como um possível entrave a suas ambições eleitorais e a seus interesses pessoais e familiares. Até esse momento, suas prioridades haviam ficado muito longe das questões econômicas e dos problemas de emprego.
Agora, se o presidente quiser de fato dedicar-se ao assunto, poderá começar pela nova sondagem da CNI. Em abril, segundo o relatório, o uso da capacidade instalada ficou em 49%, o menor nível desde janeiro de 2011. Em média, portanto, o setor industrial usou no mês passado menos de metade do potencial de suas máquinas e equipamentos, para citar só os meios físicos mais importantes. Em fevereiro, antes do isolamento e da redução dos negócios, a utilização ainda estava em 68%. Em março caiu para 58% e despencou para 49% quando o impacto da crise foi mais forte.
O índice de evolução de produção despencou para 26 pontos, bem abaixo da fronteira entre queda e crescimento, situada no nível 50. O indicador do emprego caiu para 38,2 pontos, também o menor nível da série iniciada em 2011.
Embora muito ruins, os números gerais da economia no primeiro trimestre parecem bem menos assustadores que os prenunciados a partir de abril. No período de janeiro a março a atividade econômica foi 1,2% mais baixa que nos três meses finais de 2019, segundo o Monitor do PIB elaborado mensalmente pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Esse dado ainda é atenuado pelo desempenho em janeiro e fevereiro. A grande mudança ocorreu em março, com uma queda mensal de 5,3%. Esse tombo é o maior da série do Monitor, iniciada em 2000. A comparação interanual ainda mostrou um avanço muito modesto, com um PIB 0,1% maior que do primeiro trimestre de 2019.
Os números oficiais do PIB de janeiro a março devem ser publicados no dia 29 pelo IBGE. Mas as primeiras estimativas indicam um primeiro trimestre ruim e antecipam um péssimo resultado anual. Os fatos ainda poderão ser piores que as previsões se o presidente Jair Bolsonaro continuar produzindo tensão política e insegurança econômica.
• Nenhum dia a mais – Editorial | O Estado de S. Paulo
Adiar as eleições deste ano para 2021 significa indevida e ilegítima ampliação de mandato
Diante da atual situação da pandemia de covid-19, o Congresso anunciou que criará um grupo de trabalho, composto por deputados e senadores, para estudar a necessidade de adiar as eleições municipais. O primeiro turno está previsto para o dia 4 de outubro. É oportuno que o tema seja avaliado e debatido, tendo em vista tanto a gravidade do quadro sanitário do País como o fato de que todo o processo eleitoral – as convenções partidárias, a campanha eleitoral e os dias de votação – envolve, em alguma medida, circulação e movimentação de pessoas, com efeitos sobre a transmissão do novo coronavírus.
A prudência recomenda, assim, que o assunto seja estudado. Se de fato for necessário, o pleito municipal deve ser adiado, e a alteração precisa ser feita por meio de uma Emenda Constitucional. No entanto, a mesma prudência recomenda não confundir adiamento das eleições com prorrogação de mandato. Uma coisa é atrasar, por força de circunstâncias excepcionais, as datas do primeiro e do segundo turno do pleito municipal, mantendo-as neste ano e assegurando que, no início de 2021, os novos prefeitos e vereadores eleitos assumam os respectivos cargos. Coisa completamente diferente é adiar as eleições deste ano para 2021, o que significaria prorrogar o atual mandato de prefeitos e vereadores. Neste caso, não haveria apenas uma mudança do calendário eleitoral, mas uma indevida e ilegítima ampliação do mandato popular.
Não cabe ao Poder Legislativo estender mandato político de quem quer que seja. O voto conferiu aos atuais prefeitos e vereadores um mandato determinado, que termina em 31 de dezembro deste ano. Eventual prorrogação do mandato representaria exercício de poder político além do que foi conferido nas urnas, o que contraria o Estado Democrático de Direito.
“Na discussão com os líderes (dos partidos) é posição quase de unanimidade que devemos ter adiamento, mas sem prorrogação de nenhum mandato”, disse o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), expressou-se em termos semelhantes: “Temos acompanhado, nos últimos dias, essa aflição dos brasileiros em relação ao problema de saúde pública e, naturalmente, a preocupação com a democracia”. No mês passado, o ministro Luís Roberto Barroso, que assumirá em breve a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), também descartou a possibilidade de levar as disputas municipais para o ano que vem.
É tranquilizador que as autoridades envolvidas tenham clareza a respeito desse assunto, sem dubiedades ou oportunismos que poderiam ser desastrosos para o País. Eventual adiamento das eleições municipais deve servir para resolver um problema, e não para criar outro ainda maior. A alteração do calendário eleitoral pode contribuir para os esforços no enfrentamento do novo coronavírus. Já transformar o adiamento das eleições em uma prorrogação de mandato popular significaria transigir com princípio fundamental da democracia.
Diante das atuais dimensões da pandemia e do que ela ainda pode causar nos próximos meses, talvez alguém possa achar desproporcional essa radical objeção a toda e qualquer prorrogação de mandato. Segundo esse raciocínio, dar aos atuais prefeitos e vereadores mais alguns meses no cargo, por exemplo, não seria assim tão desastroso. Em primeiro lugar, tal pensamento manifesta uma avaliação equivocada sobre os mandatos de prefeito e vereador, como se fossem pouco relevantes. O exercício do poder político na esfera municipal deve estar necessariamente respaldado pelo voto. Além disso, a violação do mandato popular daria ensejo a um perigosíssimo precedente, com potencial de causar enormes problemas futuros – e não só na esfera municipal.
Numa democracia, há pontos inegociáveis, nos quais não se mexe. O mandato popular é um deles. Por isso, ao avaliar eventual alteração do calendário eleitoral, o grupo de trabalho formado no Congresso deve ter presente, desde o início, que o mandato dos atuais prefeitos e vereadores acaba em 31 de dezembro de 2020. Nenhum dia a mais. E, por isso, o pleito municipal precisa necessariamente ocorrer neste ano.
• Passar a boiada – Editorial | Folha de S. Paulo
Ministro do Ambiente vê pandemia como chance para acelerar desmonte do setor
Não faltaram exibições de vileza e servilismo ladrante na famigerada reunião ministerial de 22 de abril. O ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) se destacou, na ocasião, ao manifestar de forma insensível e cínica os atributos valorizados pelo presidente Jair Bolsonaro.
“Precisa haver um esforço nosso aqui, enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”, propôs, como registrado em vídeo.
Milhares de brasileiros mortos, e o ministro se preocupa em esquivar-se da Justiça, do Ministério Público e da imprensa para seguir desmontando as normas e órgãos de Estado da pasta que recebeu com a missão de manietar.
No Ibama de hoje, termina exonerado quem organiza e põe em marcha ações contra garimpeiros e madeireiros ilegais. No ICMBio, uma reforma de fancaria afasta gestores qualificados na administração de unidades de conservação para substituí-los por policiais e militares inoperantes.
A sabotagem vai concertada com o vice-presidente, Hamilton Mourão, encarregado de ações para conter o desmatamento na Amazônia, e com a ministra Tereza Cristina (Agricultura), que recebeu de presente de Salles o poder de conceder florestas à iniciativa privada.
O general monta operação teatral com uma centena de soldados e helicópteros em Mato Grosso, usurpando função do Ibama, só para ter certeza de não autuar ninguém. A ministra pediu, e Salles deu uma canetada para tentar inutilizar restrições impostas na Lei da Mata Atlântica.
Para o governo Bolsonaro, floresta boa é floresta morta. Os resultados dessa política antiambiental estão bem à vista: a área desmatada na Amazônia, que já havia saltado 29,5% em 2019 e chegado a 9.762 km², um recorde na década, prossegue em alta. Já se projeta que a devastação possa alcançar mais de 12.000 km² neste ano.
No mundo inteiro, com as economias nacionais vergastadas pela pandemia de coronavírus, estão em queda as emissões de carbono (gases do efeito estufa que alimentam o aquecimento global). Só o Brasil terá alta, em consequência da destruição de florestas.
O mês transcorrido desde a fatídica reunião de ministério se encarregou de mostrar que Salles fracassou no intento sub-reptício de passar a boiada despercebida em plena epidemia. Juízes, procuradores e jornalistas seguem vigilantes na denúncia de sua política de terra arrasada e coberta de estrume —para usar um termo a gosto do presidente Jair Bolsonaro.
• A nova do Judiciário – Editorial | Folha de S. Paulo
É achincalhe proposta de criar mais um TRF em plena crise e sem debate aberto
Que o Judiciário brasileiro, um dos mais caros do mundo, imagina viver em uma realidade econômica paralela já se sabe. Beira o escárnio, num exemplo recente, que os três maiores tribunais estaduais brasileiros —de São Paulo, Minas e Rio— tenham mantido os penduricalhos extrassalariais dos juízes em plena crise da pandemia.
Descolamento da realidade não é privilégio da Justiça estadual. No âmbito nacional, caminha a passos largos a proposta de criação de uma nova corte, o Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), a ser instalado em Minas Gerais, por meio do desmembramento do TRF-1, que tem sede em Brasília.
Com votação na Câmara dos Deputados adiada para julho, o projeto já é negociado entre o Palácio do Planalto e os novos aliados do centrão, o que não sugere altruísmo. Urge escancarar os custos envolvidos e os interesses subjacentes.
Autor da propositura, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, sustenta que não haverá impacto no Orçamento. Alguns de seus colegas de corte, no entanto, pensam que a iniciativa poderá, sim, gerar despesas adicionais.
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, também expressou preocupação com o açodamento na condução da medida e o parco envolvimento do Conselho Nacional de Justiça no debate.
Defensores da criação do órgão sustentam, não sem alguma razão, que há sobrecarga evidente no TRF-1, que se quer desmembrar.
Dados do CNJ apontam, com efeito, que, na Justiça federal, o tribunal registra o maior volume de trabalho por magistrado na segunda instância e o maior tempo de tramitação de processos (três anos e um mês). Sem um plano de como o novo TRF mudaria tal panorama, contudo, o debate se dá no escuro.
Cumpre buscar com seriedade e transparência as melhores alternativas para enfrentar a morosidade do Judiciário, com atenção à realidade orçamentária do país —que já era precária antes da calamidade do novo coronavírus e exigirá ajustes duros uma vez superada a retração econômica já em curso.
Na ausência de um debate aprofundado sobre o projeto, que se mostra impossível no momento, votá-lo às pressas será um desserviço ao acesso à Justiça.
Cogitar fazê-lo em tempos de emergência achincalha as dezenas de milhares de brasileiros enfileirados à espera do auxílio oficial. Após a pandemia, a discussão vai requerer mais planejamento e menos pressão corporativa.
• Cuidados com a agenda de comércio no pós-pandemia – Editorial | Valor Econômico
Não será surpreendente se, ainda neste ano, a participação da Ásia atingir o patamar de 50% da pauta exportadora
A recessão global causada pela pandemia de covid-19 dá tração a uma mudança no perfil do comércio exterior brasileiro, acelerando o espaço da China e de outros países asiáticos como destino das nossas exportações. De 39,4% no primeiro quadrimestre do ano passado, a Ásia passou a absorver 47,2% dos produtos vendidos ao exterior entre janeiro e abril de 2020. Houve crescimento de 15,5% dos embarques (em valores) na comparação anual.
Para cada US$ 1 exportado à União Europeia, segundo maior receptor de bens produzidos no Brasil, já são US$ 2 para o mercado chinês. Malásia e Cingapura são exemplos de outros países que ganham relevo na agenda comercial, além do tradicional Japão, sobretudo com petróleo e produtos do agronegócio (como carnes).
Não será surpreendente se, ainda neste ano, a participação da Ásia (excluindo o Oriente Médio) atingir um emblemático patamar de 50% da pauta exportadora. Por um lado, muitos asiáticos se encontram em fase mais adiantada do que o Ocidente na saída do pico da emergência sanitária e podem escapar de uma crise econômica duradoura. Por outro lado, em um momento de perda da renda global, deixa-se de consumir chapéus de feltro ou tesouras de jardinagem - mas os alimentos se mostram mais resilientes e economias de volta ao crescimento, como é o caso da China, devem continuar comprando mais proteína animal.
Diante do novo quadro comercial, algumas posturas se fazem necessárias. A primeira e mais urgente é barrar atitudes como a do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que não apenas têm efeitos negativos para a política externa como são um exemplo literal de antidiplomacia, no sentido de distribuir grosserias. Enquanto os ministérios da Economia e da Agricultura adotam uma posição de pragmatismo e de respeito, Weintraub tratou como “bem alta” a possibilidade de uma nova pandemia surgir na China ao longo dos próximos dez anos porque, segundo seu raciocínio, os chineses comem “tudo o que o sol ilumina”. Sabe-se lá que outros insultos haveria nos trechos cortados do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril tornado público na sexta-feira.
No entanto, a política comercial deve ter horizontes muito além da manutenção de boas relações com o gigante asiático. Cerca de 55% das exportações brasileiras para os Estados Unidos são de bens e serviços de alto valor agregado. O diplomata Todd Chapman, que assumiu no fim de março a embaixada americana no Brasil, traçou como meta duplicar o intercâmbio bilateral - hoje em US$ 106 bilhões anuais - em um prazo de cinco anos (Valor, 22/6).
A conjuntura atual não permite grandes expectativas sobre negociações de livre comércio: o mandato do presidente Donald Trump está acabando, bem como o “Trade Promotion Authority” (TPA) dado à Casa Branca, e a atenção em Washington se concentra agora em questões domésticas, da pandemia às eleições. Porém, como esclareceu o próprio embaixador, há outras iniciativas que podem prosperar no curto prazo: convergência regulatória, facilitação de procedimentos aduaneiros, redução das barreiras não tarifárias e, quem sabe, até um acordo para evitar a dupla tributação de empresas com negócios nos dois países.
O governo brasileiro deveria se engajar na ratificação dos tratados de livre comércio fechados com a União Europeia e com o EFTA (bloco formado por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein). O acordo com a UE garantirá cotas abaixo do que se desejava, sem tarifas, para produtos como carnes e açúcar. Mas tudo indica que foram resguardados os interesses nacionais em temas como patentes, indicações geográficas e aplicação de salvaguardas contra eventuais aumentos bruscos de importações.
Já novos tratados comerciais, assim como a possibilidade de redução unilateral da Tarifa Externa Comum (TEC), requerem cuidado redobrado agora. Como sabe qualquer cidadão que já tenha viajado para o exterior, as elevadas alíquotas deixam mais caros os preços no Brasil e diminuem a oferta para os consumidores. No entanto, a recessão global provavelmente ampliará a capacidade ociosa nas economias industrializadas e o risco de uma sobreoferta de importados no país.
A maior inserção competitiva do Brasil nas cadeias internacionais de valor exige um dever de casa: simplificação tributária, melhorias na infraestrutura, fluidez de crédito. São problemas temporariamente mitigados pelo dólar nas alturas, mas cuja solução fica mais incerta em meio à economia parada e ao ambiente de impasse político.
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