- Folha de S. Paulo
Mourão não constitui seguro contra o impeachment; pelo contrário
O vice-presidente, no Brasil, é o ator estratégico chave no jogo do impeachment, porque é seu principal beneficiário potencial. Vice-presidentes têm a reputação de causar problema: no México, dois deles tentaram assassinar os titulares (mas só um teve êxito). Daí a suspeita de Carlos Bolsonaro em relação a Mourão.
Leiv Marsteintredet e Fredrik Uggla fizeram estudo sobre o tema utilizando uma base de dados de 188 constituições latino-americanas (e de suas emendas), de 1819 a 2016, além de dados relativos a 220 combinações de presidentes e vices, de 1978 a 2016.
A adoção de chapas únicas contendo presidente e vice é recente; apenas o Brasil adotava eleições separadas para os dois cargos no pós-guerra, o que contribuiu para a instabilidade no período 1961-1964. O padrão vigente no século 19 era ainda mais conflitivo: o segundo colocado nas urnas assumia.
A adoção da chapa única mitiga conflitos entre vices e presidentes, mas cria outros no âmbito das coalizões, que são cada vez mais frequentes. Os autores do estudo mostram que a interrupção de mandatos é três vezes mais provável quando o vice e o presidente provêm de partidos diferentes. Há países na América Latina sem vice-presidentes (Chile e México); no entanto, 98 das 220 chapas presidenciais entre 1978 e 2016 incluíam vices de outro partido ou neófitos na política.
Nas eleições presidenciais no Brasil desde 1985, apenas três dos 18 vice-presidentes das duas chapas eram do mesmo partido. Mourão não foi a primeira escolha para a chapa presidencial vitoriosa em 2018, mas, sim, Janaina Paschoal. Dada sua origem étnica, garantiria também diversidade na chapa, mas, ao contrário de tendências recentes, seu perfil agregou muito pouco à chapa: trata-se de candidato do mesmo campo ideológico de Bolsonaro. Ambos estavam afiliados a micropartidos diferentes (PRTB e PSC).
A presença de um general na chapa não constitui "seguro contra o impeachment"; pelo contrário, pode viabilizá-lo, porque não importará em derrota coletiva para o campo ideológico, mas apenas individual.
O fato de que Mourão e Bolsonaro pertencem a partidos diferentes em tese criaria incentivos para o impedimento. Mas isso só faz sentido para partidos grandes, orgânicos e disciplinados. O que importa é que há ganhos claros para o campo ideológico comum com a saída de Bolsonaro, como redução da instabilidade institucional, devido às ligações perigosas do clã familiar e sua "campanha perpétua".
O afastamento de Bolsonaro não exige mobilização ativa e quebra de lealdade para o general. Apenas aquiescência com decisões de outros Poderes. Essa é a chave para a leitura de seu artigo recente.
*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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