segunda-feira, 25 de maio de 2020

Celso Rocha de Barros* - Não foi reunião, foi flagrante

- Folha de S. Paulo

Sergio Moro falou a verdade; presidente disse claramente que queria intervir na PF

O vídeo da reunião presidencial de 22 de abril é um flagrante.

Sergio Moro falou a verdade. Bolsonaro disse claramente que queria intervir na Polícia Federal na página 25 da transcrição da reunião: começa com “eu tenho o poder e vou interferir em todos os ministérios, sem exceção”, e termina com “pô, eu tenho a PF que não me dá informações”.

Nesse trecho, só duas áreas do governo são citadas: a economia, em que Bolsonaro diz que nunca teve problemas, e “a PF”. Supondo que Bolsonaro não estivesse indignado com Guedes por nunca lhe ter causado problemas, estava anunciando intervenção na Polícia Federal. A intervenção, como se sabe, aconteceu: o diretor da Polícia Federal caiu logo depois, o que ocasionou a saída de Moro do governo.

A defesa de Bolsonaro argumenta que a intenção era mexer na segurança pessoal do presidente. É mentira. Matéria de Andréia Sadi no Jornal Nacional mostrou que, muito pelo contrário, o chefe da segurança pessoal do presidente acabara de ser promovido. E “os amigos” não são protegidos pela segurança presidencial. Ah, os amigos de Jair.

Grande parte da reunião foi uma tentativa de intimidar Moro. Na página 56 da transcrição começa o singelo soneto “eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus”, que termina com “se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final!”.

Para quem duvida que o recado fosse para Moro, logo depois, na página 58, o endereço de entrega está lá: quem não concordar com as bandeiras do governo que espere 2022 para ser ministro de Álvaro Dias, Alckmin, Haddad ou Lula. Dias teve votação baixa em 2018.

A única coisa que justifica sua inclusão liderando essa lista é sua tentativa de se apresentar como candidato de Moro (e o boato de que Moro teria votado em Dias no primeiro turno). No mesmo trecho, Bolsonaro manifesta seu ciúme de ministros que são elogiados por blogs como “O Antagonista”, críticos de Bolsonaro mas notórios porta-vozes de Moro.

Enfim, resta claro que o recado sobre intervir nos ministérios era para Moro, que não mandava na segurança pessoal do presidente, mas mandava na Polícia Federal. A “Segurança” a que Bolsonaro se referia não era a sua, mas a “Pública” do nome do ministério de Moro (Justiça e Segurança Pública).

Não sei se alguém ainda se importa, mas é abuso de poder, aparelhamento do Estado, tentativa de fugir da polícia e crime de responsabilidade.

E há o fascismo, muito fascismo: Damares Alves diz, na página 47, que governadores que implementam o isolamento social serão presos. Weintraub propôs a prisão dos ministros do STF na página 54. Bolsonaro propõe armar a população (sabemos que não toda, certo?) para resistir aos prefeitos na página 57.

Leia o resto da coluna e responda: esse autoritarismo todo seria para combater corrupção? Pois é, nunca é.

E, numa reunião com tantos crimes e tanto golpismo, o mais repulsivo é que ninguém se dispôs a trabalhar quinze minutos para salvar brasileiros da epidemia, a pelo menos sair da frente de quem está trabalhando, a pelo menos não prender, sabotar ou atirar em quem estiver trabalhando.

Foi uma reunião de gente ruim que desperdiça tempo, vidas e esperança dos brasileiros.

*Celso Rocha de Barros, Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

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