sexta-feira, 1 de maio de 2020

Elizabeth Drew* - O mês mais cruel para Trump

- Valor Econômico

Com a economia escapando ao controle e com previsões de afundar para profundezas nunca vistas desde a década de 1930, as pesquisas de opinião sugeriram que Trump seria derrotado na eleição de novembro pelo seu adversário democrata, Joe Biden

T.S. Eliot qualificou celebremente o mês de abril como “o mês mais cruel”. Se o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que não se destaca especialmente como um aficionado da poesia, fosse sincero consigo mesmo, concordaria que este mês transformou sua gestão em terra arrasada.

No dia 28, os EUA encabeçavam o mundo com quase 57 mil mortes por covid-19 e mais de 1 milhão de casos confirmados de contaminação por coronavirus. Recente análise da Faculdade de Saúde Pública de Yale indica que o número de mortes relacionadas à pandemia ocorridas nos primeiros meses de 2020 ultrapassou, de longe, as estimativas públicas oficiais.

Outra marca alcançada no fim deste mês foi a de que Trump tinha perdido a confiança de boa parte de seu próprio partido no que se refere ao problema mais importante que o país enfrenta.

De acordo com pesquisa de opinião da AP divulgada no dia 23 de abril, apenas 47% dos republicanos acreditavam “em grau relativamente elevado” nas afirmações de Trump sobre os avanços no combate ao vírus. E apenas 23% dos consultados manifestaram elevado grau de confiança nele.

Trump não apenas desperdiçou o tempo que tinha para preparar o país a partir de quando foi informado de uma possível pandemia (no início de janeiro); também desperdiçou sua oportunidade junto aos eleitores. O prejuízo causado por sua compulsiva prática de mentir era complicado pelo alarme nacional referente à questão - duas forças incontidas que colidiam nos “informes” em causa própria, sinuosos, que ele insistia em encabeçar na sala de imprensa da Casa Branca. E a gabolice de Trump colidia com seu desejo de se esquivar da responsabilidade pelas mortes e por outros estragos causados por sua reação lenta à pandemia.

Previsivelmente, o resultado do estilo impulsivo de governo de Trump e de sua determinação de dominar o ciclo noticioso tem sido uma torrente contínua de declarações bizarras e, muitas vezes, contraditórias. Por exemplo, contrariamente à Décima Emenda à Constituição dos EUA, ele recentemente reivindicou para si poder “total” sobre se e quando os governos estaduais poderão suspender as restrições de saúde pública.

Esse gesto despertou objeções dos dois partidos, e seus assessores políticos o lembraram de que a estratégia era evitar responsabilização pela pandemia por meio de sua transferência aos governadores estaduais. Embora Trump tenha voltado atrás rapidamente, isso não o impediu de estimular manifestações em sedes dos Executivos estaduais para protestar contra as próprias restrições que ele tinha estimulado os governadores a impor.

O campo em que Trump parece se sentir à vontade ao longo de todo este suplício é o de demitir pessoas. Dois alvos especiais de sua sanha vingativa foram inspetores-gerais de departamentos federais (um tipo de autoridade instalada após Watergate a fim de dar transparência aos órgãos do governo), principalmente se tiveram participação no impeachment de Trump em janeiro, e pessoas que discordaram publicamente de suas opiniões sobre o flagelo atual.

Por outro lado, Trump está obviamente frustrado por não poder demitir Anthony Fauci, o diretor do National Institute of Allergy and Infectious Diseases, que faz parte da força-tarefa de combate ao coronavirus da Casa Branca. O prestígio de Fauci como a autoridade mais amplamente respeitada sobre a pandemia lhe possibilitou corrigir publicamente as frequentes informações equivocadas de Trump - por exemplo, sobre as vantagens não comprovadas (e refutadas) de medicamentos antimalária no tratamento da covid-19 - nas sessões de informes diários da força-tarefa.

Com o avanço do mês de abril, as enfadonhas aparições de Trump nas sessões de informes trasmitidas por TV ficaram cansativas para o público, e seus índices de aprovação nas pesquisas começaram a cair. Por seu lado, as políticas de confinamento obrigatório instauradas na maioria dos Estados estavam desacelerando o aumento das contaminações, enquanto uma pesquisa de opinião da NBC/Wall Street Journal mostrou que quase 60% da opinião pública apoiava políticas de permanência em casa. Mas, apesar das advertências de Fauci e de outros cientistas, Trump falava entusiasticamente sobre “retomar as atividades” no país.

Não deve surpreender que Trump tenha cometido um abuso de poder ao orquestrar a reação federal à pandemia. Por exemplo, ele tomou o cuidado de se certificar de que o Estado do Colorado recebesse 100 muito necessários respiradores, e tomou o cuidado de se certificar de que os eleitores de Colorado fossem informados disso, a fim de contribuir para reeleger o problemático atual senador republicano, Cory Gardner.

O que é mais alarmante é que Trump ameaçou, na prática, mover uma guerra bacteriológica aos funcionários dos Correios dos EUA, ao negar-lhes ajuda de alívio à crise viral aprovada pelo Congresso se os Correios não quadruplicassem os preços cobrados pela entrega de encomendas. O verdadeiro alvo de Trump era Jeff Bezos, o executivo-chefe da Amazon e dono do jornal “The Washington Post”.

Com o início da última semana de abril, mais de 26 milhões de trabalhadores americanos tinham pedido seguro-desemprego no mês anterior, o Congresso tinha aprovado quatro projetos de lei, no valor total de US$ 2,4 trilhões, de auxílio a empresas e pessoas físicas, e as autoridades discutiam a próxima rodada de gastos. Com a economia escapando ao controle e com previsões de afundar para profundezas nunca vistas desde a década de 1930, as pesquisas de opinião sugeriam que Trump seria derrotado na eleição presidencial de novembro pelo seu adversário democrata, Joe Biden.

Trump se tornou seu próprio pior inimigo. Quando, em 23 de abril, ele especulou do palanque da sala de comunicados à imprensa da Casa Branca que a covid-19 poderia ser exterminada por meio da injeção de desinfetantes de uso doméstico ou por luz ultra-violeta, até muitos republicanos se declararam fartos. Assessores da Casa Branca disseram que suas aparições nas sessões de informes, que ele vinha encarando como substitutas dos frequentes comícios que ele não podia mais realizar, seriam restringidas. O próprio Trump, obviamente atingido pela chacota generalizada que se seguia a seus comentários, desqualificou as sessões de informes, ao afirmar pelo Tweeter que sua participação “não valia o tempo e o esforço!”
Mas ele não conseguiu se manter afastado. Após apenas alguns dias, voltou ao palanque, determinado a garantir uma dianteira em maio. (Tradução de Rachel Warszawski).

*Elizabeth Drew é jornalista lotada em Washington e autora de “Washington Journal: Reporting Watergate and Richard Nixon’s Downfall”.

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