sexta-feira, 1 de maio de 2020

O que a mídia pensa - Editoriais

• Epidemia aponta para o Planalto – Editorial | O Globo

Pregação do presidente contra o isolamento contribui para mais contaminações e mortes

Em um momento de grande hiperatividade, no qual se choca com o Supremo depois de haver empurrado para fora do governo o ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, o presidente Bolsonaro reativa o seu front de combate com os governadores. Já não considerasse haver motivos político-eleitorais para colocar em seu estande de tiros João Doria, de São Paulo, e Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, por vê-los como ameaça ao seu projeto de reeleição em 2022, Bolsonaro tem nos dois, e não só neles, opositores ao seu descaso com o isolamento social, a mais eficaz ação para conter o alastramento da epidemia de coronavírus, na falta de vacina e medicamentos seguros contra o Sars-CoV-2.

Na terça, Bolsonaro deu de ombros quando lhe foi perguntado sobre a marca de 5 mil mortos atingida pela epidemia no Brasil — “e daí?” — e, na quarta, também na saída do Alvorada, o presidente voltou a criticar governadores e prefeitos que tomam medidas para evitar a disseminação do vírus, com o fechamento de parte do comércio e outras ações que levem as pessoas a ficar em casa.

Contra todas as evidências técnicas apresentadas a partir de experiências práticas nesta pandemia, em diversos países, Bolsonaro é contrário ao chamado “isolamento horizontal” — para todos, por um determinado período, excetuados trabalhadores em áreas essenciais, e não apenas os grupos de risco —, porque teme o efeito desta quarentena ampla na economia e, por tabela, no seu projeto de poder. Não importam as mortes — “ e daí?”. O presidente não entende que permitir o trânsito livre do vírus significa não dar tempo aos sistemas de saúde de se prepararem minimamente para suportar o choque da multiplicação de infectados, quando a tragédia teria um impacto na economia muito maior.

O Supremo, em boa hora, ao julgar questionamento do PDT, esclareceu que governadores e prefeitos também podem criar e suspender estas normas. Impedido de acabar com isolamentos por decreto, o presidente passou a responsabilizar estados e municípios pela recessão que se instala. E ao comentar o fato de o Brasil chegar aos 5 mil mortos de Covid-19, ultrapassando a China, onde teve início a pandemia, disse que a cobrança deve ser feita a governadores e prefeitos, citando Doria e Bruno Covas, governador e prefeito de São Paulo. Foi sua discordância do isolamento social que o fez demitir o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, defensor da medida ao lado da OMS e dos especialistas em geral. O substituto de Mandetta, Nelson Teich, defendeu o isolamento em artigos, assumiu e se tornou vago e nada afirmativo ao abordar o assunto. Ontem, disse que a hora não é de relaxamento. Foi um avanço.

O presidente tem responsabilidade pelas mortes, porque passou a defender o oposto do que pregava o seu governo, e assim criou ruídos na comunicação com a sociedade. E o bolsonarismo foi para as ruas em campanha contra o isolamento, o que não aconteceria sem a pregação de Bolsonaro. São conhecidas as correlações entre menor isolamento social e mais óbitos.

• É preciso cautela com testes rápidos para detectar novo coronavírus – Editorial | O Globo

Anvisa liberou testagem em farmácias, mas especialistas alertam que eles são pouco precisos

Desde que a pandemia do novo coronavírus chegou ao Brasil, em fins de fevereiro, o país enfrenta problemas para testar as pessoas, como preconiza a OMS. Em 24 de março, quando o Ministério da Saúde contabilizava cerca de 2.200 casos e 46 mortes por Covid-19, o então ministro Luiz Henrique Mandetta prometeu 22,9 milhões de testes. Entre a intenção e a realidade, havia um fosso aberto por uma demanda planetária e uma oferta limitada, concentrada principalmente na China. O novo ministro, Nelson Teich, agora fala em 46 milhões de testes. Mas eles ainda são artigo raro nas unidades de saúde de todo o país.

Sem a testagem necessária e com queda nos índices de isolamento, a epidemia acelera — já são 85.380 casos e 5.901 mortes — e não se sabe exatamente o tamanho do problema. Devido à subnotificação, o panorama é nebuloso. Segundo o portal Covid-19 Brasil, que reúne pesquisadores de várias universidades brasileiras, o número de infectados já estaria na casa de 1,2 milhão. Ou seja, 16 vezes mais que o oficial, que considera basicamente os casos graves da doença. Mesmo nos registros de mortos há subnotificação. Os óbitos causados por síndromes respiratórias este ano estão acima da média, o que indica que podem estar contaminados por casos de Covid não identificados.

Na terça-feira, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a realização provisória de testes rápidos para Covid-19 em farmácias e drogarias — eles terão de ser feitos no próprio local por profissionais capacitados. O diretor-presidente do órgão, Antonio Barra Torres, argumentou que a liberação será uma estratégia útil na diminuição da aglomeração em hospitais e na procura por serviço médico na rede pública.

No entanto, a medida pouco altera o grave cenário da epidemia no país, podendo confundir ainda mais. Segundo especialistas, esses testes rápidos são pouco precisos e, muitas vezes, atestam falsos negativos. Ou seja, a pessoa tem o vírus, mas ele não é detectado. Isso poderia levar a uma situação de relaxamento da quarentena, agravando o problema de saúde pública. Na verdade, eles são uma boa ferramenta para estudar o avanço da doença, como, aliás, o próprio Ministério da Saúde já vem fazendo. Portanto, a população deve ter cautela com esses testes. O balcão da farmácia, ainda que mais acessível, não substitui UPAs ou hospitais.

Ministério da Saúde, estados e prefeituras devem seguir a recomendação da OMS para conter a pandemia: isolamento e testagem em massa. Foi essa receita que usaram os países que conseguiram frear a disseminação da doença. Vários estados do país já vivem situação de emergência. Ela se torna pior quando se trabalha com números irreais.

• Primeiro impacto – Editorial | Folha de S. Paulo

Dados mostram efeito da pandemia no emprego; flexibilização evita dano pior

Os dados relativos ao final do primeiro trimestre e ao início de abril já mostram os primeiros danos da pandemia do novo coronavírus na economia brasileira. Dado que as medidas de isolamento passaram a ser adotadas apenas na segunda quinzena de março, tudo sugere que o impacto será ainda maior nos próximos meses.

Ao menos 5 milhões de trabalhadores, cerca de 15% dos que contam com carteira assinada no país, já tiveram seus empregos e salários afetados pela crise, segundo dados do Ministério da Economia.

Instituiu-se a flexibilização dos contratos de trabalho para evitar a perda de empregos. Pelas regras, jornadas e remunerações podem ser reduzidos por três meses, com compensação parcial pelo governo.

Por este programa, 4,3 milhões tiveram seus contratos alterados desde o início de abril. A queda da renda ficou em 15%, em média, uma vez contados os aportes públicos.

Mesmo com o regime mais maleável, a alta de pedidos de seguro-desemprego sugere a perda de 1 milhão de postos de trabalho entre o início de março e 15 de abril.

Não há duvida, de todo modo, de que a flexibilização ajuda a evitar o fechamento definitivo de muitos postos e contribui para eventual retomada mais rápida da economia.

A lógica da iniciativa não difere da que tem sido adotada em muitos países. No caso brasileiro, contudo, a eficácia acaba limitada pelo elevado grau de informalidade. Os trabalhadores nessa situação ficam dependentes da ajuda direta do Estado, como no programa que transfere R$ 600 por mês.

O quadro grave torna-se mais evidente quando se observa a queda da ocupação no trimestre encerrado em março, medida pelo IBGE. De 2,3 milhões de vagas fechadas, nada menos que 1,9 milhão diz respeito a postos informais ou por conta própria. Trata-se de recorde.

A taxa de desemprego no período subiu para 12,2%, ante 11,6% no trimestre encerrado em fevereiro. A alta parece pequena, mas está mascarada pela sensível queda do número de pessoas em busca de trabalho —até pela impossibilidade do momento de quarentena.

O ponto a destacar é que os dados ainda não contemplam o período de agravamento da crise, a partir de abril. A julgar pelo que se observa em países mais adiantados na evolução da pandemia, a queda do Produto Interno Bruto no segundo trimestre tende a ser de rara profundidade.

O grande risco é uma paralisia mais prolongada da atividade, o que dependerá do ritmo de disseminação do novo coronavírus.

A pressa em abrir a economia pode levar a um cenário pior, se uma precipitação levar a um descontrole do contágio. Nessa hipótese, serão necessárias medidas de restrição mais drásticas e duradouras, a custos hoje incalculáveis.

• Obsessão por armas – Editorial | Folha de S. Paulo

De modo temerário, Bolsonaro volta a insistir em medidas para afrouxar controle

O debate em torno da flexibilidade para a posse e o porte de armas de fogo não é estranho aos países democráticos. Os graus de controle variam a cada sociedade, atingindo nos Estados Unidos uma frouxidão que esta Folha julga deplorável, dadas as consequências nefastas para a segurança pública.

O que se observa no governo do presidente Jair Bolsonaro —e isso, diga-se, ele nunca escondeu— é justamente o ímpeto de reproduzir no Brasil, tanto quanto possível, o mau exemplo norte-americano.

Bolsonaro e seus filhos sempre demonstraram especial atração por pistolas, fuzis e outros instrumentos letais —a ponto de o mandatário ter transformado o gesto de mimetizar armas de fogo com as mãos em símbolo de campanha.

Para além da questão ideológica, a atuação do Palácio do Planalto nesse terreno tem se revelado uma perigosa e irresponsável tentativa de estimular a circulação de armas sem controle da sociedade, o que apenas facilita sua utilização por criminosos e milícias.

Embora cerceadas, em parte, pelo Congresso, a despeito da atuação parlamentar de uma bancada armamentista, as estocadas do presidente nesse terreno persistem.

Assim o demonstra a recente decisão de revogar três portarias do Exército que estabeleciam regras para rastreamento e identificação de armas de fogo, bem como a obrigatoriedade de dispositivos de segurança nesses artefatos.

A medida provocou, inclusive, reação do Ministério Público Federal, que abriu procedimento para apurar eventual invasão de competências exclusivas do Exército.

É de perguntar a quem interessa esse tipo de licenciosidade, senão àqueles que não querem prestar contas à sociedade da posse e do uso desses equipamentos.

Trata-se de uma evidente tentativa de dificultar o trabalho dos órgãos de segurança de detectar as origens de armamentos e munições —que não raro, como se sabe, vazam da legalidade para as mãos de criminosos, num país em que os índices de homicídios estão entre os mais elevados do mundo.

Bolsonaro tem dado renovadas demonstrações de seu desapreço por um ordenamento solidário e pacífico da vida social. Ao fazê-lo, com exasperante insistência e insensibilidade, mostra-se um instrumento facilitador da violência, que deveria, como presidente da República, se empenhar em controlar.

• O significado do trabalho – Editorial | O Estado de S. Paulo

Raras vezes, como agora, foi tão importante refletir sobre o trabalho. Incertezas de diversas naturezas afligem os trabalhadores em todo o mundo – as transformações tecnológicas, as novas organizações do trabalho, as mudanças nas relações trabalhistas, além, é claro, da própria crise causada pela covid-19, que forçou a interrupção de muitas atividades e transformou o dia a dia de todos os trabalhadores. Afetado drasticamente pelo presente, o trabalho vê-se envolto também nas grandes incógnitas a respeito de como será o mundo após a pandemia.

A Constituição de 1988 define, entre os fundamentos da República Federativa do Brasil, os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa. O trabalho é alicerce do Estado porque antes é alicerce da sociedade, da família e do próprio indivíduo. A atividade laboral é muito mais que uma fonte de renda. Ela é expressão e construção da dignidade e da liberdade humana. Privar alguém de seu trabalho é limitar sua autonomia e sua participação na sociedade.

As mulheres sofrem especialmente a privação do trabalho. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a força de trabalho ativa das mulheres no mundo é de 47%, enquanto a dos homens é de 74%. Na América Latina, o nível médio de educação das mulheres é relativamente alto, mas elas recebem salários 17% menores que os homens, porcentual contrastante com o aumento do número de lares sustentados por mulheres.

Antes da crise da covid-19, o País já tinha um enorme desafio, econômico e social, de gerar postos de trabalho. Ao longo do ano passado, o total de desempregados, subempregados e desalentados esteve em torno de 25 milhões de pessoas. Especialmente dramática é a taxa de desemprego crônico. Mais de um quarto dos desempregados procura emprego há mais de dois anos. É a deterioração das condições do mercado de trabalho afetando de forma permanente a parcela mais vulnerável da população.

A pandemia agravou ainda mais o quadro do desemprego, bem como as condições de trabalho. Trabalhadores tiveram a renda ou o salário reduzido, chegando em muitos casos à suspensão do contrato de trabalho. É um horizonte de prejuízos e de incertezas, a afligir todos.

Na retomada após a crise, o desafio de promover o trabalho deve ser prioritário. Não basta diminuir encargos patronais, como às vezes o governo Bolsonaro deu a entender que faria. É preciso ter um diagnóstico amplo sobre o panorama do trabalho no mundo atual, em profunda transição, identificando e atuando nos gargalos, ineficiências e oportunidades – e, de posse desses dados, fazer o complemento consciencioso da reforma trabalhista iniciada no governo Temer.

Cada vez mais, trabalho não é sinônimo de emprego. Não apenas as oportunidades profissionais são diferentes, como também as aspirações das novas gerações em relação à profissão são muito distintas das dos seus pais. Tal cenário exige uma resposta abrangente, que passa necessariamente por melhorar a qualidade do ensino e da formação profissional. É ilusão supor que o País poderá enfrentar a contento os desafios do trabalho do século 21 sem uma profunda melhoria da educação.

O trabalho não deve alimentar uma espécie de casta, que divide e hierarquiza as pessoas por renda, importância ou protagonismo social. Ao contrário, toda atividade profissional – intelectual ou manual, complexa ou simples, que desperta aplausos ou passa despercebida aos olhos da maioria – é âmbito de promoção da dignidade e da autonomia. É no trabalho realizado com seriedade e competência que cada um se desenvolve, aperfeiçoando sua personalidade e fortalecendo os vínculos sociais, e pode oferecer, de forma muito prática, sua melhor contribuição à família e à sociedade. Seja qual for a tarefa, o sentido do trabalho é sempre servir, somar, construir.

O feriado do 1.º de Maio é oportunidade, na emergência da pandemia, para reconhecer o mérito de todos os trabalhadores – os que atuam em atividades essenciais, os que estão trabalhando em casa e também os que estão parados, mas, sobretudo, os que se entregam, nos serviços médicos, à missão de confortar os doentes e salvar vidas.

• E a covid-19 mal chegara – Editorial | O Estado de S. Paulo

Próximos números da Pnad devem ser ainda mais impressionantes que os do 1.º trimestre

A existência, no primeiro trimestre do ano, de 27,6 milhões de pessoas desocupadas, subutilizadas ou desalentadas por falta de oportunidade de ocupação remunerada é, por si só, um retrato dramático do mercado de trabalho no Brasil. Mas ainda não reflete o real impacto da pandemia do novo coronavírus sobre a economia do País e sobre a vida dos brasileiros, a começar pelas condições do trabalho que garante a renda necessária para a sobrevivência de cada um e a de seus familiares. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua referentes aos primeiros três meses do ano que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) acaba de divulgar abrangem apenas o período inicial (as últimas semanas de março) da crise sanitária que vem afetando a vida de todos. Por isso, os números referentes aos meses seguintes, quando o isolamento social se estendeu e a atividade econômica se retraiu acentuadamente, deverão ser ainda mais impressionantes.

“O Brasil já estava com taxa de desemprego elevada, e presume-se que (a taxa anterior à pandemia) possa aumentar entre 50% e 100%”, previu há pouco o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Salim Mattar. Pode não ser dessas dimensões, mas aumento certamente haverá, e será notável.

No primeiro trimestre, o Brasil tinha 12,850 milhões de pessoas em busca de emprego, segundo a Pnad Contínua. A taxa de desocupação no período foi de 12,2%, menor do que a de um ano antes (12,7%), mas 1,2 ponto maior do que a do trimestre encerrado em dezembro. Da população ocupada (de 92,2 milhões de pessoas), praticamente 40%, ou 36,8 milhões, trabalhavam na informalidade, isto é, sem registro em carteira e, consequentemente, sem os benefícios do trabalho formal e sem a proteção do sistema previdenciário.

Praticamente um quarto da força de trabalho, ou 24,4% (27,6 milhões de pessoas), estava subutilizada nos três primeiros meses do ano. Essa categoria inclui as pessoas que não trabalhavam ou trabalhavam menos do que podiam ou pretendiam. A taxa inclui os desocupados, os subocupados por insuficiência de horas trabalhadas e a força de trabalho potencial (pessoas que não estão em busca de trabalho, mas estão disponíveis para trabalhar). Houve discreta melhora nesse indicador, quando comparado com o do início de 2019 (25% de subutilização da força de trabalho).

No período, segundo a Pnad Contínua, havia 4,770 milhões de pessoas desalentadas, isto é, que estavam fora da força de trabalho porque não conseguiam emprego, não tinham experiência, eram muito jovens ou idosas ou não acharam trabalho na localidade, mas que aceitariam assumir a vaga caso encontrassem trabalho. Nas estatísticas do IBGE, os desalentados fazem parte da força de trabalho potencial.

Os dados relativos a rendimento são mais animadores. A massa de salários em circulação na economia cresceu R$ 3,211 bilhões em um ano e o rendimento médio dos trabalhadores ocupados alcançou R$ 2.398, 1,1% mais do que o de um ano antes.

Os dados do primeiro trimestre do ano, que sazonalmente tendem a ser piores do que os do trimestre anterior por causa das demissões dos trabalhadores temporários contratados no fim do ano, mostram que algumas atividades já estavam sendo afetadas pela pandemia e pelo isolamento social. São aquelas que absorvem mais o trabalho informal, como os segmentos de comércio, alojamento e alimentação e serviços como os pessoais (cabeleireiro e manicure) e domésticos. Nos primeiros três meses do ano, havia praticamente 2 milhões de trabalhadores informais menos do que no trimestre anterior.

Embora já enfrentasse problemas para a coleta de dados em março, o IBGE assegura que a Pnad Contínua do primeiro trimestre tem informações de qualidade. Por causa das dificuldades para a coleta de novos dados – por telefone, o que não é usual nem confiável como a coleta local – e da necessidade de testes de sua consistência, os resultados de abril podem demorar.

• Cegueira ética – Editorial | O Estado de S. Paulo

Mesmo após as revelações de Sérgio Moro de que o presidente da República tentou insistentemente interferir politicamente na Polícia Federal (PF), 33% dos brasileiros continuam aprovando o governo de Jair Bolsonaro, indicou pesquisa do Datafolha realizada em 27/4. Ainda que porcentual maior (38%) reprove a gestão atual, é significativo que 1/3 da população abdique do critério ético na hora de avaliar o governo.

Vale lembrar que o presidente Bolsonaro não foi acusado pelo ex-juiz da Lava Jato de mero equívoco pontual. Sérgio Moro relatou que o presidente da República vem tentando há meses abdicar de um ponto central do combate ao crime e à impunidade: a isenção do Estado na investigação criminal. Ou seja, caso prevalecesse o jeito com que Jair Bolsonaro deseja tratar a PF, segundo revelou Moro, e o ministro do STF Alexandre de Moraes ratificou em despacho liminar, a Operação Lava Jato, por exemplo, não teria sido capaz de alcançar os resultados obtidos. Essa foi a revelação que Sérgio Moro fez ao País no dia 24/4 e, ainda assim, 1/3 da população continua aprovando o governo de Jair Bolsonaro.

Se é preocupante o esquecimento do aspecto ético na hora de avaliar um governo, é de reconhecer que o fenômeno não é novo. Na história recente do País, há casos clamorosos de continuidade de apoio popular a políticos envolvidos, de forma incontestável, com graves escândalos.
Apesar de uma trajetória repleta de escândalos de corrupção, Paulo Maluf manteve ao longo de décadas um eleitorado cativo. Quando muitos achavam que Maluf nunca mais ganharia uma eleição, em razão dos muitos escândalos envolvendo suas gestões, ele foi eleito prefeito de São Paulo em 1992. Com expressiva aprovação popular, Maluf ainda emplacou seu sucessor, Celso Pitta, nas eleições seguintes.

Caso gritante ocorreu em 2014. O Tribunal Superior Eleitoral indeferiu o registro da candidatura de deputado federal de Paulo Maluf, por força da Lei da Ficha Limpa. Mas, mesmo com o registro indeferido, 250 mil eleitores votaram nele. Naquele ano, Maluf foi o oitavo deputado federal mais votado em São Paulo e, após recurso judicial, tomou posse.

Em 2017, o STF condenou Paulo Maluf por lavagem de dinheiro. No ano seguinte, a Câmara dos Deputados cassou seu mandato. Não há dúvida de que tivesse sido candidato nas eleições de 2018 – na época cumpria pena de prisão domiciliar – o veterano político receberia muito apoio e muitos votos.

O esquecimento do aspecto ético é também especialmente evidente no apoio que o sr. Luiz Inácio Lula da Silva continua recebendo de parte significativa da população. Desde os primeiros escândalos do PT na década de 80, mas de forma especial após 2005, com o mensalão, foram muitos os prognósticos de que o envolvimento de petistas em casos de corrupção acabaria com a força política do partido. Afinal, o PT sempre se valia, nas campanhas eleitorais, da bandeira da ética e do combate à corrupção. No entanto, apesar de tudo o que foi revelado sobre as más condutas do partido e de muitos de seus dirigentes e filiados, continua havendo quem manifeste não apenas apoio político, mas verdadeira devoção ao líder petista.

O caso do PT não se refere a suspeitas ou a indícios. Há muito tempo saiu do campo da dúvida. O Poder Judiciário reconheceu a existência de provas contundentes a respeito do uso político das estatais, de desvio de dinheiro público, de favorecimento de empresas e de inúmeros atos de corrupção e de lavagem de dinheiro. Não bastasse tudo isso, ficou comprovado, em várias instâncias judiciais, que o ex-presidente petista recebeu vultosos favores de empreiteiras para deleite pessoal e familiar, como as reformas do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia. Apesar de tudo isso, há quem continue vendo Lula como um líder político probo e comprometido com os mais pobres.

Durante o tempo em que ficou preso em Curitiba, Lula teve, a poucos metros do prédio da PF, admiradores que o saudavam diariamente. Indiferentes a qualquer juízo ético sobre a conduta do líder petista, gritavam “Bom dia, presidente Lula!”. Caminhando a passos largos, os apoiadores de Bolsonaro esforçam-se para não ficar para trás.


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