sexta-feira, 1 de maio de 2020

Crise muda economia, mas não modo de vida, dizem Lara Resende, Yang e Izabella

Economista, ativista e ex-ministra criticam ações do governo no combate à crise

Por Gabriel Vasconcelos | Valor Econômico

RIO - A crise econômica causada pela pandemia vai afetar a conformação do comércio e indústria mundiais, mas nem tanto o estilo de vida das pessoas. Esse foi o consenso de debate on-line, ontem, entre o economista André Lara Resende, o ex-diplomata e ativista urbano Philip Yang e a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, organizado pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

Lara Resende afirmou que, embora ainda não esteja clara a duração da pandemia, é certo que a crise econômica a reboque será longa. De imediato, afirma, levará a um freio na “hiperglobalização” das cadeias produtivas e uma reversão da produção “just in time” que, nos últimos tempos, vinha forçando as empresas a trabalhar com estoques cada vez menores.

Isso significa a nacionalização de cadeias inteiras e partes específicas ou, ainda, seu encurtamento, ou seja, a redução do o atual grau de fragmentação da produção por país ou região.

Na geopolítica, Lara aposta no aprofundamento de um mundo multipolar, com renúncia cada vez maior da liderança americana somada ao crescimento econômico contínuo da China. “Essa pandemia acelerou processos em curso.”

Yang disse que a regionalização crescente do comércio global, “marca do século XXI pós-globalização”, vai se intensificar ainda mais. “Cerca de 70% do comércio da Europa é intra-europeu, os maiores parceiros dos EUA são Canadá e México, e a China repete o padrão com o Sudeste Asiático”, lembra.

“Uma consolidação do Mercosul seria fundamental para a relação com o mundo”, defendeu. A tese é contrária ao que tem praticado o governo brasileiro, que esgarça a relação com a Argentina em nome da redução de tarifas de importação e novos acordos de livre-comércio.

Yang menciona a ascensão de um “bloco comercial gigante”, formado por China, Índia e Rússia, que se desenha na esteira da remodelagem assinalada por Lara Resende e com o qual o Brasil poderia estreitar laços, mas não o faz, mesmo como membro do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O NDB, o banco do grupo, foi criticado pelos três como instrumento pequeno perto da necessidade de investimento e pouco arrojado no crédito à inovação, o que imporia “riscos necessários” a sua atuação.

Para Yang, porém, as mudanças econômicas não devem modificar a forma como as pessoas vivem dentro de seus países, em ritmo crescente de adensamento populacional. “Temos o exemplo de Hong Kong, a maior aglomeração medida do planeta. Foi a cidade mais atingida pelo surto de Sars em 2003, mas nada mudou. Pelos anos 2000, a aglomeração média era de 26 mil pessoas por quilômetro quadrado, o que passou para a casa das 30 mil pessoas hoje.”

Yang pondera que desaglomerações desenfreadas em reação à pandemia trariam “consequências ambientais de proporções bíblicas”, ao expandir os perímetros urbanos de forma caótica. Izabella Teixeira observou que estimativas apontam queda de 5% na emissão de gases poluentes este ano, justamente o que os esforços mundiais no setor recomendam com vistas à reversão do aquecimento global. O número não é sustentável e terá de ser rediscutido, “porque o mundo não pode parar desse jeito”, disse.

Sobre o Brasil, o consenso foi a necessidade de um Estado forte, ciente da capacidade de investimento que tem e de volta ao pragmatismo nas relações exteriores, com especial atenção à China. O tom foi de constante crítica ao governo Jair Bolsonaro. Lara Resende defendeu uma expansão do investimento público e criticou o que chamou de restrição dogmática das contas públicas e complacência dos governantes com a paralisia do Estado. “Desde que não se tenha déficit em conta corrente, o que exigiria fontes externas, todo o financiamento pode vir de fontes públicas internas”, afirmou.

Yang defendeu que o governo brasileiro abandone o alinhamento subserviente aos EUA e busque uma relação preferencial com a China, visando superar o papel de provedor agrícola para aquele país. Ele já havia feito a defesa dessa tese no Valor em fevereiro deste ano. “É mais vantajoso para o Brasil e perfeito para a China, como ampliação dos mercados de investimento. E não vejo caminho melhor que o provimento de infraestrutura urbana.”

Nenhum comentário: