sexta-feira, 1 de maio de 2020

Luiz Carlos Azedo - O vírus da paranoia

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Bolsonaro acredita que há uma operação no Congresso para inviabilizar o governo financeiramente, ao barrar projetos do ministro Guedes”

O estresse entre o presidente Jair Bolsonaro e o Judiciário não é um bom sintoma político para a democracia, porém, continua. Ontem, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, por unanimidade, as restrições à Lei de Acesso à Informação previstas em uma medida provisória (MP) editada pelo presidente da República. A MP havia sido editada em março, motivando o pedido da Rede Sustentabilidade para que o STF suspendesse os trechos da lei que restringiam o acesso à informação. Alexandre de Moraes havia atendido ao pedido; o plenário do STF confirmou a decisão, o que foi interpretado como uma espécie de desagravo ao ministro, diante dos ataques que havia sofrido de parte de Bolsonaro, pela manhã.

O presidente da República pretendia suspender prazos de resposta e a necessidade de reiteração de pedidos durante a pandemia do novo coronavírus. A Lei de Acesso à Informação regulamenta o trecho da Constituição que estabelece como direito de qualquer cidadão receber, do poder público, informações de interesse da sociedade. Na mesma linha da decisão do Supremo, a juíza federal Ana Lúcia Petri Betto, da 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, determinou que a Advocacia-Geral da União (AGU) forneça os laudos de todos os exames feitos pelo presidente Jair Bolsonaro para diagnóstico do coronavírus. A decisão, segundo a juíza, deve ser cumprida em 48 horas, sob pena de multa de R$ 5 mil por dia.

Segundo a juíza, o documento enviado pelo AGU “não atende, de forma integral, à determinação judicial”. Na verdade, não eram os resultados dos exames – que Bolsonaro se recusa a revelar, o que aumenta os boatos de que teria contraído o coronavírus —, mas um relatório médico da coordenação de saúde da Presidência, com data de 18 de março, mas sem os exames. A magistrada havia determinado a apresentação dos dois exames feitos por Bolsonaro, que teriam resultados negativos, segundo o próprio.

Magistrado não dá canetada, somente se manifesta quando provocado. No caso da Lei da Transparência, o Supremo foi provocado por dois partidos políticos — a Rede e o PSB — , além do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Em relação aos exames de coronavírus, quem recorreu à Justiça foi o jornal O Estado de S. Paulo. Mas Bolsonaro está convencido de que existe uma conspiração para depô-lo da Presidência, da qual fariam parte o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tem o poder de aceitar, ou não, os pedidos de impeachment; o governador de São Paulo, João Doria, com quem anda às turras por causa da epidemia de coronavírus; e o ministro Alexandre de Moraes, juiz natural do processo que investiga as fake news e as manifestações que pediam o fechamento do Congresso, do Supremo e a volta do AI-5, a lei de exceção do regime militar, atos políticos aos quais Bolsonaro compareceu, em Brasília.

Conspiração
Na sua paranoia, o ex-ministro da Justiça Sergio Moro e o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, também fariam parte da conspiraçao. Para Bolsonaro, as investigações em curso em Brasília e no Rio de Janeiro pretendem atingi-lo, mirando seus filhos Flávio, o senador fluminense, investigado no famoso caso Fabrício Queiroz, envolvido nas rachadinhas da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro; Eduardo, o deputado por São Paulo, que teria organizado, com outros parlamentares, as manifestações a favor de uma intervenção militar; e Carlos, o vereador carioca, que seria o líder do chamado “gabinete do ódio” e responsável pelas fake news lançadas contra os adversários políticos do clã Bolsonaro.

Além disso, Bolsonaro acredita que há uma operação de Maia no Congresso, no sentido de inviabilizar o governo financeiramente, ao estourar o “teto de gastos” e barrar projetos do ministro da Economia, Paulo Guedes. Tudo isso seria apenas uma paranoia se não houvesse as investigações, e se o Congresso não estivesse discutindo uma agenda econômica mais favorável aos governadores e aos prefeitos do que gostaria o ministro da Economia, Paulo Guedes, que fez a cabeça de Bolsonaro e dos ministros militares, de que o governo corre risco de colapsar financeiramente.

Bolsonaro viajou ontem para Porto Alegre, comparecendo à posse do novo comandante militar do Sul, general de exército Valério Stumpf Trindade, cuja área de atuação abrange Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Ao falar com a imprensa, responsabilizou governadores e prefeitos pelo aumento do número de mortos na epidemia de coronavírus e criticou o isolamento social. Pela manhã, ao sair do Palácio do Alvortada, havia se queixado: “O Supremo decidiu que quem decide essas questões são governadores e prefeitos. Então, cobrem deles. A minha opinião não vale. O que vale são os decretos dos governadores e prefeitos.”

Em Brasília, o ministro da Saúde, Nelson Teich, diante do aumento de número de mortos e risco de colapso do sistema público de saúde em vários estados, pela primeira vez, admitiu que ainda não é hora de apresentar uma estratégia de relaxamento do distanciamento social. “Neste momento, o distanciamento permanece como orientação. E vamos avaliar cada lugar, cada região, quanto de recurso para atender pessoas”, disse. Admitiu que o número de mortos, no pico da epidemia, pode chegar a 1.000 por dia. Ontem, foram 435 mortos a mais, num total de 5.446 até agora. Com 85.380 casos confirmados, ultrapassamos a China, que registrou 83,9 mil. Isso sem contar a subnotificação.

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