- Revista Veja
Declaração do presidente é o fato político do dia, avalia ministro. Fala pode confundir, mas não tirará os olhos da corte das denúncias feitas por Moro
Apesar de aconselhado por assessores a não aumentar o fosso cada vez maior entre o Executivo e o Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Jair Bolsonaro amanheceu o dia atacando diretamente o ministro Alexandre de Moraes. E revelou que, nesta quarta-feira (29), o país esteve perto de uma crise institucional. “Por pouco não teve uma crise institucional ontem, por muito pouco”, disse ao sair do Palácio da Alvorada.
A “crise institucional” a que se refere Bolsonaro é uma reação dele à acertada decisão de Moraes de suspender a nomeação de Alexandre Ramagem como novo diretor-geral da Polícia Federal, após as graves denúncias de possível interferência política na corporação feitas pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. Na entrevista, raivosa como o usual, Bolsonaro chegou a falar na eventualidade de vir a nomear Ramagem apesar da ordem judicial. E essa é a crise que quase houve.
O país parece já estar acostumado com impropérios matinais do presidente. Mas a tentativa de Bolsonaro de esticar a corda com o STF, após seus incentivos às manifestações populares contra a corte, ampliou ainda mais o desconforto no Supremo. “Essa frase é o fato político do dia”, avaliou um ministro à coluna, mostrando que ela não deve ficar no vazio. Não fosse a pandemia, a resposta seria dada por desagravos no plenário pelos ministros ao colega de toga.
Além dessa frase de que “quase houve uma crise institucional”, o presidente fez os ataques diretos ao ministro Alexandre de Moraes, exigindo rapidez em decisões e afirmando que ele só foi escolhido ministro pela amizade com o ex-presidente Michel Temer. Criticar Alexandre de Moraes, como Bolsonaro fez, acaba por ferir todos os outros ministros da corte por tabela.
Como se sabe, o papel de guarda constitucional do Supremo tem ficado cada vez mais urgente diante dos ataques de Bolsonaro às instituições democráticas, seja por declarações agressivas, seja por participações em manifestações que pedem intervenção militar ou até o absurdo da volta do AI-5, Ato Institucional que suspendeu habeas corpus, os direitos e garantias individuais, além de dar poderes para o fechamento do Congresso.
Como já mostrou este espaço, esses arroubos têm levado o Supremo a viver uma rara união justamente para conter essa sanha pela defesa de posições antidemocráticas que nem mesmo os militares da alta cúpula do governo gostam de lembrar, como a censura prévia à imprensa, para apenas dar mais um exemplo dos graves erros do regime.
Bolsonaro agora tenta (mais uma vez) confundir o debate. Na avaliação de um interlocutor de um ministro do STF, parece blefe. A “crise institucional” poderia vir de que forma? Uma eventual desobediência à decisão de Alexandre de Moraes levaria ao caos, mesmo que o presidente, o mandatário maior, não consiga “engolir a decisão”. É do STF. Ou seja, cumpra-se – uma das bases do regime democrático.
Enquanto Bolsonaro assume um papel que não convém a um presidente da República, as investigações da própria PF, que está no epicentro da crise, avançam. O inquérito que trata do esquema criminoso de fake news, por exemplo, aponta para a participação de Carlos Bolsonaro.
O fato é que não há confusão criada pelo presidente, ou crise política do dia, que atenue, na opinião de ministros do Supremo, o peso de uma das principais questões levantadas pelo ex-ministro Sergio Moro ao deixar o governo Bolsonaro: “não é tanto a questão de quem colocar, mas de por que trocar” o diretor-geral da PF.
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