- Folha de S. Paulo
Americano preferiu minimizar a pandemia, 'para não causar pânico'
Num dos textos mais estranhos da história da filosofia, "Sobre um Pretenso Direito de Mentir por Amor aos Homens", Immanuel Kant sustenta que estamos moralmente obrigados a jamais faltar com a verdade, mesmo que isso implique revelar para o assassino onde se esconde sua próxima vítima.
Donald Trump, que tem poucos traços kantianos, parece defender o que seria uma obrigação de mentir. O jornalista Bob Woodward revelou, com gravações, que Trump já sabia em fevereiro que a Covid-19 seria muito grave, mas preferiu minimizar a pandemia, "para não causar pânico".
Se definirmos pânico como uma condição patológica que leva as pessoas a comportar-se de forma irracional e contra seus próprios interesses, o presidente americano poderia ter um bom ponto de partida para sustentar sua posição. Mas, para não recair em paradoxos análogos aos que assombram Kant, precisaria observar duas condições.
Em primeiro lugar, as mentiras a ser contadas não poderiam comprometer os esforços do governo para combater a epidemia, uma obrigação mais importante do que evitar o pânico. Em segundo, elas não poderiam debilitar a credibilidade institucional da Presidência.
As mentiras trumpistas fracassam duplamente. A minimização, se não impediu, atrapalhou a elaboração de uma resposta coordenada no plano federal, que poderia reduzir os óbitos, como lograram fazer vários países. Elas também escancaram o despreparo de Trump não só para exercer a Presidência mas também para funcionar no mundo: ele, afinal, autorizou a gravação de suas conversas com Woodward sabendo que se tornariam públicas, o que inevitavelmente revelaria sua dissimulação.
Mas Trump, que é um narcisista, pode ao menos se gabar de estar manipulando a todos. Ficam bem pior na foto aqueles, como Jair Bolsonaro, que o macaquearam crentes de que estavam em sintonia fina com o americano. Esses, sim, fizeram o papel de otários.
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