sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Reinaldo Azevedo – Fux no STF e o E$quema no STJ

- Folha de S. Paulo

Que o ministro contribua para banir das terras nativas o direito criativo

Luiz Fux assumiu nesta quinta (10) a presidência do STF em meio a mais um espetáculo da Lava Jato-RJ, que vive seus dias de parceria física e metafísica com o bolsonarismo. Fez um strike contra Wilson Witzel e promete não deixar um só pino em pé com a Operação E$quema S, com esse cifrão que encanta os tiozões do WhatsApp que pedem golpe, com polo verde, ventre protuberante e meias e tênis pretos.

Leio que uma das missões do ministro seria manter as conquistas da Lava Jato, sua autonomia, seu poder, sei lá... Os objetos diretos variam de acordo com o entusiasmo do redator. Tomara que seja conversa mole. Sua tarefa é fazer valer a Constituição. Só.

Naquilo em que a Carta é explícita, deve fazê-lo sem margem para interpretações. Dou um exemplo: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Que seja em relação a isso tão aborrecido como o juiz de futebol que manda cobrar tiro de meta quando o atacante faz a bola escapulir pela linha de fundo do campo adversário —se for o defensor a fazê-lo, é escanteio.

Regras 16 e 17 da International Board. No caso da Carta, trata-se do inciso LVII do artigo 5º, cláusula pétrea que o próprio Fux ignorou ao validar um gol de mão da Lava Jato, que conseguiu manter Lula na cadeia contra a regra do jogo, num exercício de criatividade jurídica.

Que o ministro contribua para banir das terras nativas o direito criativo, que se assenta ou no solipsismo ou nas vagas de opinião que tornam a sociedade refém de facções organizadas, contra as quais Madison já chamava a atenção no artigo 10 de “O Federalista”. Elas destroem a República.

Ouso sugerir que leia também o artigo 51. Fôssemos anjos, não seria necessário haver governos. Como não somos, estes têm de ser dotados de instrumentos para exercer seu ofício. Dado que os próprios governantes seres angelicais não são, têm de ser obrigados a controlar a si mesmos —e, pois, não podem ser eles a comandar os tribunais por vias oblíquas.

Preservar a Lava Jato? Exatamente o quê? O conluio entre juiz e órgão acusador? A subordinação da agenda anticorrupção a candidaturas? A condenação sem provas? O uso das prisões preventivas como instrumento para obter delações? A entrega dos destinos do país a um criminoso premiado, que decidirá quem vive e quem morre na República?

Hora de retomar um fio lá do primeiro parágrafo. O “Espetáculo da Corrupção” —título de um livro do advogado Walfrido Warde— viveu um de seus dias de gala nesta quarta (9), agora que o próprio direito de defesa está sendo alvejado junto com sem-vergonhices óbvias. É certo que houve pilantragens na Fecomércio. O bandido da hora, Orlando Diniz, o admite para se safar. Ocorre que a operação já nasce sob o signo da exceção.

A Lava Jato sustenta, por exemplo, que o advogado Eduardo Martins, filho de Humberto Martins, presidente do STJ, recebeu entre R$ 40 milhões e R$ 82 milhões —a denúncia-cartapácio tem tantas ilações e alvos que permite ao leitor o livre exercício da calculadora— para influenciar decisões da corte.

Se Eduardo comprava sentenças no STJ, ministros as vendiam. Se o escândalo tem esse grau de comprometimento, o foro não é a Justiça federal de primeira instância, mas o STF. “Ora, Reinaldo, trata-se de tráfico de influência, não de compra de sentença”. É mesmo? A R$ 40 milhões? Ou R$ 78 milhões? Ou R$ 82 milhões? Ou é piada ou é má-fé.

Bolsonaro ri de orelha a orelha. A Lava Jato já depôs um inimigo seu e agora intimida um tribunal superior. No passado, impediu que ele tivesse de concorrer com Lula, que volta a ser alvo, agora por intermédio do advogado Cristiano Zanin.

“Ah, não importa! Aconteceu a sacanagem na Fecomércio, Reinaldo?” Certamente sim. Dada a denúncia, essa não é, no entanto, tarefa para a Lava Jato-RJ, mas para a PGR, uma vez que, obviamente, ministros do STJ estão sob investigação, o que desloca o foro da 7ª Vara Federal do Rio para o STF.

Qual Lava Jato Fux pretende preservar? O livro de Warde a que me referi tem um subtítulo: “Como um sistema corrupto e o modo de combatê-lo estão destruindo o país”.

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