A
economia brasileira vive um dos momentos mais delicados dos últimos anos
Em
entrevista ao Estadão,
o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore não
poderia ter definido melhor o quadro da política em Brasília nos dias atuais. Para
ele, o presidente Jair Bolsonaro e os congressistas
teimam em não entender a situação da economia e da escalada acelerada de
deterioração da percepção de risco do País. Fazem ouvidos moucos.
O
resultado é que o Brasil poderia estar agora aproveitando uma onda mais positiva
após as medidas de mitigação dos efeitos da pandemia da covid-19, que impediram um tombo maior
da economia, e vêm sustentando o processo de recuperação neste segundo semestre.
Ao
contrário, o Brasil vive um dos momentos mais delicados dos últimos anos e isso
pode se agravar se governo e Congresso continuarem errando a
mão. Qualquer que seja a solução, será preciso encontrá-la urgentemente. Até
agora, porém, está todo mundo perdido em Brasília e atirando cada qual para um
lado: não faltam propostas e sobra inação.
A
mais recente ideia é a de criação de um fundo para receber receitas de
renúncias tributárias e desonerações para deixar as despesas com o novo
programa social fora do teto de gastos. Variações do mesmo tema.
Querem
tirar um pedaço do Estado do Orçamento. Mas de que adianta ter uma PEC no
Senado para extinguir fundos públicos? Proposta com credibilidade zero. Tal
qual a do adiamento do pagamento das despesas com precatórios para financiar o
Renda Cidadã, que não durou mais de três dias depois de anunciada. Não faltaram
avisos que ela seria um desastre.
O
atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, foi direto ao
ponto: o choque fiscal explica parte da depreciação cambial dos emergentes.
Após a fase mais aguda da pandemia, a volta do apetite de risco dos
investidores já acontece para um grupo de países emergentes, como Malásia, Indonésia, Polônia, Chile e Rússia.
Num
segundo grupo de países, onde está o Brasil, África do Sul, Turquia, Colômbia, México e Índia, as condições financeiras continuam
ainda restritivas em razão de fundamentos econômicos desfavoráveis. O maior
diferencial entre esses dois grupos de países é justamente a relação entre
dívida e PIB.
O Brasil é o pior entre os piores.
O
País flerta com essa crise e a desconfiança dificulta o financiamento da dívida
pública pelo Tesouro.
Até agora, todo mundo falava que o encurtamento dos prazos dos títulos do
Tesouro era mais um sinal do aumento do risco, além da maxidesvalorização do
real, que já alcança 40% em 2020. Mas quando se mostra os números consolidados
das consequências desse processo, a ficha cai ainda mais.
Como
revelou o Estadão,
os vencimentos de
papéis no primeiro quadrimestre já chegam a R$ 643 bilhões,
15% do total da dívida interna.
O
BC e Tesouro estão atuando junto para estabilizar o processo de abertura do
deságio das LFTs, os títulos atrelados à taxa Selic que
sempre foram o porto seguro da dívida. Esse risco estava adormecido e surgiu
nos últimos dois meses. O aumento do deságio é um problemão para os fundos de
investimentos DI que são lastreados pelas LFTs. Cotas negativas desses fundos,
como se viu em setembro, podem alimentar uma crise de liquidez com investidores
promovendo saques.
O
governo tem em mãos muitos instrumentos que podem ser acionados para reduzir o
estresse no mercado de dívida e estabilizar os prêmios que os investidores
estão cobrando.
Em
última instância, o próprio BC pode agir comprando os títulos do Tesouro. E não
precisa do orçamento de guerra para fazer isso. Legislação anterior dá direito
ao BC de comprar título público para fazer política monetária. Em outras
palavras, se o BC achar que as taxas de juros de prazos mais longos estão
distorcendo os prêmios de risco e afetando o câmbio, ele passa a ter uma razão
de política monetária para comprar os títulos do Tesouro.
Nesse
caso, uma comunicação bem feita terá de ser acionada para não passar a
percepção de que o BC está financiando o Tesouro. O elemento surpresa é sempre
um fator chave nesses movimentos.
O que os indicadores do mercado estão mostrando é que há pouca margem de manobra e que o País precisa sair logo desse impasse fiscal. 2021 está logo ali.
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