sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Merval Pereira - Negacionismo numa hora dessas?

- O Globo

Quando todo o mundo se prepara para uma campanha massiva de vacinação contra a Covid-19, o presidente Bolsonaro continua a fazer campanha contra a vacina.

Como quem fazia um comentário banal, deu uma declaração absurda: “Se as vacinas tiverem efeito colateral, não podem me culpar”. Uma atitude irresponsável, porque coloca dúvida e medo no cidadão comum. Ele trabalha contra a vacinação, não apenas contra a vacinação obrigatória.  Um negacionismo a toda prova.

Lançar dúvida sobre a eficácia das vacinas, que estão sendo produzidas pelos principais laboratórios farmacêuticos do mundo e sob supervisão internacional, é quase um crime em uma pandemia mundial. O pior é que o ministro da Saúde, General Pazuello, supostamente à frente do ministério por ser um especialista em logística, acha que o tratamento preventivo é a grande solução.

Os verdadeiros médicos estão irritadíssimos, porque as pessoas vão começar a se automedicar, tomar remédios preventivos, sem nenhum resultado, porque ainda não existe remédio que resolva. Porque acredita nessas baboseiras, e não acredita na vacina, o governo atrasa a logística da vacinação, a negociação das vacinas.

A vacina da Pfizer, que é reconhecidamente mais complicada de logística de armazenamento, pois exige uma refrigeração de -70 graus, foi praticamente descartada pelo governo, mas vários países da América Latina, como Costa Rica, México, Chile, Equador, Panamá estão montando a logística especial para recebê-la.

Aqui no Brasil, a Bahia anunciou que já está comprando refrigeradores especiais para armazenar as vacinas da Pfizer e da Moderna, dos Estados Unidos. Sem falar nos países europeus que começarão a vacinação ainda em janeiro.

O grande problema é que o governo parece não querer fazer uma política nacional de vacinação contra Covid-19, provavelmente acha que vacinação não é a solução, assim como Bolsonaro continua com a ideia de que usar máscara é uma bobagem - “o último tabu que vai cair”-, e que o distanciamento social não previne nada.Como insiste em dizer nosso “especialista” Bolsonaro, todo mundo vai pegar a Covid-19 e vai acontecer a tal da imunidade do rebanho para resolver a questão.  

O ponto não é esse, é quanta gente vai morrer mais enquanto a imunização natural não se completa? Já estamos novamente com números de contaminados e de mortes em escala crescente, e a segunda onda parece uma realidade cada vez mais próxima no país. Enquanto isso, Pazuello, seguindo o pensamento de Bolsonaro, fala em onda de suicídios, de depressão, “mortes advindas do desastre econômico e social”.

Mas Bolsonaro está dando uma orientação burra ao seu governo, até mesmo do ponto de vista de quem, como ele e Pazuello, dá mais importância à recuperação econômica do que ao combate à Covid-19. A vacinação imediata sendo mais eficaz, a economia será retomada mais rapidamente, mas ele não consegue entender isso. E faltam até mesmo as seringas para a vacinação em massa. As empresas produtoras dizem que o último contato com o governo foi em setembro, e nada evoluiu de lá para cá.

Tudo indica que vamos ter problema sério a partir de janeiro. O governador de São Paulo, João Doria, anunciou ontem que a Coronavac, de origem chinesa que está sendo produzida pelo Instituto Butantã a partir de matéria prima do laboratório Sinovac, vai estar disponível para vacinação já em janeiro, e espera que a ANVISA libere logo. Também em janeiro, a Fiocruz já vai produzir 30 milhões de doses da vacina da empresa AstraZeneca em colaboração com a Universidade de Oxford, mas o governo só quer começar a distribuição a partir de março.

Tem gente que diz que uma boa aposta é entre abril e maio, porque a estrutura para a distribuição tem que ser montada. Já devia estar pronta, pois temos o know-how de vacinação nacional contra gripes e outras doenças, mas não está.  Nosso especialista em logística ainda não sabe como organizar uma vacinação em massa.

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