sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Um governo cruel – Opinião | O Estado de Paulo

O governo federal é a expressão viva da indiferença e da falta da sensibilidade que marca a triste passagem de Jair Bolsonaro pela Presidência

Comandado por um presidente que tem evidente dificuldade para demonstrar empatia autêntica por qualquer um que não leve seu sobrenome, o governo federal é a expressão viva da indiferença que marca a triste passagem de Jair Bolsonaro pelo poder. A ministros sem currículo e sem o mínimo cabedal para as nobres tarefas que lhes foram concedidas pela irresponsabilidade bolsonarista, só resta empenhar-se em agradar ao chefe – e o fazem emulando fielmente a truculência tão característica de Bolsonaro.

Tome-se o exemplo do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Como se fosse titular do Ministério da Doença, o sr. Pazuello, inspirado no presidente, parece trabalhar em favor do coronavírus, facilitando-lhe a dispersão entre os brasileiros e agravando a pandemia. Na quarta-feira passada, contra todas as evidências, o ministro disse que a recém-encerrada campanha eleitoral, com suas aglomerações, “não trouxe nenhum tipo de incremento ou aumento de contaminação”, razão pela qual “não podemos mais falar em lockdown nem nada”.

Ora, o que aconteceu, segundo as informações disponíveis, foi o exato oposto. Tanto é assim que vários governos decidiram reforçar algumas das restrições que haviam sido abrandadas. Ao desestimular o isolamento social e fazer crer que as contaminações estão diminuindo, o ministro semeia confusão e colabora para desmoralizar os esforços de quem demonstra preocupação com o vírus. 

Enquanto isso, o secretário executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, a propósito das recomendações para os brasileiros nas festas de fim de ano, menosprezou o isolamento social, pois segundo ele “não tem eficácia”, malgrado seja preconizado pela comunidade científica mundial para reduzir a pandemia. Já em caso de suspeita de contaminação, Élcio Franco defendeu o “tratamento precoce”, que não existe senão no discurso dos xamãs bolsonaristas.

Sabe-se lá quantos brasileiros mais ficarão doentes, correndo risco de morte, como resultado do conflito de mensagens estimulado pelo governo. Para os propósitos de Bolsonaro, como se sabe, isso não tem a menor importância, já que, em suas inolvidáveis palavras, “todos vamos morrer um dia”. A única coisa que importa é livrar-se da responsabilidade pelas consequências da pandemia.

Assim, não surpreende que o governo tenha demorado tanto para formular um plano de vacinação e, também, que esse plano, afinal apresentado na terça-feira passada, seja tão aquém do necessário. A vacinação não somente se estenderá por um ano ou talvez até mais, como será destinada a uma parcela muito pequena da população. 

Sem jamais ter sido prioridade do governo – ao contrário, o próprio presidente disse e repetiu em voz alta que a vacinação não seria obrigatória, como se a vacina fosse uma aspirina que se escolhe tomar ou não –, a imunização dos brasileiros contra o coronavírus entrará para a já extensa e variada lista das obrigações que Bolsonaro, como presidente da República, está deixando de cumprir. E neste caso colocando em risco a saúde de todos.

À inépcia junta-se o autoritarismo explícito, única promessa de campanha que Bolsonaro cumpre à risca. Uma portaria do Ministério da Educação publicada na quarta-feira determinava o retorno às aulas presenciais nas universidades federais e nas faculdades particulares a partir de janeiro. De uma tacada só, a ordem violava a autonomia universitária e, sem qualquer consulta aos gestores universitários, atropelava os esforços para reduzir o contágio entre estudantes e professores.

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, expressou surpresa com a repercussão negativa. Ou seja, foi simplesmente incapaz de perceber a violência da medida, evidente por si mesma. É, portanto, muito pior do que a simples incompetência: trata-se de um governo sem qualquer sensibilidade, movido exclusivamente pelos delírios bolsonaristas de poder, nos quais o presidente e alguns de seus principais ministros não demonstram compaixão pelos pobres e os doentes.

Com um presidente que é fã declarado de torturadores, quem haverá de se dizer surpreso, afinal?

Subserviência a Trump no 5G – Opinião | O Estado de S. Paulo

Governo segue linha trumpista contra Huawei e despreza interesse nacional

Derrotado nos EUA, o presidente Donald Trump continua mandando no governo da segunda maior economia das Américas. Incapaz de entender o resultado da recente eleição norte-americana, o presidente Jair Bolsonaro insiste em seguir seu líder, sujeitando à sua orientação os interesses diplomáticos e econômicos do Brasil. Em mais uma demonstração de fidelidade, o presidente brasileiro busca uma forma legal de limitar a participação chinesa, por meio da fabricante Huawei, na implementação da rede 5G no País.

A ideia, segundo apurou o Estado, é estabelecer uma barreira com base em requisitos técnicos de segurança, disfarçando o objetivo de restringir a concorrência. Empresas brasileiras de telecomunicações já se manifestaram contra a limitação.

A sujeição à política trumpista já havia sido evidenciada mais uma vez, sem a preocupação de disfarce, em mensagem postada em rede social, no dia 23 de novembro, pelo deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente brasileiro. O governo Jair Bolsonaro, afirmou o deputado, “declarou apoio à Aliança Clean Network, lançada pelo governo Trump, criando uma aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China”.

A embaixada chinesa repudiou as palavras de Eduardo Bolsonaro e acusou-o de solapar a relação bilateral. O presidente da Frente Parlamentar Brasil-China, deputado Fausto Pinato, chamou de irresponsável o filho do presidente e lembrou a importância do mercado chinês para as exportações brasileiras. O diplomata Roberto Abdenur, ex-embaixador nos EUA e na China, apontou “imensa irresponsabilidade” e falou do risco de “graves danos” a interesses comerciais brasileiros.

A desastrada mensagem de Eduardo Bolsonaro foi apenas mais uma demonstração de subserviência. Ele já havia posado para foto, em Washington, usando um boné de campanha pró-reeleição de Donald Trump. Quando um parlamentar brasileiro se exibe como cabo eleitoral de um presidente estrangeiro, dificilmente qualquer de suas impropriedades causará surpresa.

Não surpreenderá, mas poderá prejudicar seriamente o Brasil. Seu único efeito positivo é eliminar qualquer dúvida sobre a sujeição – sua e de seu líder imediato, o presidente Bolsonaro – a um governante de outro país.

Não se trata, é importante distinguir, de um alinhamento ou de uma aliança entre dois Estados, mas da subordinação de um chefe de governo ao chefe de governo de outro país, um caso de sujeição pessoal. O recém-eleito presidente dos EUA, Joe Biden, poderá manter a rivalidade comercial e tecnológica com a China, mas a posição do presidente brasileiro foi definida a partir de uma orientação pessoal de Donald Trump.

Alertadas sobre a disposição do presidente Bolsonaro de limitar a concorrência no caso da tecnologia 5G, empresas brasileiras já se manifestaram. Posições contrárias à restrição foram indicadas pela Conexis Brasil Digital (representante das operadoras Vivo, Claro, Tim e Oi) e pela Federação Nacional de Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e Informática (Feninfra). A Huawei já tem participação importante no sistema brasileiro de telecomunicações. Sua substituição por outros fornecedores de equipamentos poderá encarecer a implantação do sistema 5G, alertam as empresas. A melhor solução, insistem, é permitir ampla concorrência para atendimento a todos os tipos de demanda.

O presidente Bolsonaro, seus filhos e o ministro de Relações Exteriores têm com frequência ignorado os interesses diplomáticos e comerciais do Brasil. Criaram situações de conflito com parceiros comerciais importantes, como a China, a União Europeia e países muçulmanos.

Em várias ocasiões foi preciso cuidar dos danos causados por ações desastradas e incompetentes dessas figuras. O despreparo do presidente e de figuras do seu entorno pode explicar muitos de seus erros sem, no entanto, justificá-los. O ministro da Economia sabe dos planos de restrição à concorrência na implantação da tecnologia 5G. Alertar o presidente para evitar mais esse erro será, no mínimo, uma demonstração de autorrespeito.

A retomada só começou – Opinião | O Estado de S. Paulo

Baixo investimento continua limitando o potencial de expansão econômica

Os estímulos funcionaram, o consumo reagiu, a indústria respondeu e o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 7,7% no terceiro trimestre, mas sem anular os danos econômicos causados pela pandemia e, antes da covid-19, pelas falhas do governo. Não basta confrontar o ganho entre julho e setembro com a perda de 9,6% nos três meses anteriores. Para um balanço realista é preciso olhar mais longe. O tombo começou bem antes da crise sanitária. No primeiro trimestre o País havia produzido 1,5% menos que no trimestre anterior, já atolado numa crise made in Brazil e com epicentro em Brasília. A devastação ocasionada pelo coronavírus ocorreu numa economia já enfraquecida e muito maltratada pelo novo governo.

O consumo familiar e a produção industrial puxaram a reação a partir de maio e continuaram a sustentá-la no terceiro trimestre. Mesmo com a reanimação, o PIB de julho a setembro foi 3,9% menor que o de um ano antes. O resultado de nove meses foi 5% inferior ao de janeiro a setembro de 2019. Em 12 meses acumulou-se um recuo de 3,4%.

A convalescença vai ser longa. Como os EUA, a maior parte da Europa e dezenas de outros países, o Brasil deve terminar 2020 com desempenho inferior ao de 2019. Previsões correntes mostram perda de uns 4,5% em relação ao PIB de um ano antes. Projeções para 2021 apontam crescimento próximo de 3,5%. Se nenhum novo desastre ocorrer, em 2022 o País voltará ao patamar de 2019.

Mas o cenário de 2021 é enevoado. Não se sabe como ficará o consumo, no próximo ano, sem o auxílio emergencial. As discussões em Brasília misturam questões de grande importância imediata, como a sustentação dos gastos familiares, e assuntos de interesse eleitoral do presidente Jair Bolsonaro, como a criação de um Bolsa Família com sua marca pessoal. Para resolver a segunda questão será preciso encontrar uma fonte permanente de financiamento, desafio muito mais complicado em termos técnicos e legais.

Enquanto o presidente se concentra em assuntos pessoais, cresce a lista de interrogações. Em outubro, a produção industrial foi 1,1% maior que a do mês anterior. O avanço mensal havia sido de 2,8% em setembro. A perda de impulso em quatro meses consecutivos pode ser algo mais sério que uma “acomodação” – palavra usada por alguns analistas – no ritmo de retomada.

Além do avanço mais lento da indústria, convém levar em conta os efeitos combinados da redução do auxílio emergencial, iniciada em setembro, e do desemprego ainda muito alto (cerca de 13,5 milhões de pessoas em setembro). Mesmo com a animação temporária dos negócios no fim do ano, a economia provavelmente entrará em 2021 ainda carente de boas doses de fortificante. As famílias, convém lembrar, estão mais endividadas e o número das inadimplentes tem crescido.

O Brasil encerra 2020 com uma agenda econômica mais complexa e desafiante que a da maior parte dos grandes emergentes. O País experimentou neste ano os efeitos combinados da pandemia e de problemas acumulados em muitos anos. A crise industrial, iniciada antes da recessão de 2015-2016, é um dos mais evidentes.

Outro problema crucial e muito conhecido é o baixo investimento produtivo em máquinas, equipamentos e obras, medido como formação bruta de capital fixo. No terceiro trimestre esse investimento equivaleu a 16,2% do PIB, taxa praticamente igual à de um ano antes, 16,3%.

Quando se consideram os terceiros trimestres desde o ano 2000, a taxa mais alta, 21,5%, ocorreu em 2010 e 2015. Taxas iguais ou superiores a 24% do PIB são observadas em outros emergentes, obviamente mais dinâmicos que o Brasil. O País precisa investir muito mais para ganhar produtividade e elevar seu potencial de crescimento.

O maior entrave está nas limitações financeiras e administrativas do setor público. Um dos efeitos é a grave deficiência da infraestrutura. Privatizações e concessões podem ajudar, mas o atual governo pouco avançou nessas tarefas, apesar das promessas, agora repetidas e programadas para o fim de 2021 pelo ministro da Economia.

Veto de Bolsonaro a Huawei no 5G carece de sustentação técnica – Opinião | O Globo

Biden não reduzirá tensões com a China, mas ideologia não pode ser a base de decisões estratégicas

Não se espera que a troca de guarda na Casa Branca mude na essência o conflito entre os Estados Unidos hegemônicos e a China emergente. Com Joe Biden no lugar de Donald Trump, choques como os que ocorrem em torno da tecnologia da quinta geração de telefonia celular (5G) terão outra coreografia e transcorrerão prioritariamente pelos canais diplomáticos clássicos. Para o Brasil, nesse campo, importa saber como o governo democrata conduzirá as pressões para que a chinesa Huawei seja alijada da nova geração.

O deputado Eduardo Bolsonaro, o Zero Três, repetiu a acusação do presidente americano de que a Huawei é um braço da espionagem chinesa. Barreiras de proteção contra arapongas devem mesmo preocupar qualquer país. O Brasil só tem a lucrar se, nos investimentos no 5G, tiver os cuidados que não teve quando adquiriu sistemas de criptografia de uma firma suíça que tinha a Central de Inteligência Americana (CIA) entre os acionistas. Só que vários países europeus desistiram de banir a tecnologia da Huawei por considerar que os riscos à segurança estão mais no plano da fantasia que no da realidade.

Enquanto se desenrolava a escaramuça entre o clã presidencial e o representante de Pequim em Brasília, embaixador Yang Wanming, o setor de telecomunicações subiu o tom contra a retirada da Huawei da disputa pelo 5G no Brasil. Os chineses têm forte presença na telefonia brasileira, entre 35% e 45%, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A adoção de seus equipamentos reduziria tempo e custos para as teles nesta nova fase.

Seus representantes ameaçam ir à Justiça caso as empresas sejam impedidas de ter a Huawei entre seus fornecedores no 5G. Vetar os chineses, explicam, forçaria alterações na infraestrutura do 4G, a um custo que dizem ser exorbitante.

A entrada das pessoas jurídicas na briga lança a campanha do Planalto para outro patamar. Bolsonaro não pode esquecer que há muito dinheiro nesse negócio. As empresas, em defesa dos clientes e dos acionistas, não querem perder um fornecedor antigo e testado, que oferece condições mais favoráveis.

Vetos e aprovações precisam ter base técnica — e os técnicos da Anatel, num sinal de independência, não excluíram a Huawei das recomendações que vieram a público para o edital do leilão do 5G, previsto para 2021.

Ao se alinhar ao radicalismo de Trump contra a China, Bolsonaro obedece mais aos instintos ideológicos e menos ao cérebro. Está claro que não se trata de questão ideológica. Os mais indefesos são os milhões de usuários que poderão ser obrigados a pagar a fatura.

Retomada para valer, só comV de vacina – Opinião | O Globo

Alta do PIB mostra que país saiu do terreno da recessão, mas pandemia e desafio fiscal tornam futuro difícil

O crescimento de 7,7% do PIB no terceiro trimestre, em relação ao segundo, é sem dúvida excelente notícia. O IBGE também reviu para cima o tombo da economia no trimestre anterior (em vez de encolher 11,4%, ela encolheu “apenas” 10,9% em relação ao mesmo período de 2019). Os resultados mostram que o país deixou o terreno da recessão e ensaia a recuperação no formato de V em que apostavam analistas de mercado.

É verdade que, em termos relativos, a alta ficou aquém da expectativa. Na comparação com o terceiro trimestre do ano passado (que elimina variações sazonais), a economia contraiu 3,9%, quando mais da metade dos analistas esperava uma contração de até 3,4%. Mas vários setores surpreenderam, em particular o de serviços, o mais afetado pela pandemia, que até agora não esboçara reação.

Apesar dos sinais positivos, é importante entender o contexto para não criar expectativas irreais. A economia ainda deverá encolher em torno de 4,5% este ano. Dificilmente haverá recuperação robusta no ano que vem.

Os motivos para isso são dois. O primeiro — e mais crítico — é a reticência do investidor em apostar num país onde a agenda de reformas não anda. O governo não demonstra o menor sinal de compreender a urgência de encontrar um caminho viável para sair do abismo fiscal. Até agora, o Orçamento de 2021 é uma incógnita. Não se sabe se haverá extensão do auxílio emergencial ou criação de outro programa de renda mínima. Para completar, o Ministério da Economia não quer, como manda a lei, apresentar uma meta para o resultado fiscal de 2021 (sugere agora adotar uma “meta variável”, seja lá o que isso signifique).

Enquanto não se vislumbrar a saída do buraco fiscal, nem houver um cenário concreto de redução no endividamento público, capaz de controlar as pressões inflacionárias que já se fazem sentir, será impossível falar a sério em retomada da economia.

O segundo motivo para encarar os resultados do PIB com cautela é que a pandemia não acabou. O vírus, principal responsável pela paralisia nas atividades mundo afora, continua à solta. A população brasileira relaxou nas medidas de contenção do contágio, e os casos de Covid-19 voltaram a subir. O governo continua sem rumo na saúde, comandada por um general sem preparo para lidar com os desafios do setor, subordinado a um presidente que desdenha a ameaça e faz pouco da morte. O risco de colapso do sistema hospitalar continua presente em várias regiões do país.

Haverá novas medidas de restrição ou quarentenas? Qual a perspectiva para os setores que dependem da interação humana, como turismo ou entretenimento? Como reagirá o comércio ao provável fim do auxílio emergencial, que serviu para manter os níveis de consumo? Ninguém sabe responder. Por isso mesmo, não há como haver uma retomada consistente enquanto os riscos da pandemia continuarem a pairar. Retomada para valer, só com V de vacina. Até lá, todo número pode não passar de ilusão.

 

Retomada parcial – Opinião | Folha de S. Paulo

PIB confirma início de retomada, mas auxílio, emprego e reformas são incertezas

Ainda que um pouco inferior ao que se projetava, o crescimento de 7,7% da economia no terceiro trimestre, ante o período imediatamente anterior, confirma a superação do pior momento da crise e a importância das medidas emergenciais que ajudaram a reduzir os impactos da pandemia de Covid-19.

Em consonância com o que ocorre em outros países onde houve suporte fiscal e monetário à atividade, observou-se compensação da maior parte da queda ocasionada pelas medidas restritivas —que no caso brasileiro chegou a assustadores 9,6% no segundo trimestre.

Consolidam-se, assim, estimativas de retração do Produto Interno Bruto em torno de 4,5% neste ano, resultado menos ruim do que o temido há alguns meses.

Também em sintonia com o padrão mundial, a retomada foi liderada por setores menos atingidos pelas exigências de distanciamento social, como a indústria e a construção. A produção manufatureira cresceu 14,8% no trimestre e recuperou o nível pré-crise.

Pelo lado da demanda, a melhora se mostrou menos intensa. O consumo privado cresceu 7,6%, insuficientes para compensar o recuo de 11,3% no segundo trimestre, mas com perspectiva de continuidade.

O papel do auxílio emergencial na preservação de renda aparece com clareza. A poupança interna atingiu 17,3% no período, a maior cifra desde 2013. Desse modo, há possibilidade de que a saída do auxílio emergencial, embora dolorosa, não interrompa o crescimento.

Tudo dependerá, porém, da expansão das horas trabalhadas e do emprego, que ainda dá sinais ambíguos. Nota-se forte criação de vagas formais na medição do Caged, mas a pesquisa domiciliar do IBGE ainda aponta desemprego de 21% e o pior quadro de desalento da série histórica.

Há indicações positivas para 2021, que podem levar a economia a crescer mais que os 3,5% previstos hoje.

Globalmente espera-se uma forte recuperação, impulsionada pela perspectiva de vacinação em massa ao longo do primeiro semestre, algo que poderá ajudar setores ainda deprimidos, sobretudo serviços intensivos em contato social.

Além disso, as condições monetárias e financeiras devem permanecer favoráveis. Os juros mundiais ficarão próximos de zero. No caso brasileiro, podem perder força pressões de preços em alimentos e itens industriais que tiveram sua oferta comprometida, ajudando o Banco Central a manter a taxa básica de juros em nível baixo.

A consolidação da retomada também dependerá da disposição do governo em retomar seriamente a essencial agenda de reformas, com foco na redução das incertezas orçamentárias. Os sinais nesse sentido, porém, não são animadores.

Primeira parada – Opinião | Folha de S. Paulo

Tensão com Irã emerge como uma prioridade de política externa para Joe Biden

Parece que foi em outra década, por motivo da distorção temporal da pandemia, mas há 11 meses o mundo quase assistiu a uma guerra entre Estados Unidos e Irã.

O estopim, o assassinato do principal general do país persa pelos americanos, após dois anos de crescente tensão acerca do programa nuclear de Teerã. Os iranianos atacaram uma base dos EUA no Iraque, algo inédito, mas ambos os lados se deram por satisfeitos.

Desafiando a metade do clichê marxista sobre o caráter farsesco das repetições históricas, um novo assassinato e renovadas bravatas atômicas colocam os velhos adversários de novo frente a frente.

Desta vez, a morte foi de um cientista nuclear que trabalhou no programa da bomba dos aiatolás. Os suspeitos são os israelenses.

Tel Aviv, ela mesma dona de um arsenal nuclear não declarado, tem com o que se preocupar: para a teocracia iraniana, a extinção do Estado judeu constitui objetivo retórico. A ideia de Teerã com armas de destruição em massa não é naturalmente aceita por Israel.

O governo de Binyamin Netanyahu balança e precisa de golpes de imagem —e ganhou de Donald Trump o maior apoio já recebido de um presidente americano.

Em 2018, Trump havia deixado o acordo nuclear costurado por Barack Obama três anos antes, que limitava a produção de urânio enriquecido iraniano e ampliava a inspeção de suas instalações nucleares em troca do fim de sanções.

O texto tinha falhas e podia ser lido como uma forma de os aiatolás ganharem tempo. Entretanto era um instrumento multinacional legítimo —o único à mão.

Nesta semana, o Irã aprovou lei que jogará fora o que resta de compromisso com o acordo, que inclui outros países, se Joe Biden não retornar ao texto quando assumir.

O democrata, questionado se o faria, disse que seria difícil, mas que sim. Ele está numa posição delicada. Como vice de Obama, tem compromisso com a saída negociada.

Todavia o desenho atual do Oriente Médio inclui Israel numa posição de força, com uma aliança anti-Irã patrocinada por Trump em plena costura com países árabes.

Com Teerã elevando a temperatura, o nó atado na Revolução Islâmica de 1979 emerge como uma das prioridades, se não a mais urgente, da política externa do novo presidente americano.

Flertando com a outra metade do clichê, o risco é o de a história se repetir como tragédia.

País volta ao crescimento, mas com ritmo incerto – Opinião | Valor Econômico

Parte da poupança pode desaguar no consumo

O desempenho da economia brasileira no terceiro trimestre foi menos vigoroso do que o previsto (7,7% em relação ao trimestre anterior, ante 8,8% da mediana de expectativa dos analistas). Mesmo assim, se as atividades não voltarem ao negativo nesse último trimestre, um pequeno crescimento será suficiente para garantir pelo menos a continuidade do avanço medíocre do PIB nos últimos anos, algo em torno de 1,3%. As previsões pessimistas de quedas maiores em 2020, como as do FMI (-5,8%) e da OCDE (-6%) não se concretizarão.

O futuro, porém, não está garantido. Há pouca coisa que possa impulsionar uma expansão econômica potente após a pandemia do que havia antes dela. O que a série do PIB mostra é que a economia já caminhava devagar, quase parando, dois trimestres antes da covid-19 espalhar pânico e destruição. Na comparação trimestre contra trimestre anterior com ajuste sazonal, o PIB do terceiro trimestre de 2019 caiu 0,2%, retomou 0,2% no seguinte para afundar 1,5% nos primeiros três meses deste ano e mais 9,6% no trimestre seguinte.

As revisões do IBGE na série de 2019 e na dos dois primeiros trimestres de 2020 ajudaram a frustrar as expectativas de crescimento maior. Pelo lado da produção, a indústria puxou a reação, com 14,8% ante o trimestre anterior, acima dos 14,2% previstos porque a revisão estatística agravou o tombo do setor, de -12,7% para -14,1% no segundo trimestre.

Não será possível uma expansão alentada sem a recuperação dos serviços (73,5% de peso no PIB), com sub-setores quase dizimados pelo distanciamento social necessário ao combate da pandemia. Seu avanço no terceiro trimestre foi de 6,3%, abaixo dos 7% esperados, mas a base de comparação revisada tornou-se mais alta (de -11,2% para -10,2%). O relaxamento observado nos últimos meses ativou o setor e os maiores sub-setores, como o de outras atividades (peso 18%, avanço de 7,8%), transporte, armazenamento (12,5%) e comércio (15,9%), cresceram bem.

Como parte substancial dos serviços são movidos pelo comportamento da renda, não é possível prever com algum grau de certeza sua evolução. O desemprego está aumentando, com boa parte dos que estavam fora da força de trabalho voltando, e o auxílio emergencial, que acaba em dezembro, foi reduzido à metade do valor. A taxa de desemprego no trimestre findo em agosto foi de 14,4%, com 13,8 milhões de pessoas que buscaram ocupação e não encontraram.

O recrudescimento da pandemia pode fazer com que eles continuem desempregados. A vacina estará disponível alguns meses depois do que nos países desenvolvidos, que começam a imunização este mês, e não haverá doses suficientes para todos em 2021. Ainda que não se repitam os lockdowns do início da pandemia, as restrições atuais limitam os negócios e o trabalho no setor de serviços.

Papel tão relevante no PIB pelo lado da demanda quanto é o de serviços pelo da produção, o consumo das famílias aumentou 7,6% no trimestre, bem abaixo dos 9,8% esperados. Como a maior parte dos que perderam renda são informais, o fim do auxílio é um freio ao consumo, ainda mais diante de um mercado de trabalho hostil. A inflação, mesmo temporária, consome nacos maiores da renda dos que ganham menos. Juros baixos e aumento da oferta de crédito podem dar algum alento, mas o fator decisivo é a garantia de emprego ou a possibilidade de encontrá-lo.

O governo, que vê um horizonte azul onde há sinais de tempestade, aposta na desova da poupança “precaucional”, o dinheiro economizado para enfrentar dificuldades futuras, ampliado pelo auxílio emergencial. A poupança nacional bruta, de R$ 327,9 bilhões, deu um salto de R$ 70,4 bilhões do segundo para o terceiro trimestre. A taxa de poupança chegou a 17,3%, acima dos 16,2% da taxa de investimentos. O FMI, por outras contas, mostra que a poupança privada no início do terceiro trimestre atingiu 29,6% do PIB, enquanto que a pública caiu 15,2%.

Parte dessa poupança pode desaguar no consumo, mas sem progressos consistentes de renda e emprego seu efeito é limitado. Contam muito também as expectativas, que não são otimistas diante de um governo caótico, no qual o presidente não se empenha em levar à frente reformas imprescindíveis e cuja indecisão amplia desconfianças sobre a solvência do Estado. Não há nada, por ora, que indique o arranque para um crescimento sustentado, diferente daquela exasperante lentidão com que se move desde o fim da recessão.

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