O
governo federal é a expressão viva da indiferença e da falta da sensibilidade
que marca a triste passagem de Jair Bolsonaro pela Presidência
Comandado por um presidente que tem evidente dificuldade para demonstrar empatia autêntica por qualquer um que não leve seu sobrenome, o governo federal é a expressão viva da indiferença que marca a triste passagem de Jair Bolsonaro pelo poder. A ministros sem currículo e sem o mínimo cabedal para as nobres tarefas que lhes foram concedidas pela irresponsabilidade bolsonarista, só resta empenhar-se em agradar ao chefe – e o fazem emulando fielmente a truculência tão característica de Bolsonaro.
Tome-se
o exemplo do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Como se fosse titular do
Ministério da Doença, o sr. Pazuello, inspirado no presidente, parece trabalhar
em favor do coronavírus, facilitando-lhe a dispersão entre os brasileiros e
agravando a pandemia. Na quarta-feira passada, contra todas as evidências, o
ministro disse que a recém-encerrada campanha eleitoral, com suas aglomerações,
“não trouxe nenhum tipo de incremento ou aumento de contaminação”, razão pela
qual “não podemos mais falar em lockdown nem nada”.
Ora, o que aconteceu, segundo as informações disponíveis, foi o exato oposto. Tanto é assim que vários governos decidiram reforçar algumas das restrições que haviam sido abrandadas. Ao desestimular o isolamento social e fazer crer que as contaminações estão diminuindo, o ministro semeia confusão e colabora para desmoralizar os esforços de quem demonstra preocupação com o vírus.
Enquanto
isso, o secretário executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, a propósito
das recomendações para os brasileiros nas festas de fim de ano, menosprezou o
isolamento social, pois segundo ele “não tem eficácia”, malgrado seja
preconizado pela comunidade científica mundial para reduzir a pandemia. Já em
caso de suspeita de contaminação, Élcio Franco defendeu o “tratamento precoce”,
que não existe senão no discurso dos xamãs bolsonaristas.
Sabe-se
lá quantos brasileiros mais ficarão doentes, correndo risco de morte, como
resultado do conflito de mensagens estimulado pelo governo. Para os propósitos
de Bolsonaro, como se sabe, isso não tem a menor importância, já que, em suas
inolvidáveis palavras, “todos vamos morrer um dia”. A única coisa que importa é
livrar-se da responsabilidade pelas consequências da pandemia.
Assim,
não surpreende que o governo tenha demorado tanto para formular um plano de
vacinação e, também, que esse plano, afinal apresentado na terça-feira passada,
seja tão aquém do necessário. A vacinação não somente se estenderá por um ano
ou talvez até mais, como será destinada a uma parcela muito pequena da
população.
Sem
jamais ter sido prioridade do governo – ao contrário, o próprio presidente
disse e repetiu em voz alta que a vacinação não seria obrigatória, como se a
vacina fosse uma aspirina que se escolhe tomar ou não –, a imunização dos
brasileiros contra o coronavírus entrará para a já extensa e variada lista das
obrigações que Bolsonaro, como presidente da República, está deixando de
cumprir. E neste caso colocando em risco a saúde de todos.
À
inépcia junta-se o autoritarismo explícito, única promessa de campanha que
Bolsonaro cumpre à risca. Uma portaria do Ministério da Educação publicada na
quarta-feira determinava o retorno às aulas presenciais nas universidades
federais e nas faculdades particulares a partir de janeiro. De uma tacada só, a
ordem violava a autonomia universitária e, sem qualquer consulta aos gestores
universitários, atropelava os esforços para reduzir o contágio entre estudantes
e professores.
O
ministro da Educação, Milton Ribeiro, expressou surpresa com a repercussão
negativa. Ou seja, foi simplesmente incapaz de perceber a violência da medida,
evidente por si mesma. É, portanto, muito pior do que a simples incompetência:
trata-se de um governo sem qualquer sensibilidade, movido exclusivamente pelos
delírios bolsonaristas de poder, nos quais o presidente e alguns de seus
principais ministros não demonstram compaixão pelos pobres e os doentes.
Com
um presidente que é fã declarado de torturadores, quem haverá de se dizer
surpreso, afinal?
Subserviência a Trump no 5G – Opinião | O Estado de S. Paulo
Governo
segue linha trumpista contra Huawei e despreza interesse nacional
Derrotado nos EUA, o presidente Donald Trump continua mandando no governo da segunda maior economia das Américas. Incapaz de entender o resultado da recente eleição norte-americana, o presidente Jair Bolsonaro insiste em seguir seu líder, sujeitando à sua orientação os interesses diplomáticos e econômicos do Brasil. Em mais uma demonstração de fidelidade, o presidente brasileiro busca uma forma legal de limitar a participação chinesa, por meio da fabricante Huawei, na implementação da rede 5G no País.
A
ideia, segundo apurou o Estado, é estabelecer uma barreira com base em
requisitos técnicos de segurança, disfarçando o objetivo de restringir a
concorrência. Empresas brasileiras de telecomunicações já se manifestaram
contra a limitação.
A
sujeição à política trumpista já havia sido evidenciada mais uma vez, sem a
preocupação de disfarce, em mensagem postada em rede social, no dia 23 de
novembro, pelo deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente brasileiro. O
governo Jair Bolsonaro, afirmou o deputado, “declarou apoio à Aliança Clean
Network, lançada pelo governo Trump, criando uma aliança global para um 5G
seguro, sem espionagem da China”.
A
embaixada chinesa repudiou as palavras de Eduardo Bolsonaro e acusou-o de
solapar a relação bilateral. O presidente da Frente Parlamentar Brasil-China,
deputado Fausto Pinato, chamou de irresponsável o filho do presidente e lembrou
a importância do mercado chinês para as exportações brasileiras. O diplomata
Roberto Abdenur, ex-embaixador nos EUA e na China, apontou “imensa
irresponsabilidade” e falou do risco de “graves danos” a interesses comerciais
brasileiros.
A
desastrada mensagem de Eduardo Bolsonaro foi apenas mais uma demonstração de
subserviência. Ele já havia posado para foto, em Washington, usando um boné de
campanha pró-reeleição de Donald Trump. Quando um parlamentar brasileiro se
exibe como cabo eleitoral de um presidente estrangeiro, dificilmente qualquer
de suas impropriedades causará surpresa.
Não
surpreenderá, mas poderá prejudicar seriamente o Brasil. Seu único efeito
positivo é eliminar qualquer dúvida sobre a sujeição – sua e de seu líder
imediato, o presidente Bolsonaro – a um governante de outro país.
Não
se trata, é importante distinguir, de um alinhamento ou de uma aliança entre
dois Estados, mas da subordinação de um chefe de governo ao chefe de governo de
outro país, um caso de sujeição pessoal. O recém-eleito presidente dos EUA, Joe
Biden, poderá manter a rivalidade comercial e tecnológica com a China, mas a
posição do presidente brasileiro foi definida a partir de uma orientação pessoal
de Donald Trump.
Alertadas
sobre a disposição do presidente Bolsonaro de limitar a concorrência no caso da
tecnologia 5G, empresas brasileiras já se manifestaram. Posições contrárias à
restrição foram indicadas pela Conexis Brasil Digital (representante das
operadoras Vivo, Claro, Tim e Oi) e pela Federação Nacional de Instalação e
Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e Informática
(Feninfra). A Huawei já tem participação importante no sistema brasileiro de
telecomunicações. Sua substituição por outros fornecedores de equipamentos
poderá encarecer a implantação do sistema 5G, alertam as empresas. A melhor
solução, insistem, é permitir ampla concorrência para atendimento a todos os
tipos de demanda.
O
presidente Bolsonaro, seus filhos e o ministro de Relações Exteriores têm com
frequência ignorado os interesses diplomáticos e comerciais do Brasil. Criaram
situações de conflito com parceiros comerciais importantes, como a China, a
União Europeia e países muçulmanos.
Em
várias ocasiões foi preciso cuidar dos danos causados por ações desastradas e
incompetentes dessas figuras. O despreparo do presidente e de figuras do seu
entorno pode explicar muitos de seus erros sem, no entanto, justificá-los. O
ministro da Economia sabe dos planos de restrição à concorrência na implantação
da tecnologia 5G. Alertar o presidente para evitar mais esse erro será, no
mínimo, uma demonstração de autorrespeito.
A retomada só começou – Opinião | O Estado de S. Paulo
Baixo
investimento continua limitando o potencial de expansão econômica
Os estímulos funcionaram, o consumo reagiu, a indústria respondeu e o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 7,7% no terceiro trimestre, mas sem anular os danos econômicos causados pela pandemia e, antes da covid-19, pelas falhas do governo. Não basta confrontar o ganho entre julho e setembro com a perda de 9,6% nos três meses anteriores. Para um balanço realista é preciso olhar mais longe. O tombo começou bem antes da crise sanitária. No primeiro trimestre o País havia produzido 1,5% menos que no trimestre anterior, já atolado numa crise made in Brazil e com epicentro em Brasília. A devastação ocasionada pelo coronavírus ocorreu numa economia já enfraquecida e muito maltratada pelo novo governo.
O
consumo familiar e a produção industrial puxaram a reação a partir de maio e
continuaram a sustentá-la no terceiro trimestre. Mesmo com a reanimação, o PIB
de julho a setembro foi 3,9% menor que o de um ano antes. O resultado de nove
meses foi 5% inferior ao de janeiro a setembro de 2019. Em 12 meses acumulou-se
um recuo de 3,4%.
A
convalescença vai ser longa. Como os EUA, a maior parte da Europa e dezenas de
outros países, o Brasil deve terminar 2020 com desempenho inferior ao de 2019.
Previsões correntes mostram perda de uns 4,5% em relação ao PIB de um ano
antes. Projeções para 2021 apontam crescimento próximo de 3,5%. Se nenhum novo
desastre ocorrer, em 2022 o País voltará ao patamar de 2019.
Mas
o cenário de 2021 é enevoado. Não se sabe como ficará o consumo, no próximo
ano, sem o auxílio emergencial. As discussões em Brasília misturam questões de
grande importância imediata, como a sustentação dos gastos familiares, e
assuntos de interesse eleitoral do presidente Jair Bolsonaro, como a criação de
um Bolsa Família com sua marca pessoal. Para resolver a segunda questão será
preciso encontrar uma fonte permanente de financiamento, desafio muito mais
complicado em termos técnicos e legais.
Enquanto
o presidente se concentra em assuntos pessoais, cresce a lista de
interrogações. Em outubro, a produção industrial foi 1,1% maior que a do mês
anterior. O avanço mensal havia sido de 2,8% em setembro. A perda de impulso em
quatro meses consecutivos pode ser algo mais sério que uma “acomodação” – palavra
usada por alguns analistas – no ritmo de retomada.
Além
do avanço mais lento da indústria, convém levar em conta os efeitos combinados
da redução do auxílio emergencial, iniciada em setembro, e do desemprego ainda
muito alto (cerca de 13,5 milhões de pessoas em setembro). Mesmo com a animação
temporária dos negócios no fim do ano, a economia provavelmente entrará em 2021
ainda carente de boas doses de fortificante. As famílias, convém lembrar, estão
mais endividadas e o número das inadimplentes tem crescido.
O
Brasil encerra 2020 com uma agenda econômica mais complexa e desafiante que a
da maior parte dos grandes emergentes. O País experimentou neste ano os efeitos
combinados da pandemia e de problemas acumulados em muitos anos. A crise
industrial, iniciada antes da recessão de 2015-2016, é um dos mais evidentes.
Outro
problema crucial e muito conhecido é o baixo investimento produtivo em
máquinas, equipamentos e obras, medido como formação bruta de capital fixo. No
terceiro trimestre esse investimento equivaleu a 16,2% do PIB, taxa
praticamente igual à de um ano antes, 16,3%.
Quando
se consideram os terceiros trimestres desde o ano 2000, a taxa mais alta,
21,5%, ocorreu em 2010 e 2015. Taxas iguais ou superiores a 24% do PIB são
observadas em outros emergentes, obviamente mais dinâmicos que o Brasil. O País
precisa investir muito mais para ganhar produtividade e elevar seu potencial de
crescimento.
O
maior entrave está nas limitações financeiras e administrativas do setor
público. Um dos efeitos é a grave deficiência da infraestrutura. Privatizações
e concessões podem ajudar, mas o atual governo pouco avançou nessas tarefas,
apesar das promessas, agora repetidas e programadas para o fim de 2021 pelo
ministro da Economia.
Veto de Bolsonaro a Huawei no 5G carece de sustentação técnica – Opinião | O Globo
Biden
não reduzirá tensões com a China, mas ideologia não pode ser a base de decisões
estratégicas
Não
se espera que a troca de guarda na Casa Branca mude na essência o conflito
entre os Estados Unidos hegemônicos e a China emergente. Com Joe Biden no lugar
de Donald Trump, choques como os que ocorrem em torno da tecnologia da quinta
geração de telefonia celular (5G) terão outra coreografia e transcorrerão
prioritariamente pelos canais diplomáticos clássicos. Para o Brasil, nesse
campo, importa saber como o governo democrata conduzirá as pressões para que a
chinesa Huawei seja alijada da nova geração.
O
deputado Eduardo Bolsonaro, o Zero Três, repetiu a acusação do presidente
americano de que a Huawei é um braço da espionagem chinesa. Barreiras de
proteção contra arapongas devem mesmo preocupar qualquer país. O Brasil só tem
a lucrar se, nos investimentos no 5G, tiver os cuidados que não teve quando
adquiriu sistemas de criptografia de uma firma suíça que tinha a Central de
Inteligência Americana (CIA) entre os acionistas. Só que vários países europeus
desistiram de banir a tecnologia da Huawei por considerar que os riscos à
segurança estão mais no plano da fantasia que no da realidade.
Enquanto
se desenrolava a escaramuça entre o clã presidencial e o representante de
Pequim em Brasília, embaixador Yang Wanming, o setor de telecomunicações subiu
o tom contra a retirada da Huawei da disputa pelo 5G no Brasil. Os chineses têm
forte presença na telefonia brasileira, entre 35% e 45%, segundo a Agência
Nacional de Telecomunicações (Anatel). A adoção de seus equipamentos reduziria
tempo e custos para as teles nesta nova fase.
Seus
representantes ameaçam ir à Justiça caso as empresas sejam impedidas de ter a
Huawei entre seus fornecedores no 5G. Vetar os chineses, explicam, forçaria
alterações na infraestrutura do 4G, a um custo que dizem ser exorbitante.
A
entrada das pessoas jurídicas na briga lança a campanha do Planalto para outro
patamar. Bolsonaro não pode esquecer que há muito dinheiro nesse negócio. As
empresas, em defesa dos clientes e dos acionistas, não querem perder um
fornecedor antigo e testado, que oferece condições mais favoráveis.
Vetos
e aprovações precisam ter base técnica — e os técnicos da Anatel, num sinal de
independência, não excluíram a Huawei das recomendações que vieram a público
para o edital do leilão do 5G, previsto para 2021.
Ao
se alinhar ao radicalismo de Trump contra a China, Bolsonaro obedece mais aos
instintos ideológicos e menos ao cérebro. Está claro que não se trata de
questão ideológica. Os mais indefesos são os milhões de usuários que poderão
ser obrigados a pagar a fatura.
Retomada para valer, só comV de vacina – Opinião | O Globo
Alta
do PIB mostra que país saiu do terreno da recessão, mas pandemia e desafio
fiscal tornam futuro difícil
O
crescimento de 7,7% do PIB no terceiro trimestre, em relação ao segundo, é sem
dúvida excelente notícia. O IBGE também reviu para cima o tombo da economia no
trimestre anterior (em vez de encolher 11,4%, ela encolheu “apenas” 10,9% em
relação ao mesmo período de 2019). Os resultados mostram que o país deixou o
terreno da recessão e ensaia a recuperação no formato de V em que apostavam
analistas de mercado.
É
verdade que, em termos relativos, a alta ficou aquém da expectativa. Na
comparação com o terceiro trimestre do ano passado (que elimina variações
sazonais), a economia contraiu 3,9%, quando mais da metade dos analistas
esperava uma contração de até 3,4%. Mas vários setores surpreenderam, em
particular o de serviços, o mais afetado pela pandemia, que até agora não
esboçara reação.
Apesar
dos sinais positivos, é importante entender o contexto para não criar
expectativas irreais. A economia ainda deverá encolher em torno de 4,5% este
ano. Dificilmente haverá recuperação robusta no ano que vem.
Os
motivos para isso são dois. O primeiro — e mais crítico — é a reticência do
investidor em apostar num país onde a agenda de reformas não anda. O governo
não demonstra o menor sinal de compreender a urgência de encontrar um caminho
viável para sair do abismo fiscal. Até agora, o Orçamento de 2021 é uma
incógnita. Não se sabe se haverá extensão do auxílio emergencial ou criação de
outro programa de renda mínima. Para completar, o Ministério da Economia não
quer, como manda a lei, apresentar uma meta para o resultado fiscal de 2021
(sugere agora adotar uma “meta variável”, seja lá o que isso signifique).
Enquanto
não se vislumbrar a saída do buraco fiscal, nem houver um cenário concreto de
redução no endividamento público, capaz de controlar as pressões inflacionárias
que já se fazem sentir, será impossível falar a sério em retomada da economia.
O
segundo motivo para encarar os resultados do PIB com cautela é que a pandemia
não acabou. O vírus, principal responsável pela paralisia nas atividades mundo
afora, continua à solta. A população brasileira relaxou nas medidas de
contenção do contágio, e os casos de Covid-19 voltaram a subir. O governo
continua sem rumo na saúde, comandada por um general sem preparo para lidar com
os desafios do setor, subordinado a um presidente que desdenha a ameaça e faz
pouco da morte. O risco de colapso do sistema hospitalar continua presente em
várias regiões do país.
Haverá
novas medidas de restrição ou quarentenas? Qual a perspectiva para os setores
que dependem da interação humana, como turismo ou entretenimento? Como reagirá
o comércio ao provável fim do auxílio emergencial, que serviu para manter os
níveis de consumo? Ninguém sabe responder. Por isso mesmo, não há como haver
uma retomada consistente enquanto os riscos da pandemia continuarem a pairar.
Retomada para valer, só com V de vacina. Até lá, todo número pode não passar de
ilusão.
Retomada
parcial – Opinião | Folha de S. Paulo
PIB
confirma início de retomada, mas auxílio, emprego e reformas são incertezas
Ainda
que um pouco inferior ao que se projetava, o crescimento
de 7,7% da economia no terceiro trimestre, ante o período
imediatamente anterior, confirma a superação do pior momento da crise e a
importância das medidas emergenciais que ajudaram a reduzir os impactos da
pandemia de Covid-19.
Em
consonância com o que ocorre em outros países onde houve suporte fiscal e
monetário à atividade, observou-se compensação da maior parte da queda
ocasionada pelas medidas restritivas —que no caso brasileiro chegou a
assustadores 9,6% no segundo trimestre.
Consolidam-se,
assim, estimativas de retração do Produto Interno Bruto em torno de 4,5% neste
ano, resultado menos ruim do que o temido há alguns meses.
Também
em sintonia com o padrão mundial, a retomada foi liderada por setores menos
atingidos pelas exigências de distanciamento social, como a indústria e a
construção. A produção manufatureira cresceu 14,8% no trimestre e recuperou o
nível pré-crise.
Pelo
lado da demanda, a melhora se mostrou menos intensa. O consumo privado cresceu
7,6%, insuficientes para compensar o recuo de 11,3% no segundo trimestre, mas
com perspectiva de continuidade.
O
papel do auxílio emergencial na preservação de renda aparece com clareza. A
poupança interna atingiu 17,3% no período, a maior cifra desde 2013. Desse
modo, há possibilidade de que a saída do auxílio emergencial, embora dolorosa,
não interrompa o crescimento.
Tudo
dependerá, porém, da expansão das horas trabalhadas e do emprego, que ainda dá
sinais ambíguos. Nota-se forte criação de vagas formais na medição do Caged,
mas a pesquisa domiciliar do IBGE ainda aponta desemprego de 21% e o pior
quadro de desalento da série histórica.
Há
indicações positivas para 2021, que podem levar a economia a crescer mais que
os 3,5% previstos hoje.
Globalmente
espera-se uma forte recuperação, impulsionada pela perspectiva de vacinação em
massa ao longo do primeiro semestre, algo que poderá ajudar setores ainda
deprimidos, sobretudo serviços intensivos em contato social.
Além
disso, as condições monetárias e financeiras devem permanecer favoráveis. Os
juros mundiais ficarão próximos de zero. No caso brasileiro, podem perder força
pressões de preços em alimentos e itens industriais que tiveram sua oferta
comprometida, ajudando o Banco Central a manter a taxa básica de juros em nível
baixo.
A
consolidação da retomada também dependerá da disposição do governo em retomar
seriamente a essencial agenda de reformas, com foco na redução das incertezas
orçamentárias. Os sinais nesse sentido, porém, não são animadores.
Primeira parada – Opinião | Folha de S. Paulo
Tensão
com Irã emerge como uma prioridade de política externa para Joe Biden
Parece
que foi em outra década, por motivo da distorção temporal da pandemia, mas há
11 meses o mundo quase assistiu a uma guerra entre Estados Unidos e Irã.
O
estopim, o assassinato do principal general do país persa pelos americanos,
após dois anos de crescente tensão acerca do programa nuclear de Teerã. Os
iranianos atacaram uma base dos EUA no Iraque, algo inédito, mas ambos os lados
se deram por satisfeitos.
Desafiando
a metade do clichê marxista sobre o caráter farsesco das repetições históricas,
um novo assassinato e renovadas bravatas atômicas colocam os velhos adversários
de novo frente a frente.
Desta
vez, a morte foi de um cientista nuclear que trabalhou no programa da bomba dos
aiatolás. Os suspeitos são os israelenses.
Tel
Aviv, ela mesma dona de um arsenal nuclear não declarado, tem com o que se
preocupar: para a teocracia iraniana, a extinção do Estado judeu constitui
objetivo retórico. A ideia de Teerã com armas de destruição em massa não é
naturalmente aceita por Israel.
O
governo de Binyamin Netanyahu balança e precisa de golpes de imagem —e ganhou
de Donald Trump o maior apoio já recebido de um presidente americano.
Em
2018, Trump havia deixado o acordo nuclear costurado por Barack Obama três anos
antes, que limitava a produção de urânio enriquecido iraniano e ampliava a
inspeção de suas instalações nucleares em troca do fim de sanções.
O
texto tinha falhas e podia ser lido como uma forma de os aiatolás ganharem
tempo. Entretanto era um instrumento multinacional legítimo —o único à mão.
Nesta
semana, o Irã aprovou lei que jogará fora o que resta de compromisso com o
acordo, que inclui outros países, se Joe Biden não retornar ao texto quando
assumir.
O
democrata, questionado se o faria, disse que seria difícil, mas que sim. Ele
está numa posição delicada. Como vice de Obama, tem compromisso com a saída
negociada.
Todavia
o desenho atual do Oriente Médio inclui Israel numa posição de força, com uma
aliança anti-Irã patrocinada por Trump em plena costura com países árabes.
Com
Teerã elevando a temperatura, o nó atado na Revolução Islâmica de 1979 emerge
como uma das prioridades, se não a mais urgente, da política externa do novo
presidente americano.
Flertando
com a outra metade do clichê, o risco é o de a história se repetir como
tragédia.
País volta ao crescimento, mas com ritmo incerto – Opinião | Valor Econômico
Parte
da poupança pode desaguar no consumo
O desempenho da economia brasileira no terceiro trimestre foi menos vigoroso do que o previsto (7,7% em relação ao trimestre anterior, ante 8,8% da mediana de expectativa dos analistas). Mesmo assim, se as atividades não voltarem ao negativo nesse último trimestre, um pequeno crescimento será suficiente para garantir pelo menos a continuidade do avanço medíocre do PIB nos últimos anos, algo em torno de 1,3%. As previsões pessimistas de quedas maiores em 2020, como as do FMI (-5,8%) e da OCDE (-6%) não se concretizarão.
O
futuro, porém, não está garantido. Há pouca coisa que possa impulsionar uma
expansão econômica potente após a pandemia do que havia antes dela. O que a
série do PIB mostra é que a economia já caminhava devagar, quase parando, dois
trimestres antes da covid-19 espalhar pânico e destruição. Na comparação
trimestre contra trimestre anterior com ajuste sazonal, o PIB do terceiro
trimestre de 2019 caiu 0,2%, retomou 0,2% no seguinte para afundar 1,5% nos
primeiros três meses deste ano e mais 9,6% no trimestre seguinte.
As
revisões do IBGE na série de 2019 e na dos dois primeiros trimestres de 2020
ajudaram a frustrar as expectativas de crescimento maior. Pelo lado da produção,
a indústria puxou a reação, com 14,8% ante o trimestre anterior, acima dos
14,2% previstos porque a revisão estatística agravou o tombo do setor, de
-12,7% para -14,1% no segundo trimestre.
Não
será possível uma expansão alentada sem a recuperação dos serviços (73,5% de
peso no PIB), com sub-setores quase dizimados pelo distanciamento social
necessário ao combate da pandemia. Seu avanço no terceiro trimestre foi de
6,3%, abaixo dos 7% esperados, mas a base de comparação revisada tornou-se mais
alta (de -11,2% para -10,2%). O relaxamento observado nos últimos meses ativou
o setor e os maiores sub-setores, como o de outras atividades (peso 18%, avanço
de 7,8%), transporte, armazenamento (12,5%) e comércio (15,9%), cresceram bem.
Como
parte substancial dos serviços são movidos pelo comportamento da renda, não é
possível prever com algum grau de certeza sua evolução. O desemprego está
aumentando, com boa parte dos que estavam fora da força de trabalho voltando, e
o auxílio emergencial, que acaba em dezembro, foi reduzido à metade do valor. A
taxa de desemprego no trimestre findo em agosto foi de 14,4%, com 13,8 milhões
de pessoas que buscaram ocupação e não encontraram.
O
recrudescimento da pandemia pode fazer com que eles continuem desempregados. A
vacina estará disponível alguns meses depois do que nos países desenvolvidos,
que começam a imunização este mês, e não haverá doses suficientes para todos em
2021. Ainda que não se repitam os lockdowns do início da pandemia, as
restrições atuais limitam os negócios e o trabalho no setor de serviços.
Papel
tão relevante no PIB pelo lado da demanda quanto é o de serviços pelo da
produção, o consumo das famílias aumentou 7,6% no trimestre, bem abaixo dos
9,8% esperados. Como a maior parte dos que perderam renda são informais, o fim
do auxílio é um freio ao consumo, ainda mais diante de um mercado de trabalho
hostil. A inflação, mesmo temporária, consome nacos maiores da renda dos que
ganham menos. Juros baixos e aumento da oferta de crédito podem dar algum
alento, mas o fator decisivo é a garantia de emprego ou a possibilidade de
encontrá-lo.
O
governo, que vê um horizonte azul onde há sinais de tempestade, aposta na
desova da poupança “precaucional”, o dinheiro economizado para enfrentar
dificuldades futuras, ampliado pelo auxílio emergencial. A poupança nacional
bruta, de R$ 327,9 bilhões, deu um salto de R$ 70,4 bilhões do segundo para o
terceiro trimestre. A taxa de poupança chegou a 17,3%, acima dos 16,2% da taxa
de investimentos. O FMI, por outras contas, mostra que a poupança privada no
início do terceiro trimestre atingiu 29,6% do PIB, enquanto que a pública caiu
15,2%.
Parte dessa poupança pode desaguar no consumo, mas sem progressos consistentes de renda e emprego seu efeito é limitado. Contam muito também as expectativas, que não são otimistas diante de um governo caótico, no qual o presidente não se empenha em levar à frente reformas imprescindíveis e cuja indecisão amplia desconfianças sobre a solvência do Estado. Não há nada, por ora, que indique o arranque para um crescimento sustentado, diferente daquela exasperante lentidão com que se move desde o fim da recessão.
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