O
PT reluta em aceitar que não é mais o dono da bola na esquerda
Das
cinco fases do luto, a primeira é a negação, a segunda é a raiva e, reza a
psicologia, antes da aceitação há que passar pelos estágios da negociação e da
depressão.
A
julgar pela reação de petistas ao desempenho ruim do partido nas eleições
municipais, ainda prevalece entre eles a negação. Embora existam manifestações
de raiva, tentativas de negociar com a situação adversa e os deprimidos (se
houver) não mostrem a sua face, no conjunto o PT dá sinais de quanto é difícil
aceitar que o partido perdeu relevância e já não é o dono da bola no campo de
esquerda.
Ninguém, partido, político ou indivíduo, gosta de admitir derrotas, não obstante seja esse o ponto de partida para o início de qualquer recuperação. No terreno das autocríticas francas é que são semeadas as soluções. O PT vem se recusando a enfrentar seus fantasmas desde que se sentou no banco dos réus dos escândalos de corrupção, perdeu o comando do poder central e entrou em estado de desprestígio junto à sociedade.
De
lá para cá recebeu inúmeros recados da população, sendo o mais recente — não
necessariamente o último, se persistir no vacilo — das urnas municipais deste
ano: ficou sem prefeitos nas capitais e reduzido a estar à frente de cidades
correspondentes a 3% do eleitorado nacional. Essa proporção já foi de 19%, mais
do que os cerca de 16% obtidos agora pelo PSDB, primeiro colocado nesse quesito
entre os partidos.
“Nada,
a não ser o autoengano, impede o partido de voltar a ter a importância que já
teve na política”
E
como reagiu o PT? Seu líder maior, Luiz Inácio da Silva, não deu uma palavra ao
público. Relativamente recolhido esteve durante a campanha, completamente
recolhido ficou ao menos até quatro dias após a divulgação dos resultados,
quando escrevo. Lula não avalizou as manifestações dos defensores da
autocrítica (os mesmos, habitualmente ignorados), tampouco disse qual a
avaliação dele ou indicou o rumo a tomar.
Não
houve tempo ainda para uma análise mais precisa? O argumento valeria caso a
trajetória descendente não tivesse sido sinalizada há uns quinze anos e se
aprofundado há pelo menos quatro, a partir do impeachment de Dilma Rousseff. A
ida ao segundo turno em 2018 deve-se a uma situação anômala, a um pico de
polarização que parece ter cansado o eleitor. A corda não cedeu, mas
afrouxou-se. Voltará a ficar esticada quando o próximo processo eleitoral pegar
velocidade, mas o PT não será mais o centro de gravidade.
Não
ajudam a insistência no culto à personalidade de Lula, o discurso persecutório
como forma de fugir às próprias responsabilidades e o aguardo de que o circo
pegue fogo na esperança de, assim, voltar a brilhar num ambiente de conflito
permanente sem precisar prestar contas internas e externas das mazelas que
produziu para si.
Nada,
a não ser a reverência ao autoengano, impede que o PT volte a ter o
protagonismo de antes. Afinal, é como se diz: na política o fundo do poço tem
mola. Mas ela só funciona mediante a rendição seguida de impulso e esforço.
Publicado em VEJA de 9 de dezembro de 2020, edição nº 2716
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