Folha de S. Paulo
Presidente promete cortar valor pela metade
usando dados falsos e medidas impossíveis
Jair Bolsonaro disse que o preço
do botijão de gás vai cair pela metade, “pode ter certeza, se Deus quiser”.
Se Deus quiser baixar o dólar para R$ 2,70,
pode ser. Mas Deus também teria de garantir que o preço do gás no Golfo do
México parasse de aumentar.
Se o “Mito” subsidiar o gás de cozinha,
também dá, mas só para os muito pobres. Com uns R$ 8 bilhões por ano dá para
cortar pela metade o preço do botijão de 13 kg para uns 15 milhões de famílias
que recebem Bolsa Família, se essas casas consumirem um botijão por mês. O
governo de Bolsonaro poderia tentar arrumar esse dinheiro, que por ora não tem,
mas não sabe trabalhar e nem está muito interessado.
Essa conversa é maluca, pois é um diálogo com Bolsonaro, um mentiroso dos mais perversos e ignorantes. Mais uma vez, isso que por convenção se chama de presidente da República atribuiu o preço alto do gás ao imposto estadual, ao ICMS. Mentira.
O peso do ICMS no preço final médio do GLP
flutua em torno de 13,7% desde 2016, quando a Petrobras começou a mudar sua
política de preços em geral. Desde que mudou a política de reajuste do preço do
gás de cozinha, o peso do ICMS anda em torno de 14,1%. Foi em agosto de 2019
que a petroleira passou a adotar o preço internacional, grosso modo, também
para o GLP. Na política do final do governo de Michel Temer, calculava-se o
preço por meio de médias de 12 meses, com reajustes trimestrais.
Durante o governo Bolsonaro, a parte da
Petrobras no preço final do gás passou de 36,4% para 50,9%. Em parte menor, a
fatia da petroleira ou possíveis importadores aumentou porque a margem bruta
das empresas distribuidoras curiosamente caiu, em termos absolutos e relativos;
em parte ínfima, porque foram zerados impostos federais. “Margem bruta” é o que
fica com as distribuidoras, não é “lucro” (pois as firmas têm custos). As
distribuidoras vendem o gás para as empresas que fazem o botijão chegar ao
consumidor final (a “revenda”).
Logo, se Bolsonaro desse cabo do imposto
estadual, o preço até cairia, de uns R$ 93, na média nacional, para uns R$ 80
(também na média). Mas ele não pode talhar o ICMS, nem o Congresso pode; os
estados não vão abrir mão do dinheiro, sem mais. Para o preço “cair pela
metade”, teria de exigir também que as empresas de distribuição e revenda
trabalhassem de graça. Em suma, essa conversa toda é mais uma patranha imbecil
de Bolsonaro.
Depois de quase três anos de mandato,
“técnicos” de seu governo tentam reinventar um fundo
de compensação das variações excessivas de preço, talvez por meio de um
imposto ou algo que o valha. Funciona assim: se o preço do combustível sobe, o
governo diminui esse imposto regulatório; se cai, o governo aumenta o imposto,
recolocando o dinheiro no caixa (o mecanismo vale para qualquer tipo de fundo).
É fácil perceber que esse arranjo evita
variações de preços apenas dentro de certos limites. Não muda seu patamar. A
fim de mudar o preço, é preciso tirar dinheiro de uns e dar a outros: algum
subsídio, via dinheiro da receita de impostos, ou tirando dinheiro da
Petrobras, o que dá besteira.
Além do mais, como o mecanismo de compensação não existe, o governo teria de arrumar uns bilhões apenas para baixar um pouquinho preço do GLP. De onde vai sair o dinheiro? Seria uma solução ruim, de resto, porque baratearia também o consumo dos mais ricos. Melhor dar subsídio dirigido a pobres. Melhor que subsídio, porém, é aumentar a transferência de renda, o que Bolsonaro também não consegue fazer —não ligou para o assunto, aliás, até sua popularidade cair.
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