O Estado de S. Paulo
Todos os sinais são de formação de uma
crise global no mercado de energia, mas no Brasil as autoridades insistem no
jogo diário de empurrar a culpa uns para os outros.
O problema é grave e exige, mais do que
nunca, uma resposta organizada porque o horizonte atual é de continuidade dos
preços altos de combustíveis e gás depois da pandemia da covid-19, com
repercussões macroeconômicas gigantescas.
Um gabinete de crise com governo federal,
Estados e – por que não? – caminhoneiros.
O que é mais recomendável é uma abordagem
ampla, com a visão de que se trata de uma crise que não é só brasileira, mas
global.
O que chama atenção no debate político de Brasília é que as pessoas não estão se dando conta do ambiente hostil no mundo. O tema não foi trazido com a relevância e a seriedade necessárias. O foco na disputa com governadores em cima das alíquotas elevadas do ICMS não reflete a gravidade do problema, que elevou as preocupações do mercado com os gargalos de oferta que comprometem a recuperação econômica global.
No mundo, os preços dos combustíveis e do
gás natural estão em forte alta no rastro do processo de normalização da
pandemia da covid-19. Na fase pré-pandêmica, havia abundância de combustíveis,
e muitos falavam que se estava se chegando ao pico de consumo de petróleo.
A pandemia deu uma chacoalhada no mercado
de energia com uma redução abrupta da oferta, que se seguiu a uma volta rápida
da demanda.
Na Inglaterra, falta combustível nas
bombas. O primeiro-ministro Boris Johnson chegou a colocar centenas de soldados
do Exército de sobreaviso para agir, caso a escassez de gasolina nos postos do
país causada pelas chamadas “compras nervosas” de combustível agravem a crise
de abastecimento que atinge o Reino Unido.
No Brasil, os caminhoneiros ameaçam com
greve depois da alta do diesel de quase 9% anunciada pela Petrobras esta
semana. Na bolha brasiliense, a solução do problema se resume a pressionar os
governadores e a Petrobras, num simplismo primário que não resolverá o
problema.
Não há solução mágica com canetada quando
se fala em mudar o complexo ICMS, tributo cobrado pelos Estados.
E mesmo essa mudança não será suficiente. A
própria Câmara se absteve de levar adiante uma reforma tributária para mudar o
caos do sistema de cobrança do ICMS. Um erro político que agora cobra o seu
preço.
O presidente da Câmara, Arthur Lira,
reclamou da Petrobras e dos governadores e promete partir para o confronto.
Seguindo o mesmo caminho de Bolsonaro, disse que ninguém aguenta mais alta do
combustível: “Sabe o que é que faz o combustível ficar caro? São os impostos
estaduais”.
Mas, no dia seguinte ao confronto, o tom
foi outro: de conciliação. Em reunião com líderes partidários, viu que não será
fácil impor mudanças ao ICMS na véspera de eleição.
Lira promete que a Câmara vai dar a
solução, mas as alternativas são as mesmas que se ouviam há anos, na greve dos
caminhoneiros do governo Temer, quando o governo criou um subsídio orçamentário
para segurar a alta dos preços. Agora, quer aprovar um projeto para definir que
o ICMS do óleo diesel, do etanol e da gasolina seja apurado a partir de valores
fixos. Voltou-se também à proposta de criação de um fundo de estabilização de
preços que nunca saiu do papel.
Pressionados pelo presidente Bolsonaro,
governadores também erram ao não querer discutir o problema a fundo. O caixa
dos Estados está cheio, e ninguém quer abrir mão de receita. A maioria deles
defende mesmo é mudança na política de preços da Petrobras. Jogam pressão na
estatal cobrando redução na margem de lucro da empresa.
Os dois lados do jogo promovem falácias. Se
Bolsonaro aponta os Estados como vilões da alta dos combustíveis, os
governadores que vão para as redes sociais dizer que não aumentaram a alíquota
do ICMS também não mostram toda a verdade do problema. A alíquota não aumenta,
mas o ICMS cobrado sobe porque a fórmula de cálculo do imposto tem como base o
preço médio cobrado na bomba. Um bate-boca que só piora a situação porque está
todo mundo no mesmo barco.
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