Valor Econômico
Todos querem mudança tributária há trinta
anos
Os presidentes da Câmara dos Deputados,
Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), não sepultaram a
possibilidade de aprovação da reforma tributária nesta legislatura, mas inovaram
ao indicar que o tema, por bem ou por mal, será apreciado até dezembro. Como
ocorreu nos últimos 30 anos, a reforma institucional mais demandada pelos
agentes econômicos _ inclusive, os contribuintes pessoas físicas _ pode não
sair do papel. E a razão é uma só: é impossível conciliar todos os interesses
envolvidos nesse tema.
Razões para justificar mudanças no regime tributário brasileiro não faltam. O sistema taxa mais o consumo do que a renda, na contramão das economias avançadas. No 8º país que mais concentra renda no planeta, onde existem mais de 50 milhões de pessoas miseráveis (dependentes de programas de transferência de renda para sobreviver) e a maioria da população é pobre, essa regra ajuda a perpetuar uma de nossas maiores chagas.
Trata-se de uma “brasileirice” sem tamanho,
típica de uma sociedade dilacerada pela cultura escravagista por mais de 500
anos: neste imenso pedaço de terra abençoado, mas esquecido por Deus, os pobres
pagam mais imposto que os ricos. E isso ocorre porque, por razões óbvias, essa
parcela da população consome mais, isto é, despende fatia maior de sua renda
com bens de consumo e, quando a maré permite, serviços.
Incidem sobre o consumo três tributos _ o
ICMS (estadual) e dois federais (PIS e Cofins) _, todos sobre a mesma base de
cálculo, o faturamento das empresas que vendem os produtos. As alíquotas do
ICMS são as mais elevadas. No caso de serviços como telefonia e energia,
superam o patamar de 40%! Não nos esqueçamos do IPI, imposto que incide sobre a
produção de bens industriais.
As “brasileirices” (sinônimo de jabuticaba)
que condenam este país a não ser nação não param por aí. Neste território
riquíssimo em recursos naturais onde vive um dos maiores contingentes de
cidadãos pobres do mundo, indivíduos de classe média e os ricos podem deduzir,
da base de cálculo do Imposto de Renda, tudo _ isso mesmo, tudo _ o que gastam
em hospitais particulares e planos de saúde, inclusive, no exterior.
O raciocínio por trás dessa maldade é o
seguinte: como a Constituição de 1988 assegura, a todos os viventes nesta
extensão de terra no hemisfério sul da Terra, acesso universal a serviços
públicos de saúde, é razoável que os transeuntes tenham o direito de requerer
dedução das despesas que tiverem com serviços particulares de saúde. O cinismo
_ uma “brasileirice” da qual ninguém fala, do mesmo quilate das férias de dois
meses de juízes e procuradores _ chega ao paroxismo quando os defensores da
vilania alegam que “a dedução é um direito, uma vez que o sistema de saúde
estatal ainda não consegue atender a toda a demanda.
Se alguém tem alguma dúvida de por que o
país a que chamamos de Brasil não dá certo, não precisa ir muito longe. Como os
pobres não têm dinheiro para serem atendidos em hospitais particulares, eles
não têm direito a deduzir nada da base de cálculo do Imposto de Renda. Os
cínicos, neste momento da tertúlia, rompem qualquer fronteira do bom senso
civilizacional: “Ora, pobres não pagam Imposto de Renda, logo, eles não
precisam deduzir os gastos com saúde”.
Era só o que faltava: o sonho dos pobres no
Brasil, agora, é pagar Imposto de Renda! Na verdade, eles já pagam, pois, já é
obrigado a isso quem percebe pouco mais de R$ 2 mil por mês. Em termos menos
edulcorados, o que esse sistema injusto e concentrador de renda faz é tirar
bilhões de reais que deveriam financiar a saúde pública, que segundo a Carta
Magna é para todos, inclusive, estrangeiros que estejam de passagem pelo país,
e transferi-los para hospitais particulares e grandes empresas de planos de
saúde.
Mesmo tendo consciência de que o Sistema
Único de Saúde (SUS) pode ter uma gestão melhor, deveríamos considerar nas
duras críticas que fazemos ao serviço público o fato de que o próprio Estado
abre mão de bilhões de reais para beneficiar meia dúzia de grupos de interesse
específico.
Depois da Segunda Guerra Mundial, os
americanos perceberam-se mais importantes do que achavam antes do conflito.
Essa constatação mudou tudo. Logo, viram que, para sua economia crescer na
velocidade desejada, eles precisavam de uma matéria-prima _ petróleo (energia)
_ que eles possuíam, mas não na quantidade necessária.
Ora, o jeito foi sair pelo mundo em busca
de fornecedores “confiáveis”_ um dos principais, a Venezuela, que, até o início
deste século, fornecia 20% do petróleo consumido pelos Estados Unidos. A fome
americana por óleo era tanta que moldou a geopolítica mundial a partir dali.
Internamente, a decisão foi desonerar o preço do combustível consumido por
empresas e famílias americanas, afinal, o país precisava crescer. Taxar
excessivamente a gasolina para financiar o Estado, como fizeram outros grandes
produtores de petróleo (México, Venezuela, Nigéria, Arábia Saudita), seria
contraproducente: aumentaria a presença do governo na atividade econômica,
tornando-o ineficiente por definição; estimularia a corrupção; desestimularia o
desenvolvimento de outros setores; por fim, diminuiria a produtividade, uma vez
que não haveria, de forma geral, incentivos para o desenvolvimento de uma economia
dinâmica.
Quando achou que tinha chegado a sua hora
de reluzir na economia mundial, depois de se deitar em berço esplêndido por
quatro séculos e meio, a Ilha de Vera Cruz também não tinha petróleo
suficiente. Mas, o que se viu desde então foi a taxação sempre elevada dos
combustíveis. Como facilitar o crescimento da atividade?
Em entrevista à Maria Fernanda Delmas,
diretora de redação do Valor, Lira e Pacheco expuseram o drama
infindável da reforma que não se realiza. “É óbvio que a reforma tributária
guarda uma série de divergências. É sem dúvida a proposta com maior dificuldade
de conciliação, de entendimento do que é bom para o país”, disse Pacheco.
Cristiano
Romero
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