O Globo
Tudo começou a acontecer ao mesmo tempo na
economia internacional. A China está em desaceleração — desta vez é sério — por
causa do gargalo energético e o colapso de uma grande empresa imobiliária. O
governo dos Estados Unidos, de novo, bateu no teto da dívida. Haverá muita
turbulência política até aprovar um novo teto e há ainda uma instabilidade
institucional inédita no Fed. Há uma crise de oferta dentro da indústria, setor
que está puxando a recuperação. Essa é a explicação do economista-chefe do Itaú
Unibanco, Mário Mesquita, para a turbulência desta semana. No Brasil ele diz
que há muitas dúvidas entre os economistas sobre a condução da política fiscal
pelo governo Bolsonaro e isso se reflete no dólar, na bolsa e no mercado de
juros.
Mário Mesquita foi diretor de política econômica do Banco Central e trabalhou no FMI. Recentemente ele fez um forte movimento de revisão do cenário para o ano que vem, derrubando de 1,4% para 0,5% a projeção para o PIB. E acha que se houver racionamento de energia pode ir a zero. Esse cenário é de um ano difícil, com aumento do desemprego. A alta da Selic este ano terá impacto na economia no ano que vem. Ele acredita que em comparação com 2020 e 2021 o governo gastará menos, mesmo sendo período eleitoral. Ou seja, haverá aperto fiscal e monetário.
— Se você somar o aumento do Bolsa Família
com uma modesta extensão do Auxílio Emergencial, vai dar menos do que o gasto
este ano. O efeito da política monetária (alta dos juros) também vai bater com
força, e o mundo vai crescer menos. Outro fator é que o setor de serviços já
terá normalizado, e não acredito em demanda reprimida. Quem deixou de sair para
jantar na pandemia não vai passar a comer fora várias vezes por semana — disse
ele, explicando seu cenário, que é um dos mais pessimistas do mercado.
O Brasil está indo para um ano de
estagnação enfrentando a mudança para pior da conjuntura internacional. A
inflação em alta no mundo está mais duradoura do que se imaginava e há pressões
nos preços da energia. O petróleo rompeu a barreira dos US$ 80 e atingiu a
maior cotação dos últimos três anos. O gás natural está subindo de preços. Por
que tudo ao mesmo tempo?
— Há o custo da transição energética. Na
China, o governo quer reduzir a geração de energia a partir do carvão, para
combater a poluição por causa da Olimpíada de Inverno. Então há uma restrição
de oferta na China, e as indústrias estão tendo que se enquadrar às metas. A
Evergrande será reestruturada, só não se sabe se será organizado. O país vai
crescer entre 7% e 8%, sendo que o carrego estatístico é 6,5%. Isso nos causa
um problema adicional. Menos crescimento na China já provocou forte queda dos
preços de minério de ferro, o que afeta diretamente o Brasil.
Esses são os problemas na segunda maior
economia do mundo, e na primeira, os EUA, também há riscos.
—Os EUA têm uma situação política muito
polarizada e disfuncional. Novamente há um impasse envolvendo o teto de gastos
que pode levar à paralisia do orçamento. E há também uma incerteza envolvendo
os membros do Fed, com possíveis mudanças que podem atingir até a presidência
do banco. Jerome Powell e outros membros do comitê de política monetária
fizeram investimentos em títulos durante a pandemia e estão sendo duramente
criticados — afirmou.
Mesquita diz que a recuperação mundial foi
impulsionada pela indústria. O consumo se deslocou dos serviços para bens
industriais, mais intensivos em energia. Isso em um momento em que o mundo
reduz as fontes fósseis.
Na Europa, há pressão de preços de energia,
desabastecimento no Reino Unido, e a inflação, que está subindo. Mas em um
nível bem diferente do que estamos enfrentando no Brasil:
— Eles têm trabalhado em geral abaixo de
2%, portanto, uma inflação de 3% a 4% já seria algo desconfortável para os
alemães, por exemplo. Então tem preocupação com a inflação e retirada dos
estímulos monetários ao mesmo tempo.
Essa combinação de incertezas em várias
partes do mundo ocorre num momento em que o Brasil enfrenta suas próprias
crises. Para Mesquita, o grande problema brasileiro é que o país cresce pouco
há 40 anos e não há consenso sobre as políticas necessárias para voltar a um
ciclo de crescimento.
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