Folha de S. Paulo
Os meandros da crise na Capes podem ser
obscuros, mas as suas causas são claras
Completados mil
dias no Planalto, Jair Bolsonaro não conseguiu fazer o que mais queria:
destruir a democracia. No mínimo, seu fracasso dá a esperança de que tenha
perdido de vez o bonde que imaginava conduzir pela contramão da história.
Isso não apequena o desastre que seu desgoverno vem provocando com a mistura tóxica de ignorância, incompetência e má-fé. Os exemplos são muitos, nem todos visíveis a olho nu. É o caso do progressivo desmanche da Capes, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Subordinada ao Ministério da Educação, é peça central daquilo que o estudioso americano Jonathan Rauch chama “Constituição do conhecimento” —por fixar as instituições e normas da ciência.
Trata-se de um complexo sistema de criação
de procedimentos compartilhados; avaliação e reconhecimento de credenciais
acadêmicas; definição de agendas e distribuição de recursos; treinamento de
novas gerações de profissionais da ciência.
Fundada há 70 anos, a Capes moldou a
pós-graduação brasileira, estabelecendo suas regras, procedimentos de avaliação
definidos pela comunidade acadêmica, incentivos na forma de bolsas de estudos e
apoio a programas de formação pós-graduada. Hoje é responsável pela elaboração
do Plano Nacional de Pós-Graduação e pela avaliação periódica e suporte
permanente a 4.600 programas que oferecem 7.000 cursos de mestrado e doutorado
em todas as áreas do conhecimento. Em parte graças à Capes, o Brasil dispõe de
um respeitável sistema de produção de conhecimentos.
Nada disso, naturalmente, tem algum valor
para um governo que despreza a ciência e promove o charlatanismo —vide o vexame
da cloroquina. O orçamento da Capes, em queda livre desde 2016, encolheu cerca
de 30% a partir de 2019.
A epidemia de mudanças no Ministério da
Educação privou a agência de estabilidade e coerência na condução da reforma
dos critérios da avaliação dos cursos, ora contestada na Justiça pelo
Ministério Público Federal. Seu Conselho Superior, dissolvido no fim do ano
passado, ainda não foi refeito. O mesmo ocorreu recentemente com o conselho que
preside a avaliação (o CTC).
Mergulhada na sua pior crise, a Capes é
hoje chefiada pela doutora Cláudia
Toledo, formada em direito por um certo Instituto Toledo de Ensino, do qual
foi reitora quando este virou Centro Universitário de Bauru. Também têm diploma
Toledo de direito o ministro da Educação, Milton
Ribeiro, e seu colega da Justiça, André Mendonça, que Bolsonaro quer
emplacar no STF. Em suma, os meandros da crise na Capes podem ser obscuros, mas
as suas causas são claras –e o resultado, desastroso para o país.
Nenhum comentário:
Postar um comentário