O Estado de S. Paulo
Uma vez admitida a nova violência, estarão abertas as portas para calotes de outros passivos
Além de violência fiscal, a aprovação na
Câmara dos Deputados, em primeira instância, da PEC dos precatórios é uma
distorção que pode servir de precedente para novas distorções.
É uma violência fiscal na medida em que é
um passo em direção a uma brutal insegurança. Se essa decisão passar pelos
outros três turnos – mais um na Câmara e outros dois no Senado –, ficará
destruído o alicerce fiscal. A partir daí, sempre caberão novas despesas que
farão ou não parte do Orçamento, como as que pretextaram esta PEC.
A aprovação foi um arranjo de casuísmos. O primeiro foi ter pretendido licença para matar ("waiver" para atropelar o teto de gastos, na expressão do ministro Paulo Guedes). A vítima é o equilíbrio das contas públicas, que já vinha precário. O segundo foi a mudança no fator de correção do teto, truque que teve por objetivo admitir R$ 47 bilhões dos R$ 91,6 bilhões que a PEC deve abrir no Orçamento de 2022. A partir de agora, o Orçamento anual será aprovado sem que se saiba a altura do teto.
E teve a dispensa de presença física dos
deputados para a votação. Pela primeira vez foi adotada essa malandragem, antes
veementemente rejeitada. Nada menos que 23 deputados votaram fora de Brasília,
em decisão apertadíssima que contou com apenas 4 votos além do mínimo. Daqui para
a frente, será difícil exigir a obrigatoriedade de quórum mínimo para qualquer
outra matéria ou circunstância.
A narrativa de que se trata de abrir espaço
para um objetivo maior, o de garantir a sobrevivência dos mais pobres, é pura
enganação. O objetivo do governo é garantir a reeleição do presidente
Bolsonaro. O Auxílio Brasil, que vai substituir o Bolsa Família, é um mecanismo
que pretende comprar o voto do eleitor carente. E não é a única mandracaria.
Vem acompanhada de amplos esquemas de toma lá dá cá, por meio dos quais o
governo está impondo seu jogo aos políticos – e não apenas aos do Centrão. O
resultado apertado será motivo para novas distribuições de benesses. A
aprovação da PEC apenas será mais cara.
Também é mistificação a afirmação de que o
escalonamento do "meteoro", os tais R$ 89,1 bilhões em dívidas de
precatórios, não passe de um componente da renegociação dos termos de uma
dívida. Não é renegociação, na medida em que é imposto unilateralmente. Não
pagar no prazo contratual também é calote. E é outro precedente perigoso. Uma
vez admitida a nova violência, estarão abertas as portas para calotes de outros
passivos.
A PEC ainda impõe limites ao Judiciário, que não poderá mais sentenciar pagamentos de dívidas irrecorríveis da União. Essa truculência poderá vir a ser rejeitada pelo Supremo, mas não a tempo de não atender aos objetivos eleitoreiros do governo.
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