Valor Econômico
Não há tempo hábil para implementar o novo
programa de distribuição de renda sem interromper o atendimento aos assistidos
O Programa Bolsa Família, revogado pela
medida provisória 1061, acaba no dia 7, depois de amanhã. No seu lugar técnicos
oficiais ainda avaliam o que poderá ser feito. Uma hipótese é a de prorrogar o
Auxílio Emergencial de R$ 300 para o mesmo público que ele beneficia hoje.
Outra seria editar uma nova medida provisória protelando por mais algum tempo a
existência do programa. Há ainda alternativas outras, como decretar estado de
calamidade e abrir crédito extraordinário. O fato é que, sem a existência do
Bolsa Família nem a do seu sucedâneo, o Auxílio Brasil, não há como transferir os
recursos para os beneficiários.
Na madrugada desta quinta-feira o plenário da Câmara aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios em um placar apertado de 312 votos a 144. Eram necessários 308 votos. A PEC abre espaço fiscal de R$ 91,6 bilhões, dinheiro mais do que suficiente para financiar o Auxílio Brasil, de R$ 400 para um universo de 17 milhões de famílias.
O problema é que a PEC ainda terá que ser
confirmada pela votação das emendas e, depois, terá que ser submetida a um
segundo turno de votação na Câmara antes de ser enviada ao Senado. Não há tempo
suficiente para se criar o novo programa social de maneira que não haja solução
de continuidade na transferência de renda aos mais pobres. É bom lembrar,
também, que o novo programa patrocinado pelo governo Bolsonaro tem vigência de
R$ 400 apenas durante o ano eleitoral de 2022.
O governo entrou na votação da PEC disposto
ao tudo ou nada. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, fez de tudo
para conseguir colocar quórum no plenário. PSDB, PDT e Podemos, que votaram a
favor da PEC em troca de liberação de emendas, ontem logo cedo tiveram que
enfrentar reações contra. Ciro Gomes, pré-candidato à sucessão de Bolsonaro
pelo PDT, deixou sua candidatura em suspenso. PSDB e Podemos também reagiram. O
ex-juiz Sergio Moro, que deve se lançar pelo Podemos, estava contra a aprovação
da PEC. O presidente do PSDB, Bruno Araújo, avisou logo que no Senado o jogo
vai ser diferente.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
(DEM-MG), se disse disposto a levar a PEC para votação no plenário. Ontem,
porém, o clima na Casa não era nada bom para o governo. Vai ser um teste para
Pacheco, também um possível pré-candidato à Presidência da República em 2022, convencer
os senadores a aprovar a emenda dos precatórios, chamada de PEC do “calote”,
porque admite que deve e quer pagar ao longo dos anos uma dívida que chega a
quase R$ 90 bilhões e que deveria ser integralmente quitada no ano que vem.
“Tal qual a Câmara, o Senado também gosta
de ‘monetizar’ as suas mágoas”, comentou um experiente conhecedor da vida
parlamentar. Esse é um trabalho de persuasão para o ministro Ciro Nogueira, da
casa Civil e um dos líderes do Centrão, lembrou a fonte.
A proposta de emenda constitucional abre um
espaço de mais de R$ 90 bilhões para o governo gastar no ano em que Bolsonaro
busca a sua reeleição e a verba destinada ao Auxílio Brasil não passa de R$ 50
bilhões. Fica, então, a pergunta sobre o que o governo pretende fazer com os R$
40 bilhões que restam.
Segundo informações da área econômica,
cerca de R$ 24 bilhões seriam destinados ao reajuste do salário mínimo e
correção dos benefícios previdenciárias diante da inflação. Outros cerca de R$
6 bilhões devem ser usados para financiar despesas vinculadas como educação e
saúde, dentre outras. Pelas contas do ministério da Economia falta definir onde
serão aplicados cerca de R$ 10 bilhões. Há outros cálculos que estimam em torno
de R$ 100 bilhões de impacto fiscal da emenda dos precatórios e que, portanto,
duplicam o valor da sobra.
Vai ser difícil manter os salários do
funcionalismo sem reajustes por mais um ano. O ministro Paulo Guedes estima que
o setor público como um todo tenha economizado algo em torno de R$ 150 bilhões
com a folha de pessoal durante os dois anos em que o reajuste está suspenso.
Supondo, porém, que o Senado não aprove a
PEC dos Precatórios, aí volta a valer a lei do teto de gastos e vai ter que
haver corte efetivo de despesa no Orçamento de 2022.
Orçamento liberado para o Centrão tem custo
e quem paga é a sociedade, sobretudo os mais pobres. Aqui, vale lembrar de como
surgiu esse grupo suprapartidário que se moveu com a releitura de São Francisco
de Assis: “É dando que se recebe”.
O deputado Roberto Cardoso (PMDB-SP),
liderou o Centrão que deu suporte político ao então presidente José Sarney, em
especial no apoio ao mandato de cinco anos (1985-1990). “Cardosão”, como era
chamado, foi Ministro da Indústria e do Comércio e, depois, da Ciência e
Tecnologia durante o governo Sarney.
A inflação quando Sarney assumiu, em março
de 1985, já era elevada: de 242,24% ao ano, medida pelo Índice Geral de Preços
(IGP-DI). E atingiu impressionantes 1.972,91% em 12 meses no fim do seu
mandato, superando os 80% mensais após três fracassados planos de estabilização
e quatro ministros da Fazenda. Se o Centrão não foi o responsável pela
hiperinflação, certamente ajudou a aumentá-la com a política do “é dando que se
recebe” irrigada com o dinheiro público.
Nenhum comentário:
Postar um comentário