Folha de S. Paulo
Teto caído soterra Guedes, Moro foi acusado
de negocista e Bolsolão revive velha política
O liberalismo de Paulo Guedes sempre foi
caricatura. Na noite de quarta-feira, essa fantasia grotesca estrebuchava sob as ruínas
do teto de gastos, a grande obra da coalizão liberal que depôs Dilma
Rousseff. Na mesma noite, Jair Bolsonaro dizia à Polícia Federal que Sérgio
Moro é um tipo negocista, que troca um pedido presidencial por uma nomeação
para o Supremo.
No Congresso, a derrubada do teto era
conduzida pelo centrão, com auxílio de ministros, com votos sendo cabalados por
meio da promessa de emendas parlamentares. A "velha política"
sapateava e pedalava sobre a "responsabilidade fiscal" agonizante.
O centrão marombado pelo bolsonarismo contribuiu para o enterro da Lava Jato e ajuda Bolsonaro a rasgar os trapos da sua fantasia liberal, lavajatismo e liberalismo que serviram de desculpa para elites várias subirem na barca do inferno (em última instância, os motivos eram mesmo o antipetismo, a recusa de pagar mais impostos e a acomodação habitual com a incivilidade).
De certo modo, foi uma noite de glória para
o capitão das "fake news" e outras patranhas. As maiores promessas da
campanha de 2018 brilhavam como mentiras peladas no palco da farsa
bolsonarista.
Coadjuvante menor, lá também estava o PSDB,
que fazia o papel de cuspir na "responsabilidade
fiscal" enquanto Bolsonaro, Guedes e o centrão esfaqueavam
esse unicórnio do liberalismo fantástico brasileiro. Faz um quarto de século, o
PSDB foi um partido de quadros da elite. Em 2014-15, deu o pontapé inicial em
Dilma Rousseff —vinha com uma conversa moralizante a fim de abafar o que era de
fato a raiva de perder tanta eleição. Agora, é uma espécie de PP do centro-sul
do Brasil. Não ficou nada no lugar. Por mal falar nisso, seu compadre, o DEM,
ex-PFL, um dia Arena, volta às origens como ajudante de ordens da extrema
direita, a tal União Brasil.
As mudanças mais relevantes para que o país
venha a ter uma economia de
mercado funcional eram conversa mole do bolsonarismo e da
maioria das corporações empresariais que o apoiaram. Sem também reforma
tributária e abertura comercial não haverá concorrência e aumento bastante de
produtividade, outro nome de crescimento econômico. Mas a pimenta da reforma é
boa nos olhos dos outros, não na fuça do capitalismo de compadres e de favor. A
zorra macroeconômica acaba com o resto de perspectiva de aumento de renda. O
liberalismo à brasileira ataca outra vez.
Esse vexame sórdido faz lembrar de Jânio
Quadros e de Fernando Collor, outras Mulas de Troia em que a direita chegou ao
poder. Sim, eram outros Brasis, mas esses tipos surfaram também o mesmo
moralismo santarrão e autoritário que ajudou a levar Bolsonaro ao poder.
A direita pode dizer que preferia um Carlos
Lacerda ou, vá lá, um Geraldo Alckmin. Na prática e na hipótese mais
benevolente, não faz mais do que aderir a picaretagens como a vassoura janista,
o caçador de marajás ou o capitão da reação, quando não os financia ou
propagandeia com gosto.
As consequências de Bolsonaro são piores.
Além de normalizar o autoritarismo, o reacionarismo, a cafajestagem e a
tolerância a crimes de responsabilidade, soltou a cordinha do partido militar,
agora também fisiológico, e o fantasma da religião como assunto de Estado, que
mal e muito mal estavam presos na casinha.
A fraude imensa ficou muito evidente
no espetáculo de
desnudamento de mentiras desta semana, mas não se trata de um
show pontual em uma noite escura da alma deste país. No Brasil, é uma história
muito velha que o liberalismo realmente existente, o liberex, encarne na
prática em monstruosidades. Aconteceu de novo.
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