Folha de S. Paulo
E se o presidente de fato combinou com Jim
Carrey uma versão verde-amarela de 'Dumb & Dumber', traduzido por aqui como
'Debi & Loide'?
Deltan Dallagnol, que me processa —por
enquanto, está perdendo, vamos ver—, anunciou
que vai deixar o Ministério Público Federal. Quer uma vaga na Câmara.
O bom rapaz do iê-iê-iê da destruição do
Estado de Direito e do devido processo legal diz nas redes sociais: "Minha
vontade é fazer mais, fazer melhor e fazer diferente". Parece realmente um
serviço diferenciado... Como num rock antigo, seria ele a "solução do seu
problema?".
Que coisa! Eu, um jurista com aspas, como o
buliçoso rapaz me definiu em diálogos
revelados pela Vaza Jato, afirmei de cara, ainda em 2014, que sua atuação
parecia mais comprometida com a política do que com a lei.
Alô, Lenio Streck, jurista sem aspas! É evidente que estávamos certos, não? Mas o que busca Deltan? Parece estar de olho na imunidade parlamentar. Não poderá mais ser alcançado pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Uma vez na Câmara, abre-se uma larga avenida para seu tipo de militância.
A pretensão é antiga, também revelada pela
Vaza Jato. O rapaz estava de olho no Senado, mas há uma única vaga por estado
na disputa do ano que vem, e o lavajatismo não pretende tirar o pirulito da
boca de Álvaro Dias, a principal referência do Podemos, o partido que serve de
barriga de aluguel a Dom
Giovanni Moro —que voltou a visitar os nativos— e, tudo indica, também a
Deltan, seu Leporello "das faces rosadas", como foi definido em um
perfil laudatório.
Vai acima um corte do "freak
show" cotidiano que experimentamos. Estaríamos num reality? E se Jair
Bolsonaro não errou, só deixou escapar, ao afirmar que teve um colóquio
com o ator e humorista Jim Carrey? Talvez não tenha querido mesmo dizer
John Kerry e acertado uma versão nativa de "The Truman Show", com a
ligeira diferença de que, por aqui, sobrará pouco espaço para a inocência e
para o lirismo. Em muitos aspectos, o mundo nos espia, com nossos exotismos.
Sempre há a possibilidade de uma versão
verde-amarela de "Dumb & Dumber", traduzido entre nós como
"Debi & Loide - Dois Idiotas em Apuros". Dois?
Enquanto Bolsonaro elevava o vexame
nacional a altitudes inéditas em sua passagem pela Itália, Arthur Lira (PP-AL),
presidente da Câmara, articulava
um pacote espantoso de manobras para tentar aprovar a PEC do precatórios.
Olhemos de perto também esse desatino.
É impressionante que se dê quase de barato
que o expediente, que frauda as regras do jogo, traga consigo o que se aponta
como "solução" para ampliar benefícios e beneficiários do Bolsa
Família, bolzonarizado como "Auxílio
Brasil". Ocorre que o calote dos precatórios e a mudança do índice
para corrigir os gastos garantem quase metade dos recursos só até dezembro de
2022, ano eleitoral.
Não se trata apenas de calote, pedalada e
fura-teto. Estamos diante de uma manipulação eleitoreira desavergonhada de um
programa que, jamais tendo sido de distribuição efetiva de renda, serviu ao
menos para minorar os extremos da miséria.
O presidente se apropria da marca do seu
principal adversário político e a transforma num instrumento para caçar votos.
Sim, o PT fez exploração politiqueira do programa no passado. E não houve vez
em que eu não o tivesse apontado com muita dureza.
Desta feita, busca-se comprar o voto dos
pobres com um bônus que tem prazo definido. E, sabemos, os miseráveis precisam
desse dinheiro, sim, porque experimentam a "recuperação em V" de
Paulo Guedes revirando
caminhão de ossos. A extensão do auxílio emergencial também furaria o teto.
Mas não abriria a possibilidade de aumentar o naco das "emendas do
relator" —sistema inédito de compra votos de parlamentares.
O PDT prometeu reagir à patranha, mas
capitulou. Ciro
Gomes resolveu dar um tempo na sua candidatura. O PSDB aderiu quase em
massa, depois de resistir ao texto. O PSB deu lá seus votos, embora em menor
proporção. "Ah, Reinaldo, queria o quê? O caos?" Nego-me a pensar que
só tenhamos como alternativas a sem-vergonhice ou a desordem.
Sabem por que já há parte da elite
espichando os olhos para Lula? Nostalgia de estabilidade. Mas fica para outras
colunas.
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