Correio Braziliense
A PEC dos Precatórios subiu
no telhado. Corre risco de ser barrada na segunda votação da Câmara, ou mesmo
pelo Senado, mais sensível às pautas majoritárias da sociedade
O gesto do ex-ministro Ciro Gomes, ao comunicar
ao PDT que sua pré-candidatura a presidente da República está suspensa, em
razão do adesismo da sua bancada federal na votação da PEC dos Precatórios,
teve um efeito saneador em toda a oposição, que votou muito dividida na
madrugada de ontem, quando a proposta foi aprovada pela Câmara, em primeiro
turno, por uma margem estreita de quatro votos. A votação desnudou as
contradições existentes nas bancadas dos principais partidos de oposição,
principalmente as relações perigosas com o esquema secreto de distribuição de
emendas ao Orçamento comandado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
Como sempre acontece nas votações polêmicas, a PEC dos Precatórios foi aprovada na calada da noite, 312 votos a 144. O texto-base da PEC dos Precatórios, a principal aposta do governo para viabilizar o Auxílio Brasil de R$ 400, esconde um butim de R$ 20 bilhões acima do teto de gastos, a serem distribuídos por Lira durante o ano eleitoral, diretamente para prefeituras e instituições ligadas aos parlamentares que participam do seu esquema, sem controle efetivo dos órgãos fiscalizadores sobre a execução desses recursos em bases, digamos, republicanas.
É uma espécie de “mensalão” — o esquema de
desvio de recursos públicos montado na Comissão de Orçamentos que foi investigado
pela CPI dos Correios —, porém legalizado pelas regras estabelecidas no próprio
Orçamento, que cria uma flagrante distorção no processo eleitoral, porque os
“amigos do rei” passam a contar com um instrumento de barganha de apoio muito
superior aos recursos de financiamento que advém do fundo eleitoral.
Ninguém tem o direito de dizer que se
enganou com Arthur Lira (PP-AL), que disse ao que veio na campanha para
presidente da Câmara, com o líder do Centrão, o bloco de partidos que aderiu ao
governo quando o “toma lá dá cá” passou a ser a regra do jogo da articulação da
base parlamentar do presidente Jair Bolsonaro. Foi a vitória da “pequena
política”, do velho fisiologismo e da iminente recidiva do patrimonialismo.
Quando o presidente da Casa era o deputado Rodrigo Maia (sem partido), a
disputa entre a Câmara e o Palácio do Planalto se dava no âmbito da “grande
política”, que havia voltado ao Congresso. Agora, quando a “transa” predomina,
a “grande política” foi para o ralo, porque não há mais quem a defenda com a
força que a sociedade exige, nem a oposição, ainda mais enfraquecida pelo
adesismo de parte de suas bancadas.
A equipe econômica de Paulo Guedes, o
ministro da Economia que abriu mão da blindagem fiscal e do controle da
inflação, deve até ter saudades dos embates com Rodrigo Maia. Derrotada pela
ala política do Palácio do Planalto — os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil),
Flávia Arruda (Secretaria de Governo) e Fábio Farias (Comunicações) —, a equipe
econômica hoje é residual, porque seus principais quadros já se afastaram, com
a exceção do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, que tem
mandato e autonomia.
A PEC abre um espaço no Orçamento de 2022
de R$ 91,6 bilhões, dos quais R$ 44,6 bilhões são decorrentes do limite a ser
estipulado para o pagamento das dívidas judiciais do governo federal
(precatórios); e R$ 47 bilhões foram criados artificialmente, gerados mudança
no fator de correção do teto de gastos, incluída na mesma PEC., que passou a
ser calculado de janeiro a dezembro, em vez de junho a junho.
Reação negativa
O Auxílio Brasil, novo programa social do
governo, deve tomar cerca de R$ 50 bilhões dessa folga orçamentária; também
serão contemplados o ajuste dos benefícios vinculados ao salário-mínimo; a
elevação de outras despesas obrigatórias (onde entram as emendas parlamentares
ao orçamento); as despesas de vacinação contra a Covid-19; e as vinculações do
teto aos demais poderes e subtetos. A divisão exata do espaço liberado pela
proposta no teto de gastos só será definida na votação do Orçamento de 2022, o
que abrirá outra rodada de barganhas.
O valor do Auxílio Brasil, estimado em R$
400, também não foi definido na PEC e pode ser aumentado para até R$ 600, como
deseja o PT, que votou contra a emenda. A rigor, o auxílio foi criado para
substituir o Bolsa Família e está sendo utilizado como pretexto para “furar” o
teto de gastos, porque o governo poderia perfeitamente encontrar os recursos
para o auxílio cortando outras despesas, não-prioritárias, de um Orçamento de
mais de R$ 1 trilhão.
Entretanto, por causa da reação da
sociedade e da cúpula dos partidos de oposição, a PEC dos Precatórios subiu no
telhado. Corre risco de ser barrada na segunda votação da Câmara, ou mesmo pelo
Senado, mais sensível às pautas majoritárias da sociedade. O sinal de que a
vaca estranhou o bezerro foi a reação do mercado. Mesmo com a leilão do 5G, da
maior importância, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) fechou o dia em queda
de 2,09%, aos 103.412 pontos, e o dólar terminou em alta de 0,29%, vendido a R$
5,606.
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