Governador paulista propõe reforma administrativa ampla e rápida como primeiro ato se chegar à Presidência
Por Maria Cristina Fernandes e César
Felício / Valor Econômico
Pré-candidato à Presidência pelo PSDB, o governador
de São Paulo João Doria renova o antagonismo ao presidente Jair Bolsonaro no
centro de seu discurso. Para o paulista, Bolsonaro começa a inviabilizar a
gestão que o sucederá com medidas como a PEC dos Precatórios, aprovada em
1ºturno pela Câmara na madrugada de ontem. “Querem destruir o próximo governo,
não apenas este”, comentou, em conversa pelo aplicativo Zoom com o Valor, que encerra assim as
entrevistas com os postulantes tucanos na prévia da sigla que acontece este
mês. Também falaram ao jornal o governador gaúcho Eduardo Leite e o ex-prefeito
de Manaus Arthur Virgílio Neto.
Doria destacou o voto dos seis deputados do PSDB
paulista contra a PEC, que altera o teto de gastos e posterga o pagamento de
dívidas judiciais já transitadas em julgado. Para Doria, a principal intenção
do governo com a PEC é “criar um processo eleitoral que favoreça o presidente”.
Suas ambições imediatas, se eleito presidente, são
uma reforma administrativa ampla e rápida e o fim das emendas de relator que
transferem ao Congresso o controle do Orçamento. Aposta que o peso político de
um presidente recém-eleito fará a balança pender a seu favor.
"A
população brasileira, em sua grande maioria, opta pelo sistema presidencialista
e esta é a minha posição também"
O governador diverge do partido ao se dizer contra o semipresidencialismo, proposta de um correligionário, o deputado Samuel Moreira (SP). E ainda defende a volta do financiamento privado de campanhas sem abolir o atual financiamento público.
A seguir, trechos da conversa:
Valor: A Executiva do PSDB decidiu, por unanimidade,
anular 92 filiações de prefeitos feitas pelo diretório paulista. A decisão
coloca, no mínimo, dúvidas sobre essas filiações. Como o senhor a recebeu?
João Doria: Este é um tema
partidário e o partido em São Paulo compreende, mas contesta esta decisão e
apresentará nesta sexta-feira suas posições. É o voto que elegerá aquele que
representará o PSDB e a terceira via em 2022. Não é o tapetão, nem são medidas
coercitivas ou limitativas. Ao longo desses meses de prévias sucessivas vezes
houve medidas limitativas, quase que provocadas para reduzir a força de São
Paulo.
Valor: Em 2018 as prévias para governador foram mais
pra constar não teve muita disputa...
Doria: Não, foi prévia
pra valer. Ocupava o governo de São Paulo o Márcio França e ele, junto com o
governador Geraldo Alckmin, operaram para que eu perdesse as prévias.
Disputaram o ex-presidente do PSDB e senador José Aníbal, o Luiz Felipe D'Ávila
como indicado por Alckmin e o então deputado federal Floriano Pesaro. Os três,
articulados com o Palácio dos Bandeirantes, disputaram para me derrotar.
"Ao longo
dos últimos meses houve sucessivas medidas para reduzir a força de São Paulo
nas prévias”
Valor: Mas em 2016 um de seus adversários saiu do
partido para compor outra chapa. A disputa agora cria bases para que o perdedor
possa não apoiar o vencedor. Não falta ao PSDB um pacto de convivência que
permita o apoio mútuo sem judicialização?
Doria: Nosso entendimento
segue bom. Não vejo a possibilidade de que os dois perdedores se transformem em
pessoas colocadas à margem do PSDB. Disputa faz parte do jogo. Andrea Matarazzo
[vereador em São Paulo derrotado nas prévias de 2016, que abandonou a sigla
para ser candidato a vice na chapa de Marta Suplicy] e eu somos excelentes
amigos, apesar de ele ter tomado a decisão de deixar o PSDB. E quero lembrar
que nas prévias de 2016 venci o Bruno Covas e depois o convidei para ser
candidato a vice e vencemos as eleições no 1º turno.
Valor: Como o senhor vê a filiação do ex-juiz Sérgio
Moro ao Podemos e a perspectiva de ele disputar a Presidência? O fato de ter
servido como ministro a um governo que ajudou a eleger como juiz pesa
negativamente sobre sua biografia?
Doria: Não cumpre a mim
fazer análise de biografia do Moro. Tenho admiração, respeito e amizade por
ele. Essa relação nasceu antes de ele ser ministro, se manteve enquanto esteve
no cargo e prosseguiu após sua saída do governo. Fui convidado e aceitei o
convite para estar no próximo dia 10 em Brasília para sua filiação ao Podemos,
partido que é aliado nosso em São Paulo.
Valor: Hoje ele aparece à frente de qualquer
candidato do PSDB nas pesquisas para presidência. Isso significa que o
candidato tucano deva aceitar ser vice dele?
Doria: Não há essa
equação, muito menos como preliminar. Não há a definição de que ele será
candidato a presidente. O que podemos afirmar é que caminharemos juntos nesse
centro democrático liberal social. As razões que nos motivam são as mesmas, a
defesa do Brasil, da justiça, da liberdade, da democracia, da redução da pobreza,
da educação e da proteção ambiental.
Valor: Para que esse centro democrático liberal
social prospere é preciso definir algo que está em curso, que é a permanência
das emendas de relator no Orçamento que está no Congresso. O senhor já disse
que pretende rever isso. Como?
Doria: Considero uma
disfunção o Executivo entregar ao Legislativo a responsabilidade sobre o
Orçamento e a destinação de recursos. Isso é típico de um governo fraco e
incapaz como o de Bolsonaro.
Valor: Como o senhor vê a discussão sobre tributação
de dividendos?
Doria: Não apoio. Entendo
que não precisamos de mais tributos e sim de enxugamento da máquina pública,
com mais eficiência, transparência e desestatização, apoiando o setor privado
na geração de emprego e oportunidades e ampliando a capacidade de arrecadação
sem aumento de imposto
Valor: Só a melhora na eficiência da máquina e o
enxugamento do Estado não vão dar conta de prover uma equação fiscal capaz de
renovar o Bolsa Família. De onde deve sair o dinheiro?
Doria: Não será furando o
teto. Aqui temos investimentos robustos para a proteção social. Criamos a bolsa
do povo que oferece uma bolsa de R$ 535 para famílias vulneráveis em
contrapartida ao trabalho. Também fizemos o alimento solidário com 4,3 milhões
de cestas de alimentos, metade das quais já distribuídas. Fizemos o “São Paulo
Acolhe” para os órfãos da pandemia. Recebem R$ 300 por mês. Com
responsabilidade fiscal.
Valor: O país tem uma situação fiscal mais frágil que
a de São Paulo e uma heterogeneidade social e econômica maior. O senhor não
teme que o governo paulista não lhe tenha oferecido a oportunidade de lidar com
dificuldades bem maiores?
Doria: São Paulo tem 46
milhões de habitantes, é o mais densamente habitado do país. Tem migrantes de
todas as partes em busca de oportunidades em situação de extrema pobreza. É um
retrato do Brasil que dá certo. Desde que haja vontade política, determinação e
responsabilidade por que o restante do Brasil não pode dar?
Valor: A que o senhor atribui os 22 votos do PSDB
favoráveis à PEC dos Precatórios?
Doria: Os oito deputados
federais do PSDB de São Paulo [na verdade foram seis] votaram contra essa PEC.
Esta PEC fura o teto de gastos, é uma irresponsabilidade do governo federal.
Lamento que alguns deputados do meu partido tenham votado a favor. É um
escárnio, é vergonhoso que o aval do Congresso possa ser dado a uma medida
desta natureza. Não que os mais pobres não mereçam o auxílio emergencial.
Merecem e podem ter, mas esta não é a principal intenção da PEC. A principal
intenção é criar um processo eleitoral que favoreça o presidente. Espero que o
Congresso tenha oportunidade de corrigir este equívoco na segunda votação. Este
governo não apenas se autodestroi como quer destruir o próximo
Valor: Entre os vetos do presidente da República a
serem analisados pelo Congresso está aquele à proposta de um fundo eleitoral de
R$ 5,7 bilhoes. Com o veto, o valor volta a ser o mesmo de 2018, de R$ 2
bilhões. Como o PSDB deveria se comportar em relação a esse veto?
Doria: Este é um tema sob
avaliação específica do PSDB como partido e de seu presidente Bruno Araújo.
Valor: Se eleito presidente o senhor proporia que
valor?
Doria: Após a eleição eu
poderia me manifestar. Antes disso, não.
Valor: O senhor apoia a volta do financiamento
eleitoral privado?
Doria: Sim, mas em
conjunto com a manutenção dos fundos públicos partidário e eleitoral,
estabelecendo no momento adequado os seus limites. E as doações privadas devem
acontecer com critérios de absoluta transparência e governança, como acontece
com os Estados Unidos, em vários países da Europa.
Valor: O deputado tucano Samuel Moreira é autor de
uma proposta de emenda constitucional que estabelece o semipresidencialismo.
Qual é sua opinião?
Doria: Respeito o
deputado Samuel Moreira, mas essa é uma posição que eu não compartilho. Nesse
ponto não estamos no mesmo caminho.
Valor: Esta é uma bandeira histórica do PSDB. O
senhor então é a favor do presidencialismo?
Doria: A população
brasileira, em sua grande maioria, opta pelo sistema presidencialista e essa é
a minha posição também. O que não impede o aprimoramento dos mecanismos de
transparência, de controles.
Valor: Como o senhor vê a candidatura do senador
Rodrigo Pacheco à Presidência? É para valer?
Doria: Respeito a
candidatura. Em primeiro lugar, por ser do PSD. Imagino que um partido da
dimensão do PSD e tendo a liderança de Gilberto Kassab não faria uma indicação
de mentirinha. Rodrigo Pacheco é uma pessoa de bem e vem cumprindo bem o seu
papel à frente do Senado.
Valor: O senhor acha mais provável que o PSDB vá para
o 2ºturno contra Bolsonaro ou Lula?
Doria: Mais provavelmente
contra Lula. O presidente Bolsonaro é o maior produtor de fatos contra si
próprio. Consegue inacreditavelmente ser o maior adversário de si.
Valor: E o que o senhor fará então para repetir o
feito dele em São Paulo em 2018, quando obteve aqui 44,6% dos votos no º turno?
O senhor está muito longe disso...
Doria: Pelas pesquisas eu
estava também muito longe da vitória em 2016 para a prefeitura de São Paulo e
nem venceríamos a eleição de 2018. Pesquisas de hoje retratam hoje. Se
retratassem 2022 talvez não precisaríamos da eleição. A democracia seria
expressada pela pesquisa e não pelo voto. Ainda temos onze meses para a
eleição.
Valor: Uma pergunta curta para uma resposta curta. O
primeiro ato de governo do senhor, qual será?
Doria: Priorizar a
educação...
Valor: Ato, não meta
Doria: Desinchar a
máquina pública federal...
Valor: Qual é o ato? O senhor vai demitir, então?
Doria: O primeiro ato será a redução da máquina pública inchada ao longo do governo Bolsonaro, com pessoas que não são qualificadas, que estão ali por questões ideológicas e não de eficiência para cumprir suas funções. Ajustar o governo será a primeira medida.
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