Folha de S. Paulo
Presidente precisa mentir para a classe
média bolsonarista que seu programa é diferente porque desencoraja vagabundagem
de pobre
O programa Bolsa Escola, matriz do Bolsa
Família, foi uma proposta do economista José Márcio Camargo, apresentada pela
primeira vez em uma reunião do "governo paralelo" do PT em 1991.
Camargo havia se aproximado do PT por meio de Eduardo Suplicy, cuja proposta de
renda mínima tinha semelhanças óbvias com a do economista. O debate entre os
dois sobre que setor deveria ser beneficiado primeiro com transferências de
renda —crianças em idade escolar (Camargo) ou idosos pobres (Suplicy)— foi
publicado nesta Folha em 26 de dezembro de 1991.
O Bolsa Escola foi incluído no programa de governo de Lula de 1994 (p. 173). O programa foi implementado no governo do então petista Cristovam Buarque em Brasília em 1995 e trazido para a esfera federal pelo tucano Fernando Henrique Cardoso em 1998. FHC não mudou o nome do programa, pois tinha vergonha na cara.
No governo Lula, o Bolsa Escola foi integrado a outros programas existentes para dar origem ao Bolsa Família. Para quem quiser ter ideia do gigantesco sucesso que foi o Bolsa Família, sugiro consultar o texto de Thais Carrança publicado na Folha na última sexta-feira (29).
Apesar desse sucesso, o então deputado Jair Bolsonaro defendeu a extinção do Bolsa Família quando
concorreu à presidência da Câmara em 2011. E seu atual líder na Câmara, o
deputado Ricardo Barros, quando presidiu a comissão do orçamento em 2015, propôs
cortar 35% do orçamento do programa com o objetivo de gerar a manchete
"PT corta Bolsa Família" e facilitar o impeachment de Dilma Rousseff.
O Bolsa Família foi
pago pela última vez na sexta-feira. Será substituído pelo Auxílio Brasil, uma mistura de nove programas. Na pior
das hipóteses, pode ficar sem
fonte de renda e causar uma crise social sem precedentes. Na melhor
das hipóteses, será o Bolsa Família com os
aumentos que já deveriam ter sido dados e uma ampliação de cobertura
(porque aumentou o número de pobres).
O Auxílio Brasil também traz uma série de
programas pendurados que não devem ter grande efeito prático. Os programas de
incentivo para estudantes que se destaquem em competições científicas ou
esportivas devem chegar a pouca gente. O auxílio inclusão rural dará um
dinheiro para agricultores pobres que doem comida (quanta comida eles têm para
doar?). O auxílio-creche é uma modificação do programa Brasil Carinhoso de
Dilma Rousseff. O auxílio de inclusão urbana pagará um acréscimo a
beneficiários do Auxílio Brasil que conseguirem emprego formal, algo que,
conforme todos os estudos, eles já fazem sempre que podem.
Algum desses complementos são
bons, outros são ruins, alguns já existem, mas o sentido político de
incluí-los no substituto do Bolsa Família, é claro: depois de uma vida inteira
xingando o Bolsa Família, Bolsonaro precisa mentir para a classe média
bolsonarista que seu programa é diferente porque desencoraja vagabundagem de
pobre. No mundo real, os pobres não são vagabundos, os bolsonaristas são, mas
eles acham que é o contrário.
Todos os riscos do Auxílio-Brasil seriam evitados, e todas suas potencialidades seriam possíveis de serem realizadas, sem acabar com o Bolsa Família. Mas Bolsonaro precisa mentir para os pobres que é Lula, e precisa mentir para seus apoiadores que não é isso que gostaria de ser.
Um comentário:
Não encontrei nesse texto nenhuma referência ao prefeito de Campinas-SP, José Roberto Magalhães Teixeira - o Grama - no começo dos anos 90, um pioneiro na implementação do programa Bolsa-Escola. Uma lamentável omissão.
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