O Globo
Nesta semana haverá uma luta da democracia
brasileira contra um perigoso ponto de erosão. O STF vai julgar a ação contra
as emendas de relator, origem do orçamento secreto, para confirmar ou não o
voto da ministra Rosa Weber, que mandou suspender esse mecanismo obscuro de
distribuição de dinheiro público recriado no governo Bolsonaro. Por outro lado,
o presidente Arthur Lira (PP-AL) está convocando os deputados para estarem
segunda-feira em Brasília para na terça votarem o segundo turno da PEC dos
precatórios. O combustível que a faz andar é a oferta de distribuição dessas
emendas.
Na hora do voto, alguns partidos que ajudaram a aprová-la em primeiro turno vão definir o seu destino. O PSDB terá que enterrar a própria história se quiser manter o voto a favor dessa PEC. Ela dá calote, amplia despesas e fura o teto. O partido é o pai da responsabilidade fiscal, cujas bases criou no governo Fernando Henrique. O PMDB terá que derrubar o teto que aprovou no governo Michel Temer. O PSB e o PDT terão que assumir serem cúmplices do bolsonarismo, porque entregarão a um governo destrutivo R$ 100 bilhões para a compra de votos e manutenção do esquema tenebroso do orçamento secreto. O PSB está em situação mais contraditória porque é um dos autores da ação no STF contra exatamente esse esquema. E sempre foi por ele, e nunca pelos pobres, que se fez a escalada de horrores nessa proposta de emenda constitucional.
Se a preocupação fosse com os pobres, o
caminho era simples. Bastaria fortalecer o Bolsa Família no ano da sua
maioridade. Foram 18 anos de bons serviços prestados ao Brasil, à distribuição
de renda, à mobilidade social, à rede de proteção social brasileira. Esse tempo
se encerra agora com o abrupto fim do programa. O novo ainda não está pronto e
já nasceu com o aviso de que parte da renda transferida é temporária. Vale só
até o fim da eleição.
A PEC, se aprovada, provocará um sucessão
de desequilíbrios, dívidas e distorções que pesarão sobre os próximos governos.
Ela constitucionaliza o calote, dificulta a formulação do Orçamento, destrói
uma baliza fiscal, cria uma dívida paralela que virará uma bola de neve ao
longo dos próximos anos. E está tramitando na base de liberação dessas emendas
sem transparência. É roubo do dinheiro público, descarado, para que as longas
mãos dos parlamentares entrem dentro dos ministérios ordenando despesas.
O Tribunal de Contas da União (TCU) terá
que fechar as portas se não condenar de forma definitiva o que está acontecendo
nas contas públicas no governo Bolsonaro. O presidente Bolsonaro disse que o
TCU agora é um órgão integrado ao Executivo. Cabe lembrar ao tribunal que ele
foi implacável com a então presidente Dilma Rousseff pelas pedaladas fiscais.
Essa PEC pedala também, posterga dívida para abrir espaço para outros gastos,
faz manobra contábil mudando a data para o cálculo do teto, para ter uma
vantagem oportunista com a escalada inflacionária. O que coroa os absurdos é a
promessa de liberação do dinheiro das emendas do relator. O orçamento secreto
foi desvendado pelo “Estado de S.Paulo”. É uma tratorada nas leis do país,
entre elas as fiscais, cuja fiscalização está a cargo do TCU.
O presidente da Câmara, Arthur Lira,
quebrou a própria regra de votação presencial, mas apenas para quem estava em
Glasgow, na Escócia, uma decisão inexplicável. Além disso, conforme explicou o
deputado Rodrigo Maia (sem partido) à Globonews, fez uma manobra totalmente
irregular. Aglutinou na emenda propostas que nunca tramitaram. Esses trechos
que não passaram pelo processo legislativo foram colados ao texto do relator.
Tudo isso irá para a Constituição se a PEC
for aprovada. Parte do calote dado será com entes federados, a mudança de prazo
para cálculo do teto tornará muito difícil formular o Orçamento da União. E
além disso criará recursos para financiar as tais emendas do relator. A
Constituição estará sendo violada se for colocado dentro dela tal amontoado de
irregularidades. Na terça-feira o STF começa a julgar as ações contra o tema.
No mesmo dia, a Câmara colocará em votação o segundo turno da PEC. No fundo, o
que se define nesta superterça é se daremos ou não mais um passo na erosão da
democracia.
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