O Globo
Era um segredo de polichinelo. Para
garantir maioria no Congresso, o bolsonarismo abriu um novo e obscuro ralo no
Orçamento. As emendas do relator, que drenam recursos para parlamentares longe
dos olhos do contribuinte.
O dinheiro jorrou antes da votação da PEC
dos Precatórios, que fura o teto de gastos e legaliza o calote de dívidas para
turbinar a campanha à reeleição. Em apenas dois dias, o governo liberou R$ 900
milhões para comprar apoio parlamentar.
A manobra foi denunciada pela oposição na
noite de quarta-feira. Numa sessão que se estendeu por quase oito horas, 11
deputados usaram o microfone para relatar o uso do “orçamento secreto”. Os discursos
falaram em “escândalo”, “fraude” e “compra de votos”.
Enquanto a turma se esgoelava, o presidente
da Câmara, Arthur Lira, operava em voz baixa no celular. Graças ao empenho
dele, a proposta foi aprovada por 312 votos — apenas quatro a mais que o necessário
para mexer na Constituição.
A votação pode ter sido a última turbinada pelo esquema, revelado em maio pelo jornal O Estado de S. Paulo. Na sexta-feira, a ministra Rosa Weber determinou a suspensão do “orçamento secreto”. Sua decisão descreve o funcionamento de um sistema “obscuro” que viola o “princípio republicano” na destinação de verbas públicas.
A juíza afirmou que as emendas do relator
permitiram gastos “sem transparência e de reduzida capacidade de fiscalização”.
“Causa perplexidade a descoberta de que parcela significativa do Orçamento da
União Federal esteja sendo ofertada a grupo de parlamentares mediante
distribuição arbitrária”, escreveu.
Em 2020, o mensalão do capitão consumiu R$
19,7 bilhões. Neste ano, estava prevista a liberação de R$ 16,8 bilhões. “O
mais promíscuo instrumento de barganha entre Executivo e Legislativo das
últimas décadas foi enfim interrompido”, festejou Gil Castelo Branco, da ONG
Contas Abertas.
O fechamento do ralo, a ser confirmado pelo
plenário do Supremo, deve ser apenas o primeiro passo. Agora é preciso saber
como o dinheiro escorreu com a cumplicidade dos órgãos de controle. E quem
foram os deputados e senadores beneficiados pelo esquema.
A caixa-preta já tem data para ser aberta:
a ministra Rosa deu 30 dias para que o governo divulgue os ofícios enviados por
parlamentares para destinar verbas do “orçamento secreto”.
“No dia em que esse escândalo for revelado
ao país, ele não vai se chamar escândalo dos anões do Orçamento, vai se chamar
escândalo dos gigantes do Orçamento”, avisou o deputado Alessandro Molon na
quarta-feira, dois dias antes da decisão de Rosa.
O escândalo dos anões levou à cassação de
seis deputados. O grupo incluiu Ibsen Pinheiro, que ocupava a atual cadeira de
Arthur Lira.
Desce o pano
Na terça-feira, Sergio Moro distribuiu
convites para lançar sua candidatura à Presidência. Na quinta, Deltan Dallangol
abandonou o Ministério Público para concorrer a deputado. Os dois já faziam
política como juiz e procurador. Agora não precisarão mais simular imparcialidade.
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