domingo, 21 de novembro de 2021

Poesia | Vinicius de Moraes - Ilha do Governador

Esse ruído dentro do mar invisível são barcos passando

Esse ei-ou que ficou nos meus ouvidos são os pescadores esquecidos

Eles vêm remando sob o peso de grandes mágoas

Vêm de longe e murmurando desaparecem no escuro quieto.

De onde chega essa voz que canta a juventude calma?

De onde sai esse som de piano antigo sonhando a “Berceuse”?

Por que vieram as grandes carroças entornando cal no barro molhado?

Os olhos de Susana eram doces mas Eli tinha seios bonitos

Eu sofria junto de Suzana – ela era a contemplação das tardes longas

Eli era o beijo ardente sobre a areia úmida.

Eu me admirava horas e horas no espelho.

Um dia mandei: “Susana, esquece-me, não sou digno de ti – sempre teu?”

Depois, eu e Eli fomos andando? – ela tremia no meu braço

Eu tremia no braço dela, os seios dela tremiam

A noite tremia nos ei-ou dos pescadores?

Meus amigos se chamavam Mário e Quincas, eram humildes, não sabiam

Com eles aprendi a rachar lenha e ir buscar conchas sonoras no mar fundo

Comigo eles aprenderam a conquistar as jovens praianas tímidas e risonhas.

Eu mostrava meus sonetos aos meus amigos – eles mostravam os grandes olhos abertos

E gratos me traziam mangas maduras roubadas nos caminhos.

Um dia eu li Alexandre Dumas e esqueci os meus amigos.

Depois recebi um saco de mangas

Toda a afeição da ausência?

Como não lembrar essas noites cheias de mar batendo?

Como não lembrar Susana e Eli?

Como esquecer os amigos pobres?

Eles são essa memória que é sempre sofrimento

Vêm da noite inquieta que agora me cobre.

São o olhar de Clara e o beijo de Carmem

São os novos amigos, os que roubaram luz e me trouxeram.

Como esquecer isso que foi a primeira angústia

Se o murmúrio do mar está sempre nos meus ouvidos

Se o barco que eu não via é a vida passando

Se o ei-ou dos pescadores é o gemido de angústia de todas as noites?

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