O Globo
Por mais tempo que eu viva, jamais
esquecerei o líder indígena Piraima’á, da Aldeia Juriti, falando em tom aflito.
“Eles estão matando as árvores, eles estão nos matando.” Foram 745 milhões de
árvores que tombaram em um ano para que o número de 13.235 km2 desmatados fosse
possível. No governo Bolsonaro foram derrubados um bilhão e novecentos milhões
de árvores. Esse é o projeto Bolsonaro. A simbiose entre árvores e gente que eu
ouvi do líder indígena, em 2012, explica o Brasil e sua tragédia. O que está
ocorrendo não é tolerável. Diante dos nossos olhos Bolsonaro executa o projeto
de destruição e morte. Este governo está matando as árvores, ele está nos
matando.
Os cálculos de quantas árvores morreram neste ano e neste governo foram feitos por Tasso Azevedo, do MapBiomas. Assim fica mais fácil entender a imensidão da tragédia que vivemos. A informação da alta de 21,9% no desmatamento em um ano foi, além de tudo, ocultada. O mundo viu o ministro do meio ambiente falar manso na COP, como se fosse diferente do seu antecessor e mentor. O presidente voou para as arábias para mentir melhor no meio de ditadores e afirmar que a floresta está intocada.
A Amazônia sangra e morre diante de nossos
olhos. E toleramos. Os indígenas têm as suas terras invadidas por garimpeiros
que desmatam e contaminam as águas da maior bacia hidrográfica do mundo. E
toleramos. O governo mente em nosso nome para o mundo. E toleramos. Dados são
escondidos por ministros. E toleramos. Deputados e senadores legalizam o crime
dos grileiros, ladrões da terra nossa. E toleramos. As Forças Armadas vão para
dentro da floresta, a um alto custo, para combater o desmatamento, e ele cresce.
Toleramos.
O projeto de destruição e morte de Jair
Bolsonaro se espalha pelo Brasil e fulmina os seres vivos. Diante da pandemia,
o presidente trabalhou para espalhar o vírus mortal. Bolsonaro debochou dos
mortos e dos doentes. “Maricas”, ele disse. Conspirou contra a vida usando o
aparelho do Estado. E toleramos. Políticos corruptos protegem o presidente
porque estão na fila para receber o dinheiro dos nossos impostos em nacos do
Orçamento através de emendas que legalizam a corrupção.
Para derrubar tanta mata assim em um ano é
preciso ser um projeto de governo, ter a cobertura do Congresso em leis que
estimulam isso, demolir o aparato estatal de proteção da floresta e dos
indígenas, ter a ajuda de um procurador-geral. O Congresso é cúmplice. O
Procurador-Geral da República é cúmplice. Os ministros são cúmplices. Os
generais são cúmplices. Eles governam o Brasil para o despenhadeiro moral,
ambiental, climático e humano.
As empresas pintam de verde as suas
propagandas, mas elas estão neste país da morte da floresta. Se são todas
sustentáveis, seriam as partes melhores do que o todo? É preciso que se
levantem mesmo que seja em defesa de seus próprios negócios contra o governo
que nos tira do mundo e transforma o Brasil em criminoso ambiental. Não haverá
mercado para os produtos brasileiros. Uso esse argumento porque talvez funcione
com o capital brasileiro. A Europa começou na última semana a se fechar para
produtos que não estejam livres de desmatamento e degradação da floresta. Os
Estados Unidos e a China assinaram um acordo se comprometendo a também seguir o
caminho de banir produtos que venham do crime ambiental. O cerco está se
fechando, senhores do capital.
As empresas colorem de preto as suas
propagandas, fingindo terem em seus quadros de direção pessoas pretas. E não há
uma única mulher negra na direção de qualquer empresa grande brasileira. Os
homens negros são uma minoria ínfima. Enquanto isso o governo instala dentro do
setor público, exatamente no órgão criado para a promoção da maioria
discriminada, pessoa capaz de ofender diariamente os pretos e as pretas do
Brasil. E toleramos.
A destruição da Amazônia é parte de um
projeto muito maior que mata pessoas e sonhos e valores e árvores. Que exclui e
regride. A letra da música “Maninha”, de Chico Buarque, tem um verso assim:
“Pois hoje só dá erva daninha no chão que ele pisou.” Isso me lembra o atual
governo. Meu irmão Cláudio, na ditadura, costumava me consolar cantando essa
música. Em outro verso a música diz: “Se lembra do futuro que a gente combinou.”
Não podemos esquecer do futuro que a gente combinou, no qual a floresta e seus
povos seriam protegidos. Escrevemos isso na Constituição.
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