O Globo
O ódio sem motivo evidente, típico da
direita que se espalha pelo mundo, não é mais resultado de ideologia clara
O governo Bolsonaro é uma fonte constante
de más notícias. Se uma vacina contra a Covid-19 é um bem para todos, pois
evita o contágio mesmo dos que não acreditam nele, é um contrassenso que se
proíba o passaporte sanitário para aprovação de um projeto na Lei Rouanet.
Pobres produtores de cultura do país! Além do desgastante conflito com os
homens dos serviços de cultura, ainda terão que enfrentar agora os dispositivos
tolos que vão impedir que façam o que desejam fazer com seus filmes, livros,
poemas, canções, peças de teatro, novelas e tudo mais.
Como escreveu Gregório Duvivier, hoje não é exagerado dizer que o presidente não suporta os brasileiros. Não só ele nos odeia, como tenta acabar com a gente de todas as formas. É como se passasse o tempo pensando em como cortar nossa onda e zerar nosso entusiasmo, até que nos tornemos um núcleo de pensamento domesticado que não lhe dê mais trabalho como fonte de ideias novas. E essa campanha liderada pelo presidente contra a vacinação é simultânea à sua campanha pelo armamento civil. “O vírus pode estar partindo — os fuzis vão ficar”, diz Gregório Duvivier.
O ódio sem motivo evidente e, claro, típico
da direita que se espalha pelo mundo, não é mais resultado de ideologia
evidente e clara. Há poucos dias, soubemos de mais uma alegre aventura de
jovens Talibãs, que mataram três músicos sem religião que tocavam no casamento
de um casal de amigos de escola. Do jeito que estão indo essas ideias pelo
mundo afora, temo pelo que pode acontecer no Brasil com o fim da pandemia além,
espero!, do fim do governo Bolsonaro, outro criador (às vezes inconsciente) de
certos mitos do mal.
Eurípedes Alcântara, aqui mesmo no Globo,
escreveu que “temer o outro, maximizar os riscos trazidos pelo desconhecido, é
parte de nossa natureza”. Por isso têm tanto valor religiões, filosofias e
obrigações trazidas pelo convívio em sociedade quando ajudam a superar esse
pecado original da espécie, fazendo da colaboração e não da competição, o
grande recurso que nos trouxe até aqui como uma mesma gente.
Depois de uma pandemia em que nos afastamos
compulsoriamente uns dos outros, durante tanto tempo, a volta será sempre a de
uma magna e dolorosa dúvida sobre como trataremos e seremos tratados pelos
seres humanos em volta de nós, mesmo aqueles que já foram nossos amigos de fé.
Já escrevi aqui, nessa mesma coluna, que os dois sentimentos humanos que mais
desenvolvemos, nesse período longe da ciranda humana que sempre nos cercou e
nos tirou para dançar durante tempos “normais”, foram a solidão e a solidariedade.
Foi a primeira que nos levou à segunda, como única forma decente de
sobrevivência.
Faz parte da tradição utópica da humanidade
pensar que, sempre que um galo canta, o sol vai se levantar para que o dia
nasça. Porém, o mistério do galo não está na ilusão de que ele seja capaz de
fazer o sol nascer; mas em que seu canto anuncia a existência do sol, que ainda
está por nascer. A felicidade vai estar sempre no futuro e nós a encontraremos
amanhã. Essa é a ideia básica da vida humana, é isso que nos faz ir em frente.
O abraço de Bolsonaro ao casal von Storch, que veio da Alemanha para afagá-lo
como novo líder de uma nova direita internacional nascente e vagabunda, é um
sintoma desse futuro sem garantias.
Gosto de ler colunas de jornal com notícias
do passado, elas podem nos ajudar a compreender o presente. Na primeira página
do Correio da Manhã do dia 12 de agosto de 1937, podia-se ler que os fascistas
haviam desfilado em Roma, sob cartazes em que Benito Mussolini, o líder do
fascismo, declarava: “Só um povo armado é forte e livre”. O mesmo que Bolsonaro
disse em Brasília, quando liberou a importação de armas no país.
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