O Globo
Dias atrás, quando emergiu um esboço de
acordo entre os negociadores russos e ucranianos, os mercados concluíram que a
guerra logo terminaria. Na sequência, veio o proverbial banho de água fria: o
Kremlin renovou seus ultimatos inaceitáveis, e as forças russas prosseguiram os
bombardeios em Kiev, enquanto reagrupavam tropas para uma nova ofensiva no
leste.
Guerras terminam nos cenários de triunfo
decisivo de um dos lados ou de um impasse custoso o suficiente para produzir
concessões substanciais dos contendores. Na Ucrânia, fracassou o plano russo de
rápida conquista e derrubada do governo de Zelensky. A eficiente resistência
militar ucraniana, sustentada pelo fluxo de material bélico ocidental, impôs
reveses surpreendentes aos invasores. Contudo o desastre inicial não provocou o
indispensável recuo diplomático de Putin. Moscou desistiu de instalar um regime
fantoche na Ucrânia, mas insiste na partição territorial do vizinho.
Putin repete ultimatos, pois sabe que um acordo minimalista equivale a uma derrota — e conhece o destino dos líderes russos batidos em guerras. Nicolau II, o último czar, caiu após as humilhações na Guerra Russo-Japonesa e na Primeira Guerra Mundial. Mikhail Gorbachev renunciou, e a URSS implodiu, sob o golpe da retirada do Afeganistão em 1989. Só a perspectiva de uma catástrofe militar iminente seria capaz de alterar os cálculos do chefe do Kremlin, conduzindo-o a uma negociação séria.
O Ocidente tem responsabilidade no
prolongamento da guerra. Numa ponta, os Estados Unidos e seus aliados da Otan
rejeitam fornecer aos ucranianos as armas necessárias para uma contraofensiva
generalizada. Na outra, a Alemanha veta a interrupção das importações europeias
de gás russo. O preço da dupla recusa é a guerra longa.
Zelensky implora por uma zona de restrição
aérea, aviões de combate, sistemas de defesa antiaérea e blindados pesados. A
primeira reivindicação é um desejo impossível, pois implicaria confronto direto
entre Otan e Rússia, a centelha de uma guerra mundial. As demais não são
atendidas porque as potências ocidentais traçaram uma fronteira entre armas
“defensivas” e “ofensivas”, simulando não saber que, na guerra moderna, todas
as armas servem aos dois propósitos.
A distinção bizarra deriva do temor de uma
reação russa envolvendo o uso de armas químicas ou nucleares. Porém inexiste
razão lógica para supor que o Kremlin decida ultrapassar a “linha vermelha”
devido à adição de aeronaves ou blindados às letais armas antitanque e
antiaéreas fornecidas em vastas quantidades aos ucranianos.
As sanções econômicas ocidentais têm
impacto significativo, mas, por excetuarem as exportações de gás russo, não
evitam o financiamento perene da guerra de agressão. Na Alemanha, maior
importador, onde quase metade do gás consumido provém da Rússia, o governo
Scholz rendeu-se à pressão do lobby de industriais e centrais sindicais, que
prevê uma hecatombe econômica na hipótese de corte de fornecimento.
Um estudo do respeitado Instituto Alemão de
Pesquisa Econômica (DIW) desmente os alarmes catastrofistas. De acordo com suas
projeções, um embargo total provocaria recuo de 3% do PIB, bem menos que os
4,5% de 2020, primeiro ano da pandemia, e não imporia racionamento até a
chegada do inverno europeu. O DIW registra, ainda, que as contas do governo
alemão excluem, curiosamente, a análise dos impactos econômicos de uma guerra
crônica em território europeu.
Sem as armas solicitadas, a Ucrânia carece
de meios para impedir o prosseguimento, por tempo indefinido, da criminosa
campanha de bombardeio de cidades conduzida pela Rússia. Sem o embargo europeu
dos combustíveis russos, Putin pode continuar pagando os custos da guerra de
agressão.
Biden e Scholz revelam uma miopia
estratégica fatal. A prudência econômica rotineira e o medo da chantagem
nuclear mantêm acesa a fogueira da guerra de agressão. A vítima direta são os
civis ucranianos, submetidos à barbárie deflagrada por Putin. A indireta é a
ordem internacional baseada em regras que nasceu com o encerramento da Guerra
Fria.
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