Em dezembro, quando me tornei avô, escrevi
aqui sobre a curiosidade de um avô otimista tentando enxergar o futuro em que
meu primeiro neto viveria. No início de março, meu segundo neto nasceu, e
comecei a me profissionalizar nesse negócio de ser avô.
A curiosidade continua a mesma, mas
confesso que o otimismo está fraquejando: enquanto meu neto nascia em Londres,
a Rússia invadia a Ucrânia. Depois da maior pandemia em mais de um século matar
milhões e transformar a vida de bilhões, assistimos ao vivo em nossos celulares
à barbárie se espalhar por uma Europa beirando a Terceira Guerra Mundial. Se a
pandemia foi um golpe mortal na ideia de um mundo de fronteiras abertas, então
a guerra na Ucrânia é o prego que faltava para fechar o caixão da globalização.
Quando o mundo a nossa volta parece sombrio, é bom lembrar que todo nascimento é sinônimo de esperança; e, quando uma criança nasce, um mundo de possibilidades se abre. Mesmo sentindo o mundo encolher em si mesmo, se fechar para o diferente e para a diversidade de cor, gênero, pensamento e crença, ao olhar meu neto, consigo enxergar nele um dos frutos maravilhosos do mundo globalizado: nasceu em Londres, filho de mãe brasileira com pai chileno, ambos com nacionalidade alemã. Imagino ele como um daqueles agentes secretos abrindo a gaveta e escolhendo passaporte como quem escolhe uma gravata ou, como orgulho de avô não tem limites, trabalhando na ONU impedindo que as costuras do mundo se rasguem. Com ele no colo, fico viajando, tentando adivinhar como esse bebê multinacional viverá, torcerá, amará, quais seus ídolos, paixões e amores.
No futebol, acho que ele deverá torcer pelo
Brasil; Chile e Inglaterra sempre jogam bem, mas não ganham nunca. Se escolher
a Alemanha, tenho sete motivos distintos para fazer de tudo para impedir. Na
música, me parece mais fácil. Ser ao mesmo tempo compatriota dos Rolling
Stones, Beatles, Caetano, Gil e Tom é uma bênção para os ouvidos. Quando
começar a ler, toda vez que visitar Londres levarei na mala as revistinhas da
Turma da Mônica, torcendo para um dia ele se dar ao luxo de ler Drummond,
Shakespeare, Neruda e Brecht no original.
Na política, o Chile hoje leva uma enorme
vantagem, com o frescor e a esperança de renovação que a nova Constituinte e
seu presidente de apenas 36 anos prometem. O Reino Unido, autoisolado da
Europa, parece estagnado no papel de ex-império em busca de relevância, e o
Brasil segue igual, paralisado por picuinhas e acreditando na velha política
corrupta, viciada e venal como solução para seus problemas.
Não importa como ou onde meu neto escolher
viver, torço que seja consciente do enorme privilégio de contar com uma bagagem
multicultural tão poderosa e de que todo privilégio exige contrapartidas de
empatia e responsabilidade. Que ele seja sempre grato por ter acesso a uma
caixa cheia de ferramentas para enfrentar um futuro que, pelo que vivemos nos
últimos tempos, será muito diferente de tudo o que imaginávamos.
Sou suspeito, mas confio plenamente em
minha filha e meu genro como grandes responsáveis pela educação, formação e
pelos grandes temas que formarão o caráter de seu filho. O papel do avô
brasileiro é secundário. Como cidadão pré-globalização com apenas nosso
passaporte azul de capa feia, serei uma espécie de adido cultural das pequenas
coisas que nos fazem únicos. Como se vai à praia no melhor estilo carioca sem
queimar o pé na areia quente, ensinar que as portas se abrem para quem sabe
sorrir, a tomar mate, comer biscoito Globo, pegar onda, chupar manga, comer
feijão-preto com arroz e banana, saber de cor a letra de “A banda”, de Chico
Buarque, ouvir de Paulinho da Viola a Tim Maia, andar de Havaianas sempre que
possível, ter pelo menos alguma simpatia pelo Fluminense, comer quindim e
brigadeiro, não levar tudo tão a sério, que é mais legal rir de si mesmo que
dos outros e, se de repente o mundo parecer estar acabando ao seu redor, manter
o otimismo lá em cima. Pode não resolver nada, mas sua vida e a de todos à sua
volta parecerão um pouco mais leves.
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