Valor Econômico
Disparada dos preços dos produtos primários
afeta a economia brasileira em várias dimensões, e com impactos conflitantes
A disparada dos preços das commodities
afeta a economia brasileira em várias dimensões, e com efeitos conflitantes. O
impacto mais óbvio é piorar as projeções de inflação, o que exige juros mais
altos, ao mesmo tempo em que contribui para a valorização do câmbio, o que
atenua parte das pressões sobre os preços. O movimento também dá gás à
atividade econômica nos setores que produzem e exportam produtos primários,
além de aumentar o saldo comercial, fortalecendo ainda mais as contas externas.
No curto prazo, as commodities mais caras engordam ainda a arrecadação de impostos e, ao elevar a inflação, aumentam o valor do PIB em termos nominais, combinação que reduz o déficit e a dívida pública como proporção do PIB. No entanto, a Selic maior, necessária para enfrentar a alta dos preços, leva ao crescimento dos gastos com juros do setor público, o que é negativo para a dinâmica do endividamento público. No primeiro trimestre deste ano, o índice de commodities CRB subiu 27%, uma das principais consequências econômicas da guerra entre Rússia e Ucrânia.
Os efeitos do conflito no Leste Europeu
para o Brasil são ambíguos, como resumem os economistas do Bradesco. De um lado
o menor crescimento global, a alta da inflação, decorrente das commodities mais
caras, e potenciais problemas na importação de fertilizantes sugerem uma
expansão mais fraca da economia brasileira e preços mais elevados, dizem eles.
De outro, observam, a expectativa de um ganho de termos de troca (a relação
entre preços de exportação e de importação), “em um contexto de baixos riscos
de solvência, favorece a apreciação da moeda, a melhora das contas públicas e a
menor aversão ao risco, que atuam na direção de maior crescimento e mitigação
de riscos inflacionários”. Para o Bradesco, o efeito líquido deve ser mais
crescimento, mais inflação e mais juros. Até o momento, porém, os termos de
troca estão em queda neste ano, porque os preços de importação têm subido mais
do que os de exportação.
O eventual impulso à atividade tende a ter
fôlego curto, uma vez que o impacto defasado da alta forte dos juros vai bater
sobre a economia no segundo semestre deste ano e no ano que vem. O custo de
empréstimos e financiamentos vai aumentar, num cenário em que a parcela das
famílias com alguma dívida atingiu o recorde de 77,5% em março, segundo
pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo
(CNC). Os juros elevados também afetam a disposição das empresas em investir em
projetos de modernização e ampliação da capacidade produtiva. De março de 2021
para cá, a Selic subiu de 2% para 11,75% ao ano, devendo avançar pelo menos
mais um ponto percentual em maio.
Na sexta-feira, o Bradesco elevou a
projeção de expansão do PIB em 2022 de 0,5% para 1%, um número nada exuberante,
mas acima do 0,5% do consenso de mercado. A agropecuária contribui para o PIB
no começo do ano, especialmente por meio das exportações de carnes, aves e
suínos, aponta a equipe liderada pelo economista Fernando Honorato, que
ressalta ainda o desempenho do setor de serviços. Além disso, o Bradesco vê o
mercado de trabalho com “um bom ritmo de criação de vagas”, ainda que a renda
esteja em queda em termos reais, num ambiente de inflação alta. Para completar,
também deve ajudar a liberação de cerca de R$ 30 bilhões do Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço (FGTS) ao longo do segundo trimestre.
As perspectivas para a inflação, por sua
vez, pioraram significativamente. O Bradesco elevou a estimativa para o Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2022 de 6% para 6,9%. A
projeção do banco é até conservadora, se comparada a previsões de outros bancos
e consultorias - há quem veja o IPCA em 8,5%. O choque de commodities, como
petróleo e produtos agrícolas, ocorre num quadro de inflação já pressionada.
O aumento de preços de commodities também tem
elevado as projeções para a balança comercial em 2022. O Bradesco trabalha com
um saldo de US$ 75,4 bilhões neste ano, 22,8% a mais do que os US$ 61,4 bilhões
do ano passado. Na sexta-feira, a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do
Ministério da Economia aumentou a estimativa de superávit comercial em 2022 de
US$ 79,4 bilhões para US$ 111,6 bilhões. Para o Bradesco, o Brasil deve ter um
déficit em conta corrente neste ano de 0,3% do PIB, bem menor que o 1,7% do PIB
de 2021. Honorato destaca que o Brasil não tem problemas de solvência de curto
prazo, um trunfo importante num ano em que o Federal Reserve (Fed, o banco
central americano) começou a elevar os juros e o mundo vive um momento
geopolítico delicado, com a guerra entre Rússia e Ucrânia. O déficit em conta
corrente é amplamente financiado por investimentos externos, observa ele,
lembrando ainda que as reservas internacionais de US$ 360 bilhões cobrem com
folga a dívida externa do setor público, de US$ 80 bilhões.
Commodities em alta, contas externas
sólidas e uma elevada diferença entre os juros externos e internos têm
contribuído para o tombo do dólar, que fechou sexta-feira em R$ 4,668. Esse
recuo da moeda americana ameniza pressões inflacionárias, mas não tem sido
suficiente para anular o efeito do aumento dos produtos primários sobre os
preços.
Nesse quadro, as previsões para o câmbio
têm sofrido diversas revisões. O Bradesco reduziu a sua estimativa para o dólar
no fim deste ano de R$ 5,30 para R$ 5,10. Fatores como os juros altos e as
commodities caras jogam a moeda para baixo, mas há outros que apontam para um
dólar mais elevado, como as incertezas no cenário global, o aumento dos juros
nos EUA e as dúvidas quanto à trajetória das contas públicas brasileiras no
médio prazo, num ano em que haverá eleições presidenciais.
No curto prazo, a alta de commodities e a
inflação elevada melhoram alguns indicadores fiscais, a exemplo do que ocorreu
em 2021. Em março, o Bradesco trabalhava com uma dívida bruta de 83,6% do PIB
para o fim deste ano e de 89,7% do PIB para o fim do ano que vem. No relatório
divulgado na sexta-feira, as estimativas caíram para 80,1% do PIB e 83,7% do
PIB, pela ordem.
Uma guerra prolongada entre Rússia e
Ucrânia tende a manter a pressão sobre os preços de commodities. Para o Brasil,
é um cenário que produz efeitos negativos e alguns positivos. Mas, como o país
enfrenta uma inflação persistente e disseminada, acima de 10% em 12 meses,
commodities mais caras incomodam mais, pelo efeito de corroer a renda,
especialmente dos mais pobres, exigindo juros altos por mais tempo, o que é
prejudicial ao crescimento.
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