segunda-feira, 4 de abril de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

São absurdos os aumentos ao funcionalismo

O Globo

A coincidência de ano eleitoral com o fim do congelamento salarial dos servidores surtiu o efeito indesejado, mas esperado: o governo federal já fala em conceder aumento geral de 5% aos servidores da União. Com o inesperado dinheiro sobrando no caixa de estados e municípios, governadores e prefeitos começaram a usar a caneta para distribuir aumentos ao funcionalismo como se não houvesse amanhã. Criam despesas permanentes com recursos que não serão renovados no futuro, contratando déficits mais à frente.

Levantamento recente do G1 e da GloboNews constatou que os 26 estados e o Distrito Federal já deram aumentos ao funcionalismo que ao todo representam gasto adicional garantido de R$ 32,7 bilhões no Orçamento anual (em alguns casos, faltava apenas a aprovação na Assembleia Legislativa, obedecido o prazo de 180 dias antes das eleições que se esgota amanhã).

A remuneração do funcionalismo foi congelada em 2020 e 2021 como contrapartida dos repasses bilionários do Tesouro para governadores e prefeitos poderem enfrentar a pandemia. O dinheiro federal ajudou estados e municípios a alcançar em 2021 o superávit primário de R$ 98 bilhões, o maior da História.

A excepcionalidade não justifica, entretanto, a incúria fiscal. O resultado deriva sobretudo do aumento da arrecadação de impostos como ICMS e ISS, turbinados pela alta da inflação, além de eventuais sobras dos bilhões oriundos dos contribuintes para o enfrentamento da pandemia. Nada disso se repete no futuro, enquanto os aumentos concedidos ficarão doravante gravados nos orçamentos.

O economista Raul Velloso chama a atenção para outra agravante: a deterioração das contas previdenciárias do setor público. As estimativas mais recentes para este ano apontam um déficit total de R$ 175,4 bilhões, dos quais R$ 78,8 bilhões na União, R$ 88,7 bilhões nos estados e Distrito Federal e R$ 7,9 bilhões nas prefeituras.

A reforma da Previdência aprovada pelo Congresso em 2019, para assalariados da iniciativa privada e servidores da União, deixou em segundo plano os estados e municípios. Pelas contas de Velloso, 2 mil prefeituras — de um total de 5.570 — deveriam implementar mudanças como consequência das novas regras. Mas, três anos depois, isso já foi feito em “no máximo” 300, ou 15%. Dos 26 estados, só 19 já promoveram reformas previdenciárias.

É certo que o congelamento por dois anos implicou perdas salariais. Nada diferente, porém, do que sofre a maior parte da população num momento de inflação em alta, economia em marcha lenta e 12 milhões de desempregados. Os governantes deveriam avaliar as reivindicações de reposição salarial sem esquecer as limitações financeiras e as demais necessidades de gastos.

Acima de tudo, os prefeitos e governadores omissos deveriam tratar de resolver o mais rápido possível a situação de suas respectivas Previdências, em vez de contarem eternamente com recursos repassados pela União, melhorias fortuitas na arrecadação ou efeitos ilusórios da inflação.

É preciso conter ameaça à globalização trazida pela agressão russa à Ucrânia

O Globo

Primeiro, foi a pandemia da Covid-19 a travar a economia global, com a interrupção nas cadeias de suprimento que até hoje causa dificuldades no setor automobilístico e numa infinidade de outros segmentos da indústria dependentes de componentes eletrônicos produzidos na Ásia. Neste ano, a invasão da Ucrânia pela Rússia adiciona riscos geopolíticos à globalização, enquanto traz a ameaça de retrocesso nacionalista na economia e na política.

Prepara-se o terreno para a defesa de projetos protecionistas como o que vigorou no Brasil durante o programa de substituição de importações de insumos básicos (celulose, fertilizantes, produtos químicos, entre outros), máquinas e equipamentos do governo Geisel. O II Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico (PND) elevou barreiras tarifárias para que empresários nacionais produzissem internamente bens que eram importados, apoiados em fartas linhas de crédito abertas no Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE) e subsidiadas pelo Tesouro Nacional.

O rompimento nas cadeias globais de suprimento pode estimular o relançamento de planos como esse, cujo desfecho é o retardamento da modernização industrial e tecnológica. A reserva de mercado e o dinheiro público farto não foram capazes de dar competitividade às empresas protegidas da competição externa. Nas décadas seguintes, o Brasil tentava reinventar a roda com um computador verde e amarelo, enquanto nos Estados Unidos Bill Gates (Microsoft) e Steve Jobs (Apple) reinventavam o computador.

Depois de resgatar da penúria centenas de milhões de pessoas — segundo o Banco Mundial, entre 1990 e 2015, em menos de uma geração, 1,1 bilhão de pessoas saíram da pobreza —, nunca a globalização e a liberdade comercial estiveram tão ameaçadas.

É possível admitir, como faz a revista britânica The Economist, a necessidade do redesenho de cadeias de suprimento para evitar a dependência de autocracias. Mas é fundamental não cair na armadilha da autossuficiência — lição que, espera-se, o Brasil deveria ter aprendido. Não é tarefa simples.

Considerando que um terço das importações dos países democráticos vem de ditaduras e um terço dos investimentos multinacionais feitos em autocracias são de democracias, é provável que canais comerciais sejam mantidos por interesses mútuos incontornáveis.

A ação militar de Putin trouxe de volta uma atmosfera de Guerra Fria. Ele procura colocar o Oriente contra o Ocidente, enquanto a China, outro país autoritário, caminha para ultrapassar os Estados Unidos como maior economia do mundo. Para isso, porém, depende de um amplo e livre comércio para continuar a crescer a taxas elevadas. As fortes sanções contra a Rússia estão sendo didáticas para o chinês Xi Jinping. Com a globalização nas cordas, ele sabe que é preciso manter mentes e fronteiras abertas, apesar de tudo.

Sem saída

Folha de S. Paulo

Expectativa de reajuste criada por Bolsonaro ameaça serviços e o caixa federal

Termina nesta segunda (4) o prazo legal de seis meses antes da eleição para que o governo defina um eventual reajuste real para o funcionalismo. Trata-se de discussão que só está em pauta porque Jair Bolsonaro (PL) criou um problema para sua própria gestão.

O mandatário atuou outra vez como sindicalista para aprovar a previsão, no Orçamento deste ano, de R$ 1,7 bilhão para um aumento despropositado das remunerações de Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Departamento Penitenciário Nacional. Como seria de prever, a benesse mobilizou as demais categorias do serviço público.

Para um Estado largamente deficitário e um país em prostração econômica, transferir mais renda a corporações que pertencem à elite da sociedade não é uma escolha razoável. Agora, a insatisfação semeada entre os profissionais ameaça a administração e seus serviços.

Os funcionários do Banco Central entraram em greve por tempo indeterminado na sexta (1º). A paralisação poderá interromper parcialmente o Pix e a distribuição de moedas e cédulas, além de suspender, parcial ou totalmente, a divulgação de taxas financeiras e da pesquisa Focus, que consolida projeções do mercado.

Poderá afetar ainda a manutenção do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) e da mesa de operações do mercado aberto.

Em outra frente, auditores da Receita Federal pleiteiam para já a regulamentação de um bônus por produtividade negociado em 2016 e até agora não implementado. Na mesma sexta, avisaram que, se a demanda não for atendida, a mobilização será intensificada.

Auditores são responsáveis por vistorias em aeroportos internacionais e demais alfândegas do país. Seu movimento pode comprometer não apenas o trânsito de viajantes mas sobretudo o fluxo de cargas em portos e rodovias, incluindo produtos agropecuários.

O Ministério da Economia avalia um remendo para tentar acalmar o funcionalismo, considerando que a Lei Eleitoral permite a qualquer momento a mera recomposição de perdas com a inflação do ano.

Dado que a variação dos preços ao consumidor neste 2022 deve ficar entre 6% e 7%, técnicos do governo trabalham com a possibilidade de conceder aos servidores um reajuste linear de 5%.

Nessa hipótese haveria a cumprir exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe elevar despesas permanentes com pessoal seis meses antes do fim do mandato, ou seja, a partir de julho. O governo ganharia, assim, mais alguns meses para uma decisão.

Entre prejudicar as contas públicas e descontentar as corporações do Estado, o governo Bolsonaro deverá conseguir as duas coisas.

Fora de hora e lugar

Folha de S. Paulo

Projeto que altera lei antiterror carece de justificativa e desperta preocupação

Ao propor que o Congresso Nacional atualize a Lei Antiterrorismo, de 2016, Jair Bolsonaro (PL) reacende preocupações que já se faziam presentes na aprovação desse diploma legal, no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

O projeto enviado por Bolsonaro ao Congresso acrescenta na definição de terrorismo "ações violentas com fins políticos ou ideológicos".

Para a lei em vigor são atos de "xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública".

O problema, mais uma vez, está na amplitude do conceito, que no limite pode dar margem a criminalizar protestos sociais —ainda que o texto explicite não atingir manifestações reivindicatórias "de caráter pacífico". A esse respeito, atos violentos já são punidos pelos dispositivos penais existentes.

Já causa estranheza a iniciativa de alterar legislação tão recente, versando sobre tema que está longe de figurar entre as maiores preocupações nacionais. Mais ainda em se tratando de Bolsonaro em um ano eleitoral —governantes de índole autoritária ao redor do mundo fazem uso de legislações antiterrorismo para fortalecer a perseguição a oponentes políticos.

Os questionamentos à legislação antiterror datam dos debates no governo Dilma. À época, o projeto apresentado pelo Executivo, impulsionado por temores relacionados aos Jogos Olímpicos de 2016, já era desequilibrado.

Havia nele problemas como definições vagas ("atentar gravemente contra as instituições democráticas", por exemplo) e a possibilidade de punição por delitos de opinião, entre outros. O texto, felizmente, foi aperfeiçoado durante a tramitação no Congresso Nacional.

Um alargamento das definições legais eleva o risco de interpretações equivocadas por quem por ofício deve aplicar tais regras, como juízes e promotores.

Mesmo que o Brasil tenha, corretamente, assumido compromissos internacionais de combate ao terrorismo, há que tomar máximo cuidado para não estabelecer normas que deem margem ao arbítrio.

O Congresso tem a missão de analisar com prudência a proposta do Executivo —ou, preferencialmente, pode deixar o tema de lado. Não se vê nenhuma evidência de que o país precise de uma legislação diferente para tal finalidade.

O que a indústria espera do Congresso

O Estado de S. Paulo

Mesmo em um ano eleitoral, este particularmente conturbado e imprevisível, é preciso que o Legislativo tome decisões para melhorar o ambiente econômico

Embora em ano eleitoral, como este, questões complexas e cujas soluções implicam negociações igualmente difíceis tendam a ser adiadas, problemas não resolvidos continuam a afetar atividades essenciais. O mundo real não para. A indústria brasileira, por exemplo, há anos vivendo uma crise que a pandemia apenas acentuou, precisa não apenas de decisões corajosas e corretas de seus dirigentes, mas também, e até com urgência, de medidas institucionais que tornem suas operações menos onerosas e mais eficazes para voltar a impulsionar a economia nacional e melhorar sua competitividade.

Assim, mesmo sendo 2022 um ano eleitoral, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) apresentou sua agenda legislativa. É um conjunto de 151 propostas escolhidas pelos dirigentes industriais como necessárias para fazer voltar a crescer esse setor que gera os melhores empregos e moderniza a economia brasileira, mas está perdendo seu potencial transformador do País.

A redução expressiva do peso da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro nos últimos anos é um dos indicadores mais visíveis da crise do setor secundário. Também nos países desenvolvidos a indústria ficou proporcionalmente menor do que outros setores da economia, mas essa mudança ocorreu quando essas economias haviam atingido alto nível de eficiência e renda.

Outra face da crise da indústria foi desenhada por um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) no qual se constata que a produtividade da economia brasileira em 2021 foi a mais baixa em 12 anos, conforme reportagem do Valor Econômico. O setor que mais puxou o resultado para baixo foi a indústria de transformação. A perda de eficiência, ao contrário do que poderia sugerir uma interpretação apressada, não se deveu à pandemia. Trata-se de uma tendência observada há bem mais tempo. Nem a expressiva melhora do desempenho da agropecuária e dos serviços tem sido suficiente para compensar a piora da indústria.

Investe-se pouco na indústria, sobretudo em pesquisa e desenvolvimento, daí o setor ter tido em 2021, segundo a pesquisa, sua produtividade mais baixa desde 1995. Se nada mudar, é possível que essa tendência se mantenha. Será ruim não apenas para o setor, mas para toda a economia brasileira. A indústria de transformação tem sido o motor da economia brasileira, como disse o economista da FGV Claudio Considera, pois impulsiona mudanças produtivas e tecnológicas, cria empregos com maior exigência de qualificação profissional e melhor remuneração, gerando produtos de maior valor agregado.

É possível mudar a tendência e fazer a indústria retomar com mais vigor o papel que historicamente desempenhou no crescimento e na modernização do País. Retomar esse papel exige que a indústria tenha condições e estímulos para voltar a investir e a se modernizar na velocidade imposta pelas transformações pelas quais passa a economia mundial.

“A redução do Custo Brasil, somada ao controle da inflação, a juros baixos e ao maior equilíbrio fiscal, é o caminho para a maior competitividade do setor produtivo, para a atração de investimentos e para o crescimento sustentado”, diz o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, na apresentação da agenda legislativa da entidade para este ano.

Uma reforma que modernize, simplifique e torne mais eficiente o sistema de impostos é o item mais importante entre os 12 que a CNI considera a pauta mínima de sua agenda legislativa. É tema politicamente espinhoso, como tornam evidente as dificuldades para o avanço da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 110/2019, que muda a tributação sobre o consumo, mas provoca divisões entre os setores industrial e de serviços. A PEC ainda aguarda decisão da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, antes de seguir para o plenário da Casa.

Além de outras medidas tributárias, a pauta mínima inclui também a modernização do setor elétrico, a regulação do mercado de carbono, alterações no marco legal das startups e medidas nas áreas trabalhista e previdenciária.

Ou seja, há muito a fazer, agora e na próxima legislatura.

O desemprego como legado

O Estado de S. Paulo

Metade do próximo mandato presidencial poderá ser assombrada por desocupação ainda muito elevada, talvez acima de 10%

Desemprego acima de 10% poderá estender-se até 2024, segundo economistas do setor financeiro, e todo candidato a presidente deveria levar a sério essa previsão. Se esse prognóstico se confirmar, metade do novo mandato será vivida num cenário ainda sombrio, com negócios emperrados e muitos milhões de brasileiros ainda atolados na pobreza. Ninguém deveria chegar ao Palácio do Planalto, em janeiro do próximo ano, sem um plano para vencer a estagnação econômica, reindustrializar o País, ampliar o emprego e, é claro, arrumar as contas federais e controlar a dívida pública. Mesmo com desocupação pouco abaixo de dois dígitos, o quadro ainda será muito ruim – certamente pior do que na maior parte das grandes economias.

Ainda há muita gente sem renda, apesar de alguma melhora no mercado de trabalho desde o ano passado, comentou o economista Maurício Nakahodo, do Banco MUFG Brasil, citado pelo Estadão. Num cenário mais favorável, mais trabalhadores poderão entrar no mercado, ou simplesmente retornar, e a oferta de vagas poderá ser insuficiente para acomodar essa demanda. O economista Rodolfo Margato, da XP Investimentos, estima desemprego de 11% no fim deste ano e de 10,4% no encerramento do próximo. Pelos últimos dados oficiais, os desocupados eram 12 milhões no trimestre dezembro-fevereiro – uma parcela correspondente a 11,2% da força de trabalho.

A lenta melhora do emprego, as condições atuais da atividade e as projeções de avanço da economia dão credibilidade aos prognósticos pouco otimistas em relação ao mercado de trabalho. O setor industrial continua muito fraco, numa trajetória com muitos tropeços. Em fevereiro, a indústria produziu 0,7% mais que no mês anterior. Esse aumento ficou longe de compensar o tombo de janeiro, quando o volume produzido diminuiu 2,2%. Em 12 meses houve expansão de 2,8%, um ganho insuficiente para afetar de forma significativa a trajetória mais longa.

A produção acumulada no ano foi 5,8% menor que a do primeiro bimestre de 2021. Além disso, o desempenho registrado em fevereiro foi 2,6% inferior ao de dois anos antes, isto é, do mês anterior ao primeiro grande impacto da pandemia. Mas o quadro mais amplo é bem mais feio. A média do trimestre até fevereiro ficou 18,9% abaixo do pico histórico registrado em maio de 2011. Houve oscilações, naturalmente, nos anos seguintes, mas a tendência geral foi de enfraquecimento da indústria.

Em todo esse período houve alto desemprego, geralmente acima de 7% da força de trabalho. Tomem-se, por exemplo, os números do trimestre móvel de dezembro a fevereiro. Entre 2013 e 2022, a taxa foi superior a 10% em sete anos. O último levantamento mostrou uma desocupação de 11,2%, com 12 milhões de pessoas em busca de vagas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Não há, por enquanto, sinais de grande mudança neste ano e no próximo. Divulgadas há poucos dias, as novas projeções do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam crescimento de 1,1% para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2022 e de 1,7% em 2023.

A expansão será sustentada pela agropecuária e pelos serviços. A produção industrial deve encolher 0,8% neste ano e crescer 0,8% no próximo. Do lado da demanda, o relatório destaca a expansão de 1,1% do consumo familiar, neste ano, favorecido pelo Auxílio Brasil e por alguma melhora do emprego e do crédito. Mas é difícil imaginar condições de crédito muito mais favoráveis, quando se preveem juros básicos de 12,75% a partir de maio.

Em outro estudo, também divulgado em março, o Ipea estima para 2022 um crescimento do emprego menos acentuado que o do último ano, por causa de “um desempenho mais moderado da atividade econômica”.

Enfim, a inflação poderá ser menor que a de 2021, mas deverá superar 6,5%, segundo projeção do mercado. A alta de preços continuará, portanto, erodindo o poder de compra das famílias, e também esse detalhe é importante para qualquer visão prospectiva – dos cidadãos, dos empresários e, naturalmente, dos candidatos à Presidência.

Corte de imposto contra inflação

O Estado de S. Paulo

Mais importação pode ser usada para conter preços, mas cotações externas também são altas e favorecem o Brasil

Confrontado com inflação superior a 10% ao ano, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tenta conter a alta de preços baixando impostos e facilitando a importação de artigos de consumo e de bens de produção. Os cortes poderão ser ampliados, segundo informou o Estadão, se as empresas deixarem de repassar ao consumidor os benefícios já concedidos. Não há como avaliar, por enquanto, o efeito dessas medidas, mas vale a pena chamar a atenção, inicialmente, para um ponto. A inflação tem sido afetada pelas cotações internacionais de minérios e de alimentos. Essas cotações subiram, inicialmente, com a recuperação econômica pós-pandemia e, depois, com os desarranjos causados pela guerra na Ucrânia. Isso pode limitar os efeitos de uma iniciativa para facilitar as importações.

Em segundo lugar, convém levar em conta os preços por atacado no mercado interno. Esses preços têm sido afetados pelas cotações externas, pelo câmbio e por eventos domésticos, como excesso de chuvas em algumas áreas e escassez em outras. Esses preços continuam subindo de forma sensível, embora o ritmo tenha diminuído recentemente. O aumento mensal do Índice de Preços ao Produtor (IPP) passou de 1,20% em janeiro para 0,56% em fevereiro, mas a alta em 12 meses chegou a 20,05%, uma taxa muito elevada e repassada, como é normal, apenas parcialmente ao consumidor. Esse indicador mede a variação dos preços industriais na porta de fábrica, sem impostos e sem transporte, e é calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Também a Fundação Getulio Vargas (FGV) mostrou uma desaceleração de seu Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA). A variação passou de 2,36% em fevereiro para 2,07% em março, segundo o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M). Este amplo indicador é formado por três componentes. O IPA é o mais importante, com peso de 60% no conjunto. Os preços ao consumidor correspondem a 30% do conjunto e os custos da construção, a 10%. A variação do IPA em 12 meses chegou a 16,55%, enquanto os preços ao consumidor subiram 9,19%.

Os dois indicadores de preços por atacado – o do IBGE e o da FGV – continuam fortemente influenciados pelo mercado internacional, muito dependente, hoje, do presidente Vladimir Putin e pouco afetado pelas preocupações das autoridades brasileiras. No caso do Brasil, há motivos tanto para celebrar quanto para lamentar a evolução dos preços globais das matérias-primas. O efeito inflacionário é econômica e socialmente ruim e politicamente custoso para as autoridades, mas o benefício comercial é inegável, com aumento da receita de exportação e do superávit na conta de mercadorias.

Uma sólida conta comercial garante reservas em dólares e segurança contra crises cambiais, muito dolorosas para a maioria dos trabalhadores. Mas essa segurança é pouco notada pela maioria das pessoas, assim como a segurança proporcionada por detalhes de engenharia pouco visíveis para os leigos. O efeito inflacionário dos preços internacionais elevados é muito mais perceptível.

Pressão por reajuste para servidor fura teto e desrespeita sociedade

Valor Econômico

Investimento direto não está eternamente imune ao efeito negativo de políticas como a deterioração das condições fiscais

No momento em que a economia brasileira volta a desacelerar de maneira significativa, o governo Bolsonaro cogita reajustar os salários de todo o funcionalismo público. A correção seria de 5% e teria impacto estimado, no orçamento deste ano, de R$ 5 bilhões, caso a medida seja aprovada até o fim de junho e, portanto, tenha efeito durante seis meses em 2022. Em 2023, a conta aumentaria para R$ 8,3 bilhões, considerando-se apenas o gasto do Poder Executivo. É de se esperar que a despesa suba além desses valores, uma vez que os poderes Legislativo e Judiciário, além do Ministério Público Federal (MPF), exigirão o mesmo tratamento ou algo até mais generoso.

No caso da magistratura e do MPF, há projeto em tramitação no Congresso para mudar os planos de carreira com objetivo aparentemente nobre: aumentar a distância entre o menor salário de entrada e o de saída. O problema é que a solução proposta carece de nobreza - a ideia é aumentar o valor do salário com o qual juízes e procuradores se aposentam, em vez de reduzir o vencimento básico das duas carreiras.

A ideia de reajustar os salários do funcionalismo em pleno ano eleitoral é do presidente Jair Bolsonaro. Candidato à reeleição, no fim do ano passado manifestou publicamente a intenção de conceder aumento linear, isto é, a todas as carreiras, de 5%. Inicialmente, o plano seria corrigir os vencimentos dos policiais federais, mas, logo, Bolsonaro percebeu que beneficiar uma carreira, em detrimento de todas as outras, não é politicamente recomendável em Brasília.

Se tem um setor da sociedade que o presidente conhece bem é o funcionalismo. Foi com os votos dessa corporação e dos militares, da ativa e da reserva, que Bolsonaro obteve sete mandatos consecutivos como deputado federal pelo Rio de Janeiro, onde ainda se concentra o maior contingente de funcionários públicos do país. Durante 28 anos, a bandeira do presidente no Legislativo foi única: defender os interesses do funcionalismo civil e militar.

Na lei orçamentária deste ano, está previsto R$ 1,7 bilhão para reajuste dos servidores. O texto, porém, não especifica que categorias serão contempladas. É por essa razão que, se o governo optar por aumento linear de 5%, precisará remanejar R$ 3,3 bilhões de outras despesas. A diferença pode vir de verbas originalmente destinadas a emendas de relator ao orçamento, conhecidas por falta de transparência.

Seja qual for o caminho escolhido, será necessário que o Congresso aprove mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Há um projeto de lei em tramitação que altera a LDO, mas não trata desse tema. Ainda assim, o reajuste esbarra no teto constitucional de gastos, em vigor desde 2017.

O teto foi adotado como medida radical de controle da expansão desenfreada que os gastos públicos vinham tendo há quase três décadas, agravada durante os quase 5,5 anos de gestão da presidente Dilma Rousseff, que abandonou a disciplina fiscal e recolocou o setor público na rota do endividamento exponencial. Instituído por emenda constitucional, o teto tem validade de dez anos, renovável por mais dez. No fundo, por tratar-se de mecanismo rígido, deve vigorar até que a sociedade, por meio do Congresso, defina o tamanho do Estado no Brasil.

O teto limitou a evolução das despesas à variação da inflação do ano anterior, tomando-se como base o orçamento de 2016. Isto significa, e este é o "detalhe" ainda incompreendido por boa parte da classe política, que arrecadar mais tributos não significa ter dinheiro de sobra para gastar porque o limite da despesa já está dado. Quando a receita cresce, como ocorreu no ano passado, a destinação deve ser a amortização da dívida, iniciativa que, ao longo do tempo, reduz o volume de juros pagos pela União e, consequentemente, o custo da dívida, o que, por sua vez, libera recursos para outras áreas.

A existência do teto não impediu que, diante de uma crise grave e inesperada, como foi a pandemia nos últimos dois anos, o governo pudesse atuar para minorar seus efeitos. Sempre haverá espaço de manobra, desde que não se torne rotina mudar regras do teto para realizar gastos injustificáveis.

A área econômica do governo, comandada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, é contrária ao reajuste do funcionalismo. “Isso vai ser como tirar o pino da granada. Vai explodir tudo", disse Guedes a assessores, segundo a colunista Cláudia Safatle. O ministro está coberto de razão. A contenção do gasto com salários tem sido o cerne da política fiscal do governo Bolsonaro.

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