EDITORIAIS
São absurdos os aumentos ao funcionalismo
O Globo
A coincidência de ano eleitoral com o fim
do congelamento salarial dos servidores surtiu o efeito indesejado, mas
esperado: o governo federal já fala em conceder aumento geral de 5% aos
servidores da União. Com o inesperado dinheiro sobrando no caixa de estados e
municípios, governadores e prefeitos começaram a usar a caneta para distribuir
aumentos ao funcionalismo como se não houvesse amanhã. Criam despesas
permanentes com recursos que não serão renovados no futuro, contratando
déficits mais à frente.
Levantamento recente do G1 e da GloboNews
constatou que os 26 estados e o Distrito Federal já deram aumentos ao
funcionalismo que ao todo representam gasto adicional garantido de R$ 32,7
bilhões no Orçamento anual (em alguns casos, faltava apenas a aprovação na
Assembleia Legislativa, obedecido o prazo de 180 dias antes das eleições que se
esgota amanhã).
A remuneração do funcionalismo foi congelada em 2020 e 2021 como contrapartida dos repasses bilionários do Tesouro para governadores e prefeitos poderem enfrentar a pandemia. O dinheiro federal ajudou estados e municípios a alcançar em 2021 o superávit primário de R$ 98 bilhões, o maior da História.
A excepcionalidade não justifica,
entretanto, a incúria fiscal. O resultado deriva sobretudo do aumento da arrecadação
de impostos como ICMS e ISS, turbinados pela alta da inflação, além de
eventuais sobras dos bilhões oriundos dos contribuintes para o enfrentamento da
pandemia. Nada disso se repete no futuro, enquanto os aumentos concedidos
ficarão doravante gravados nos orçamentos.
O economista Raul Velloso chama a atenção
para outra agravante: a deterioração das contas previdenciárias do setor
público. As estimativas mais recentes para este ano apontam um déficit total de
R$ 175,4 bilhões, dos quais R$ 78,8 bilhões na União, R$ 88,7 bilhões nos
estados e Distrito Federal e R$ 7,9 bilhões nas prefeituras.
A reforma da Previdência aprovada pelo
Congresso em 2019, para assalariados da iniciativa privada e servidores da
União, deixou em segundo plano os estados e municípios. Pelas contas de
Velloso, 2 mil prefeituras — de um total de 5.570 — deveriam implementar
mudanças como consequência das novas regras. Mas, três anos depois, isso já foi
feito em “no máximo” 300, ou 15%. Dos 26 estados, só 19 já promoveram reformas
previdenciárias.
É certo que o congelamento por dois anos
implicou perdas salariais. Nada diferente, porém, do que sofre a maior parte da
população num momento de inflação em alta, economia em marcha lenta e 12
milhões de desempregados. Os governantes deveriam avaliar as reivindicações de
reposição salarial sem esquecer as limitações financeiras e as demais
necessidades de gastos.
Acima de tudo, os prefeitos e governadores
omissos deveriam tratar de resolver o mais rápido possível a situação de suas
respectivas Previdências, em vez de contarem eternamente com recursos
repassados pela União, melhorias fortuitas na arrecadação ou efeitos ilusórios
da inflação.
É preciso conter ameaça à globalização
trazida pela agressão russa à Ucrânia
O Globo
Primeiro, foi a pandemia da Covid-19 a
travar a economia global, com a interrupção nas cadeias de suprimento que até
hoje causa dificuldades no setor automobilístico e numa infinidade de outros
segmentos da indústria dependentes de componentes eletrônicos produzidos na
Ásia. Neste ano, a invasão da Ucrânia pela Rússia adiciona riscos geopolíticos
à globalização, enquanto traz a ameaça de retrocesso nacionalista na economia e
na política.
Prepara-se o terreno para a defesa de
projetos protecionistas como o que vigorou no Brasil durante o programa de
substituição de importações de insumos básicos (celulose, fertilizantes,
produtos químicos, entre outros), máquinas e equipamentos do governo Geisel. O
II Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico (PND) elevou barreiras
tarifárias para que empresários nacionais produzissem internamente bens que
eram importados, apoiados em fartas linhas de crédito abertas no Banco Nacional
do Desenvolvimento Econômico (BNDE) e subsidiadas pelo Tesouro Nacional.
O rompimento nas cadeias globais de
suprimento pode estimular o relançamento de planos como esse, cujo desfecho é o
retardamento da modernização industrial e tecnológica. A reserva de mercado e o
dinheiro público farto não foram capazes de dar competitividade às empresas protegidas
da competição externa. Nas décadas seguintes, o Brasil tentava reinventar a
roda com um computador verde e amarelo, enquanto nos Estados Unidos Bill Gates
(Microsoft) e Steve Jobs (Apple) reinventavam o computador.
Depois de resgatar da penúria centenas de
milhões de pessoas — segundo o Banco Mundial, entre 1990 e 2015, em menos de
uma geração, 1,1 bilhão de pessoas saíram da pobreza —, nunca a globalização e
a liberdade comercial estiveram tão ameaçadas.
É possível admitir, como faz a revista britânica
The Economist, a necessidade do redesenho de cadeias de suprimento para evitar
a dependência de autocracias. Mas é fundamental não cair na armadilha da
autossuficiência — lição que, espera-se, o Brasil deveria ter aprendido. Não é
tarefa simples.
Considerando que um terço das importações
dos países democráticos vem de ditaduras e um terço dos investimentos
multinacionais feitos em autocracias são de democracias, é provável que canais
comerciais sejam mantidos por interesses mútuos incontornáveis.
A ação militar de Putin trouxe de volta uma
atmosfera de Guerra Fria. Ele procura colocar o Oriente contra o Ocidente,
enquanto a China, outro país autoritário, caminha para ultrapassar os Estados
Unidos como maior economia do mundo. Para isso, porém, depende de um amplo e
livre comércio para continuar a crescer a taxas elevadas. As fortes sanções
contra a Rússia estão sendo didáticas para o chinês Xi Jinping. Com a
globalização nas cordas, ele sabe que é preciso manter mentes e fronteiras
abertas, apesar de tudo.
Sem saída
Folha de S. Paulo
Expectativa de reajuste criada por
Bolsonaro ameaça serviços e o caixa federal
Termina nesta segunda (4) o prazo legal de
seis meses antes da eleição para que o governo defina um eventual reajuste real
para o funcionalismo. Trata-se de discussão que só está em pauta porque Jair
Bolsonaro (PL) criou
um problema para sua própria gestão.
O mandatário atuou outra vez como
sindicalista para aprovar a previsão, no Orçamento deste ano, de R$ 1,7 bilhão
para um aumento despropositado das remunerações de Polícia Federal, Polícia
Rodoviária Federal e Departamento Penitenciário Nacional. Como seria de prever,
a benesse mobilizou as demais categorias do serviço público.
Para um Estado largamente deficitário e um
país em prostração econômica, transferir mais renda a corporações que pertencem
à elite da sociedade não é uma escolha razoável. Agora, a insatisfação semeada
entre os profissionais ameaça a administração e seus serviços.
Os funcionários do Banco Central entraram
em greve por tempo indeterminado na sexta (1º). A paralisação poderá
interromper parcialmente o Pix e a distribuição de moedas e cédulas, além de
suspender, parcial ou totalmente, a divulgação de taxas financeiras e da
pesquisa Focus, que consolida projeções do mercado.
Poderá afetar ainda a manutenção do Sistema
de Pagamentos Brasileiro (SPB) e da mesa de operações do mercado aberto.
Em outra frente, auditores
da Receita Federal pleiteiam para já a regulamentação de um bônus por
produtividade negociado em 2016 e até agora não implementado. Na mesma sexta,
avisaram que, se a demanda não for atendida, a mobilização será intensificada.
Auditores são responsáveis por vistorias em
aeroportos internacionais e demais alfândegas do país. Seu movimento pode
comprometer não apenas o trânsito de viajantes mas sobretudo o fluxo de cargas
em portos e rodovias, incluindo produtos agropecuários.
O Ministério da Economia avalia um remendo
para tentar acalmar o funcionalismo, considerando que a Lei Eleitoral permite a
qualquer momento a mera recomposição de perdas com a inflação do ano.
Dado que a variação dos preços ao
consumidor neste 2022 deve ficar entre 6% e 7%, técnicos do governo trabalham
com a possibilidade de conceder aos servidores um reajuste linear de 5%.
Nessa hipótese haveria a cumprir exigências
da Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe elevar despesas permanentes com
pessoal seis meses antes do fim do mandato, ou seja, a partir de julho. O governo
ganharia, assim, mais alguns meses para uma decisão.
Entre prejudicar as contas públicas e
descontentar as corporações do Estado, o governo Bolsonaro deverá conseguir as
duas coisas.
Fora de hora e lugar
Folha de S. Paulo
Projeto que altera lei antiterror carece de
justificativa e desperta preocupação
Ao propor que o Congresso Nacional atualize
a Lei Antiterrorismo, de 2016, Jair Bolsonaro (PL) reacende preocupações
que já se faziam presentes na aprovação desse diploma legal, no governo da
ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
O projeto enviado por Bolsonaro ao
Congresso acrescenta na definição de terrorismo "ações violentas com fins
políticos ou ideológicos".
Para a lei em vigor são atos de
"xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião,
quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado,
expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade
pública".
O problema, mais uma vez, está na amplitude
do conceito, que no limite pode dar margem a criminalizar protestos sociais
—ainda que o texto explicite não atingir manifestações reivindicatórias
"de caráter pacífico". A esse respeito, atos violentos já são punidos
pelos dispositivos penais existentes.
Já causa estranheza a iniciativa de alterar
legislação tão recente, versando sobre tema que está longe de figurar entre as
maiores preocupações nacionais. Mais ainda em se tratando de Bolsonaro em um
ano eleitoral —governantes de índole autoritária ao redor do mundo fazem uso de
legislações antiterrorismo para fortalecer a perseguição a oponentes políticos.
Os questionamentos à legislação antiterror
datam dos debates no governo Dilma. À época, o projeto apresentado pelo
Executivo, impulsionado por temores relacionados aos Jogos Olímpicos de 2016,
já era desequilibrado.
Havia nele problemas como definições vagas
("atentar gravemente contra as instituições democráticas", por
exemplo) e a possibilidade de punição por delitos de opinião, entre outros. O
texto, felizmente, foi aperfeiçoado durante a tramitação no Congresso Nacional.
Um alargamento das definições legais eleva
o risco de interpretações equivocadas por quem por ofício deve aplicar tais
regras, como juízes e promotores.
Mesmo que o Brasil tenha, corretamente,
assumido compromissos internacionais de combate ao terrorismo, há que tomar
máximo cuidado para não estabelecer normas que deem margem ao arbítrio.
O Congresso tem a missão de analisar com prudência a proposta do Executivo —ou, preferencialmente, pode deixar o tema de lado. Não se vê nenhuma evidência de que o país precise de uma legislação diferente para tal finalidade.
O que a indústria espera do Congresso
O Estado de S. Paulo
Mesmo em um ano eleitoral, este particularmente conturbado e imprevisível, é preciso que o Legislativo tome decisões para melhorar o ambiente econômico
Embora em ano eleitoral, como este,
questões complexas e cujas soluções implicam negociações igualmente difíceis
tendam a ser adiadas, problemas não resolvidos continuam a afetar atividades
essenciais. O mundo real não para. A indústria brasileira, por exemplo, há anos
vivendo uma crise que a pandemia apenas acentuou, precisa não apenas de
decisões corajosas e corretas de seus dirigentes, mas também, e até com
urgência, de medidas institucionais que tornem suas operações menos onerosas e
mais eficazes para voltar a impulsionar a economia nacional e melhorar sua
competitividade.
Assim, mesmo sendo 2022 um ano eleitoral, a Confederação
Nacional da Indústria (CNI) apresentou sua agenda legislativa. É um
conjunto de 151 propostas escolhidas pelos dirigentes industriais como
necessárias para fazer voltar a crescer esse setor que gera os melhores
empregos e moderniza a economia brasileira, mas está perdendo seu potencial
transformador do País.
A redução expressiva do peso da indústria
no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro nos últimos anos é um dos indicadores
mais visíveis da crise do setor secundário. Também nos países desenvolvidos a
indústria ficou proporcionalmente menor do que outros setores da economia, mas
essa mudança ocorreu quando essas economias haviam atingido alto nível de
eficiência e renda.
Outra face da crise da indústria foi
desenhada por um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) no qual se constata
que a produtividade da economia brasileira em 2021 foi a mais baixa em 12 anos,
conforme reportagem do Valor Econômico. O setor que mais puxou o resultado para
baixo foi a indústria de transformação. A perda de eficiência, ao contrário do
que poderia sugerir uma interpretação apressada, não se deveu à pandemia.
Trata-se de uma tendência observada há bem mais tempo. Nem a expressiva melhora
do desempenho da agropecuária e dos serviços tem sido suficiente para compensar
a piora da indústria.
Investe-se pouco na indústria, sobretudo em
pesquisa e desenvolvimento, daí o setor ter tido em 2021, segundo a pesquisa,
sua produtividade mais baixa desde 1995. Se nada mudar, é possível que essa
tendência se mantenha. Será ruim não apenas para o setor, mas para toda a
economia brasileira. A indústria de transformação tem sido o motor da economia
brasileira, como disse o economista da FGV Claudio Considera, pois impulsiona
mudanças produtivas e tecnológicas, cria empregos com maior exigência de
qualificação profissional e melhor remuneração, gerando produtos de maior valor
agregado.
É possível mudar a tendência e fazer a
indústria retomar com mais vigor o papel que historicamente desempenhou no
crescimento e na modernização do País. Retomar esse papel exige que a indústria
tenha condições e estímulos para voltar a investir e a se modernizar na
velocidade imposta pelas transformações pelas quais passa a economia mundial.
“A redução do Custo Brasil, somada ao
controle da inflação, a juros baixos e ao maior equilíbrio fiscal, é o caminho
para a maior competitividade do setor produtivo, para a atração de
investimentos e para o crescimento sustentado”, diz o presidente da CNI, Robson
Braga de Andrade, na apresentação da agenda legislativa da entidade para este
ano.
Uma reforma que modernize, simplifique e
torne mais eficiente o sistema de impostos é o item mais importante entre os 12
que a CNI considera a pauta mínima de sua agenda legislativa. É tema
politicamente espinhoso, como tornam evidente as dificuldades para o avanço da
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 110/2019, que muda a tributação sobre o
consumo, mas provoca divisões entre os setores industrial e de serviços. A PEC
ainda aguarda decisão da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, antes de
seguir para o plenário da Casa.
Além de outras medidas tributárias, a pauta
mínima inclui também a modernização do setor elétrico, a regulação do mercado
de carbono, alterações no marco legal das startups e medidas nas áreas
trabalhista e previdenciária.
Ou seja, há muito a fazer, agora e na
próxima legislatura.
O desemprego como legado
O Estado de S. Paulo
Metade do próximo mandato presidencial poderá ser assombrada por desocupação ainda muito elevada, talvez acima de 10%
Desemprego acima de 10% poderá estender-se
até 2024, segundo economistas do setor financeiro, e todo candidato a
presidente deveria levar a sério essa previsão. Se esse prognóstico se
confirmar, metade do novo mandato será vivida num cenário ainda sombrio, com
negócios emperrados e muitos milhões de brasileiros ainda atolados na pobreza.
Ninguém deveria chegar ao Palácio do Planalto, em janeiro do próximo ano, sem
um plano para vencer a estagnação econômica, reindustrializar o País, ampliar o
emprego e, é claro, arrumar as contas federais e controlar a dívida pública.
Mesmo com desocupação pouco abaixo de dois dígitos, o quadro ainda será muito
ruim – certamente pior do que na maior parte das grandes economias.
Ainda há muita gente sem renda, apesar de
alguma melhora no mercado de trabalho desde o ano passado, comentou o
economista Maurício Nakahodo, do Banco MUFG Brasil, citado pelo Estadão. Num cenário mais
favorável, mais trabalhadores poderão entrar no mercado, ou simplesmente
retornar, e a oferta de vagas poderá ser insuficiente para acomodar essa
demanda. O economista Rodolfo Margato, da XP Investimentos, estima desemprego
de 11% no fim deste ano e de 10,4% no encerramento do próximo. Pelos últimos
dados oficiais, os desocupados eram 12 milhões no trimestre dezembro-fevereiro
– uma parcela correspondente a 11,2% da força de trabalho.
A lenta melhora do emprego, as condições
atuais da atividade e as projeções de avanço da economia dão credibilidade aos
prognósticos pouco otimistas em relação ao mercado de trabalho. O setor
industrial continua muito fraco, numa trajetória com muitos tropeços. Em
fevereiro, a indústria produziu 0,7% mais que no mês anterior. Esse aumento
ficou longe de compensar o tombo de janeiro, quando o volume produzido diminuiu
2,2%. Em 12 meses houve expansão de 2,8%, um ganho insuficiente para afetar de
forma significativa a trajetória mais longa.
A produção acumulada no ano foi 5,8% menor
que a do primeiro bimestre de 2021. Além disso, o desempenho registrado em
fevereiro foi 2,6% inferior ao de dois anos antes, isto é, do mês anterior ao
primeiro grande impacto da pandemia. Mas o quadro mais amplo é bem mais feio. A
média do trimestre até fevereiro ficou 18,9% abaixo do pico histórico
registrado em maio de 2011. Houve oscilações, naturalmente, nos anos seguintes,
mas a tendência geral foi de enfraquecimento da indústria.
Em todo esse período houve alto desemprego,
geralmente acima de 7% da força de trabalho. Tomem-se, por exemplo, os números
do trimestre móvel de dezembro a fevereiro. Entre 2013 e 2022, a taxa foi
superior a 10% em sete anos. O último levantamento mostrou uma desocupação de
11,2%, com 12 milhões de pessoas em busca de vagas, segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Não há, por enquanto, sinais de grande
mudança neste ano e no próximo. Divulgadas há poucos dias, as novas projeções
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam crescimento de 1,1%
para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2022 e de 1,7% em 2023.
A expansão será sustentada pela
agropecuária e pelos serviços. A produção industrial deve encolher 0,8% neste
ano e crescer 0,8% no próximo. Do lado da demanda, o relatório destaca a
expansão de 1,1% do consumo familiar, neste ano, favorecido pelo Auxílio Brasil
e por alguma melhora do emprego e do crédito. Mas é difícil imaginar condições
de crédito muito mais favoráveis, quando se preveem juros básicos de 12,75% a
partir de maio.
Em outro estudo, também divulgado em março,
o Ipea estima para 2022 um crescimento do emprego menos acentuado que o do
último ano, por causa de “um desempenho mais moderado da atividade econômica”.
Enfim, a inflação poderá ser menor que a de
2021, mas deverá superar 6,5%, segundo projeção do mercado. A alta de preços
continuará, portanto, erodindo o poder de compra das famílias, e também esse
detalhe é importante para qualquer visão prospectiva – dos cidadãos, dos
empresários e, naturalmente, dos candidatos à Presidência.
Corte de imposto contra inflação
O Estado de S. Paulo
Mais importação pode ser usada para conter preços, mas cotações externas também são altas e favorecem o Brasil
Confrontado com inflação superior a 10% ao
ano, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tenta conter a alta de preços
baixando impostos e facilitando a importação de artigos de consumo e de bens de
produção. Os cortes poderão ser ampliados, segundo informou o Estadão, se as empresas
deixarem de repassar ao consumidor os benefícios já concedidos. Não há como
avaliar, por enquanto, o efeito dessas medidas, mas vale a pena chamar a
atenção, inicialmente, para um ponto. A inflação tem sido afetada pelas
cotações internacionais de minérios e de alimentos. Essas cotações subiram,
inicialmente, com a recuperação econômica pós-pandemia e, depois, com os
desarranjos causados pela guerra na Ucrânia. Isso pode limitar os efeitos de
uma iniciativa para facilitar as importações.
Em segundo lugar, convém levar em conta os
preços por atacado no mercado interno. Esses preços têm sido afetados pelas
cotações externas, pelo câmbio e por eventos domésticos, como excesso de chuvas
em algumas áreas e escassez em outras. Esses preços continuam subindo de forma
sensível, embora o ritmo tenha diminuído recentemente. O aumento mensal do Índice
de Preços ao Produtor (IPP) passou de 1,20% em janeiro para 0,56% em fevereiro,
mas a alta em 12 meses chegou a 20,05%, uma taxa muito elevada e repassada,
como é normal, apenas parcialmente ao consumidor. Esse indicador mede a
variação dos preços industriais na porta de fábrica, sem impostos e sem
transporte, e é calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE).
Também a Fundação Getulio Vargas (FGV)
mostrou uma desaceleração de seu Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA). A
variação passou de 2,36% em fevereiro para 2,07% em março, segundo o Índice
Geral de Preços – Mercado (IGP-M). Este amplo indicador é formado por três
componentes. O IPA é o mais importante, com peso de 60% no conjunto. Os preços
ao consumidor correspondem a 30% do conjunto e os custos da construção, a 10%.
A variação do IPA em 12 meses chegou a 16,55%, enquanto os preços ao consumidor
subiram 9,19%.
Os dois indicadores de preços por atacado –
o do IBGE e o da FGV – continuam fortemente influenciados pelo mercado
internacional, muito dependente, hoje, do presidente Vladimir Putin e pouco
afetado pelas preocupações das autoridades brasileiras. No caso do Brasil, há
motivos tanto para celebrar quanto para lamentar a evolução dos preços globais
das matérias-primas. O efeito inflacionário é econômica e socialmente ruim e
politicamente custoso para as autoridades, mas o benefício comercial é
inegável, com aumento da receita de exportação e do superávit na conta de
mercadorias.
Uma sólida conta comercial garante reservas
em dólares e segurança contra crises cambiais, muito dolorosas para a maioria
dos trabalhadores. Mas essa segurança é pouco notada pela maioria das pessoas,
assim como a segurança proporcionada por detalhes de engenharia pouco visíveis
para os leigos. O efeito inflacionário dos preços internacionais elevados é
muito mais perceptível.
Pressão por reajuste para servidor fura
teto e desrespeita sociedade
Valor Econômico
Investimento direto não está eternamente
imune ao efeito negativo de políticas como a deterioração das condições fiscais
No momento em que a economia brasileira
volta a desacelerar de maneira significativa, o governo Bolsonaro cogita
reajustar os salários de todo o funcionalismo público. A correção seria de 5% e
teria impacto estimado, no orçamento deste ano, de R$ 5 bilhões, caso a medida
seja aprovada até o fim de junho e, portanto, tenha efeito durante seis meses
em 2022. Em 2023, a conta aumentaria para R$ 8,3 bilhões, considerando-se
apenas o gasto do Poder Executivo. É de se esperar que a despesa suba além
desses valores, uma vez que os poderes Legislativo e Judiciário, além do
Ministério Público Federal (MPF), exigirão o mesmo tratamento ou algo até mais
generoso.
No caso da magistratura e do MPF, há
projeto em tramitação no Congresso para mudar os planos de carreira com
objetivo aparentemente nobre: aumentar a distância entre o menor salário de
entrada e o de saída. O problema é que a solução proposta carece de nobreza - a
ideia é aumentar o valor do salário com o qual juízes e procuradores se
aposentam, em vez de reduzir o vencimento básico das duas carreiras.
A ideia de reajustar os salários do
funcionalismo em pleno ano eleitoral é do presidente Jair Bolsonaro. Candidato
à reeleição, no fim do ano passado manifestou publicamente a intenção de
conceder aumento linear, isto é, a todas as carreiras, de 5%. Inicialmente, o
plano seria corrigir os vencimentos dos policiais federais, mas, logo,
Bolsonaro percebeu que beneficiar uma carreira, em detrimento de todas as
outras, não é politicamente recomendável em Brasília.
Se tem um setor da sociedade que o
presidente conhece bem é o funcionalismo. Foi com os votos dessa corporação e
dos militares, da ativa e da reserva, que Bolsonaro obteve sete mandatos
consecutivos como deputado federal pelo Rio de Janeiro, onde ainda se concentra
o maior contingente de funcionários públicos do país. Durante 28 anos, a
bandeira do presidente no Legislativo foi única: defender os interesses do
funcionalismo civil e militar.
Na lei orçamentária deste ano, está
previsto R$ 1,7 bilhão para reajuste dos servidores. O texto, porém, não
especifica que categorias serão contempladas. É por essa razão que, se o
governo optar por aumento linear de 5%, precisará remanejar R$ 3,3 bilhões de
outras despesas. A diferença pode vir de verbas originalmente destinadas a
emendas de relator ao orçamento, conhecidas por falta de transparência.
Seja qual for o caminho escolhido, será
necessário que o Congresso aprove mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO). Há um projeto de lei em tramitação que altera a LDO, mas não trata desse
tema. Ainda assim, o reajuste esbarra no teto constitucional de gastos, em
vigor desde 2017.
O teto foi adotado como medida radical de
controle da expansão desenfreada que os gastos públicos vinham tendo há quase
três décadas, agravada durante os quase 5,5 anos de gestão da presidente Dilma
Rousseff, que abandonou a disciplina fiscal e recolocou o setor público na rota
do endividamento exponencial. Instituído por emenda constitucional, o teto tem
validade de dez anos, renovável por mais dez. No fundo, por tratar-se de
mecanismo rígido, deve vigorar até que a sociedade, por meio do Congresso,
defina o tamanho do Estado no Brasil.
O teto limitou a evolução das despesas à
variação da inflação do ano anterior, tomando-se como base o orçamento de 2016.
Isto significa, e este é o "detalhe" ainda incompreendido por boa
parte da classe política, que arrecadar mais tributos não significa ter
dinheiro de sobra para gastar porque o limite da despesa já está dado. Quando a
receita cresce, como ocorreu no ano passado, a destinação deve ser a
amortização da dívida, iniciativa que, ao longo do tempo, reduz o volume de
juros pagos pela União e, consequentemente, o custo da dívida, o que, por sua
vez, libera recursos para outras áreas.
A existência do teto não impediu que,
diante de uma crise grave e inesperada, como foi a pandemia nos últimos dois
anos, o governo pudesse atuar para minorar seus efeitos. Sempre haverá espaço
de manobra, desde que não se torne rotina mudar regras do teto para realizar
gastos injustificáveis.
A área econômica do governo, comandada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, é contrária ao reajuste do funcionalismo. “Isso vai ser como tirar o pino da granada. Vai explodir tudo", disse Guedes a assessores, segundo a colunista Cláudia Safatle. O ministro está coberto de razão. A contenção do gasto com salários tem sido o cerne da política fiscal do governo Bolsonaro.
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