Valor Econômico
Filiações partidárias indicam presidente na
frente nas alianças regionais
“Conquistar
a Europa, a Oceania e mais um continente”. “Invadir 18 territórios e ocupar
cada um deles com pelo menos dois agrupamentos”. “Destruir totalmente os
exércitos amarelos”.
Esses são alguns dos objetivos a serem
alcançados pelos participantes de War, o jogo de tabuleiro que os amigos
Gerald, Roberto, Oded e Waldir trouxeram para o Brasil em 1972 e que se tornou
o carro-chefe para a criação da fabricante de brinquedos Grow (cujo nome é
formado pelas iniciais dos criadores da empresa).
As dinâmicas do jogo que marcou gerações servem para ilustrar as estratégias da disputa eleitoral deste ano.
De um lado, temos o aspecto territorial.
Nas últimas décadas se desenhou com forte nitidez uma divisão do país entre o
Nordeste petista e a grande faixa que segue a expansão da fronteira do
agronegócio do Sul ao Centro-Oeste e Norte, conquistada por candidatos mais
conservadores - a princípio os tucanos e, desde 2018, Bolsonaro.
Também há a força política em determinadas
regiões. São Paulo é uma fortaleza dos caciques do PSDB, assim como muitos
Estados são dominados ou sofrem forte influência de poderosas famílias, como os
Arraes/Campos em Pernambuco, os Magalhães na Bahia, os Gomes no Ceará e os
Barbalho no Pará.
E por fim é preciso ter combatentes.
Militância e estrutura de base (vereadores, prefeitos, deputados estaduais e
federais), acrescidos dos soldados das redes sociais, são determinantes para
aumentar as chances de vitória de qualquer candidato.
O exército vermelho do PT e as tropas
bolsonaristas, agora ampliadas pelas forças do Centrão, estão preparados para
um embate de proporções nucleares.
Neste final de semana terminaram os prazos
para migrações partidárias, filiações, mudanças de endereço eleitoral e
desincompatibilizações de autoridades que pretendem disputar cargos em outubro.
Os números provisórios publicados até agora
demonstram que, nesta primeira rodada do War eleitoral de 2022, Bolsonaro
claramente avançou suas peças de modo muito mais organizado e estratégico do
que a de seus adversários à Presidência.
Conforme amplamente noticiado, o PL de
Bolsonaro foi o grande vencedor da janela partidária, tornando-se a principal
bancada no Congresso Nacional. Ainda que boa parte desse movimento tenha se
dado por parte de deputados e senadores eleitos pelo PSL em 2018, os lances de
Bolsonaro foram muito mais ambiciosos.
Analisando o vai-e-vem dos parlamentares,
houve uma maciça atração para o PL (com o Republicanos e o PP lhe dando
retaguarda) de políticos que estavam dispersos entre partidos médios e pequenos
como PTB, Solidariedade, Patriotas, Podemos, Pros, etc. Isso significa que o
Centrão avança neste ano como um comando unido em torno de Bolsonaro, e não
disperso em várias unidades mercenárias, tática comum no passado.
Com as forças da terceira via perdidas no
tiroteio entre Bolsonaro e Lula, desnorteadas pelo fogo amigo numa disputa
fratricida pelo poder, o presidente também atraiu desertores do PSDB, MDB, do
antigo DEM e do PSD.
Isso fica bem evidente no campo de batalha
das Assembleias estaduais. O PL de Bolsonaro, que já era o maior partido no Rio
de Janeiro, ocupou esse posto também em São Paulo e ampliou sua base em Minas
Gerais.
Nas Assembleias Legislativas do Sul,
Centro-Oeste e Norte, as forças do bloco PL-PP-Republicanos ampliaram suas
bancadas e se tornaram dominantes em praticamente todos os Estados.
Essa tática de fincar posições em sua área
de influência ainda ganha o reforço da munição de governadores de outros
partidos em busca de reeleição - como Ratinho Júnior (PSD-PR), Ibaneis Rocha
(MDB-DF), Mauro Mendes (União Brasil-MT) e Wilson Lima (União Brasil-AM) - e de
candidaturas em ascensão, como Tarcísio Freitas (SP) e Onyx Lorenzoni (RS).
Pelo lado lulista, ao contrário, não se viu
nenhuma movimentação digna de nota além da adesão de Geraldo Alckmin à posição
de vice na chapa do PT à Presidência.
A conversão do ex-tucano provocou muito
barulho, mas ainda pouco calor na campanha de Lula. A filiação de Alckmin ao
PSB, além de não ter garantido a celebração de uma federação com o PT, não
atraiu outros políticos centristas de peso para o campo da esquerda e tampouco
pacificou disputas em regiões como São Paulo, Pernambuco e Rio Grande do Sul.
As manobras das tropas no último mês
indicam que os lulistas ainda não conseguiram furar a bolha da esquerda (PT, PC
do B, PV, Psol, Rede e PSB). A prometida guinada para o centro e a criação de
uma frente de amplo espectro contra Bolsonaro até agora só ficou no discurso.
Aparentemente paralisado por um sentimento
de “já ganhou”, o PT parece mais interessado em apostar suas fichas numa velha
obsessão: conquistar o Estado de São Paulo dos tucanos.
Durante a janela partidária, o PT ficou
praticamente do mesmo tamanho na Câmara e no Senado. Nas Assembleias Estaduais,
o partido não avançou quase nada nos territórios bolsonaristas, e só se
reforçou mesmo em Estados onde a esquerda já domina, como Piauí, Maranhão,
Ceará e Bahia.
O risco da estratégia petista (aliás, Risk
é o nome original do jogo que no Brasil virou War) é acreditar que sua posição
no Nordeste é inabalável. A inabilidade do partido em manter alianças pode não
apenas lhe custar a Bahia para o União Brasil de ACM Neto, mas resultar em
prejuízos nos demais Estados.
No perde-e-ganha das migrações entre os
deputados estaduais, que estão no front da guerra eleitoral, chamou a atenção o
crescimento da bancada do PSDB no Rio Grande do Norte, do Republicanos na
Paraíba e do União Brasil do bolsonarista Capitão Wagner no Ceará. Sem falar a
quebra de unidade no palanque de Lula em Pernambuco, com a saída de Marília
Arraes do PT.
Ciro Nogueira, o principal estrategista das
jogadas do presidente, já anunciou que o Nordeste é uma batalha perdida para
Bolsonaro. Mas ao infiltrar aliados nos domínios do exército vermelho, os
bolsonaristas buscam minimizar os danos e faturar alguns pontos percentuais que
podem ser decisivos no final.
O tabuleiro já está montado e as peças já
se distribuem no campo de batalha. Com as velhas raposas do Centrão lançando os
dados, é bom não menosprezar as chances de Bolsonaro.
*Bruno Carazza é mestre em
economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as
engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
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